Estudo sobre Filipenses 1:27

Filipenses 1:27


Paulo desenhou para si e para os filipenses a grata imagem do reencontro. Porém não fez isso para que agora sonhem a esse respeito e preencham o tempo com esperas e preocupações. Com um movimento vigoroso (“Acima de tudo:”), Paulo leva os filipenses, depois de todas essas comunicações pessoais, de volta a seus próprios afazeres e tarefas. Que o alegre dia da glorificação transbordante seja concedido, mas acima de tudo está diante de todos o cotidiano com suas demandas, e essas demandas não são fáceis nem para os filipenses nem para Paulo.

“Vivei vossa vida comunitária.” O verbo usado aqui por Paulo pode ter esmaecido para um significado genérico “conduzir a vida, andar”. É assim que ocorre, p. ex., em At 23.1. Como Paulo não emprega aqui o termo peripatein, que ele em geral mais utiliza para “andar”, o uso de politeuesthai certamente visa expressar ao mesmo tempo o momento “político” (cujo som também permite a nós essa associação de termos). Ou seja, não apenas “Vivei vossa vida!”, mas “Vivei vossa vida comunitária!”. Desse modo somos novamente lembrados de que o NT nunca se dirige a pessoas isoladas, que não visa a formação de personalidades em si, mas a “comunidade”, as irmandades e sua vida conjunta. “Conduta”, “santificação”, também isso e justamente isso é o objetivo da vida fraterna no NT.

Que configuração deve ter a vida da congregação? Paulo, que lutava para que as igrejas não se tornassem reféns de uma santificação legalista (cf. especialmente Cl 2.16-23), não é capaz de responder a essa pergunta com determinados “estatutos”. Preceitos jamais captarão a plenitude da vida ativa em sua constante mutação, e ficarão sempre presos a aspectos exteriores. Por isso Paulo fornece um ponto de orientação capaz de determinar constantemente o comportamento no convívio da igreja a partir de dentro: “De modo digno do evangelho do Cristo vivei vossa vida comunitária!” Este é um traço muito significativo da “ética” do NT. O fazer e produzir das pessoas não são o mais importante. Antes de tudo elas são livre e ricamente presenteadas: o evangelho do Cristo, o Redentor, com seu amor que jamais será compreendido, vem até eles. Na sequência, há evidentemente um viver e agir que corresponde a essa graça régia, a esse amor imerecido. “Eleitos, nascidos em alta posição, cumpre andar de acordo com ela.” Uma pessoa de fora, distante, não pode dizer aos filipenses de que consiste esse agir e viver “digno” hoje e aqui, mas eles mesmos são capazes de descobrir estas diretrizes na irmandade. Com segura e crescente “sensibilidade” (Fp 1.9s) eles perceberão: isto não é “digno do evangelho”, mas aquilo pode ser esperado do povo do Cristo.

Paulo ditava suas cartas. Contudo, não tinha para isso uma secretária que escrevia rapidamente usando estenografia. Naquele tempo conheciam-se somente letras maiúsculas, que tinham de ser penosamente desenhadas sobre material de escrita bastante tosco. Por isso o ditado progredia apenas lentamente. Quantas coisas podem ter passado na mente ardente de alguém como Paulo enquanto ditava especificamente palavra por palavra! Não é de surpreender que a construção da frase também fosse rompida, como vemos na presente passagem: “para que, ou indo ver-vos ou estando ausente – ouça como estais, que vós…” Contudo é precisamente esse salto na construção da frase que torna explícito o que Paulo visa dizer. Assim como a carta inteira é perpassada pela incerteza e pelo dilema em relação ao destino definitivo do apóstolo (cf. lado a lado Fp 1.20,25s; 2.17s,23), permanece impreciso também agora: será que o próprio Paulo estará de volta em Filipos e verá como vão as coisas, ou será que continuará separado da igreja, dependendo de notícias? Não importa! Nenhum aspecto decisivo depende disso. O principal é “que estais de pé em um só Espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé no evangelho”. Independentemente do que possa estar incluído em uma “vida comunitária digna do evangelho”, uma tarefa é colocada diante da igreja em Filipos como essencial: cabe-lhe “ficar de pé”. Na resistência da igreja durante a Segunda Guerra Mundial aprendemos a valorizar e utilizar novamente a simples palavra “ficar firme”, sem qualquer adendo: os pastores permaneceram “em pé”, a igreja “está de pé”. Não precisa realizar grandes coisas, nem realizar grandes ofensivas. Contudo, no tiroteio de ataques humanos e demoníacos cabe-lhe permanecer de pé sem se abalar e sem retroceder. Por isso a “perseverança” no sentido da capacidade de suportar com persistência constitui uma palavra tão decisiva e frequente no NT, atingindo o ápice na expressão “Aqui há perseverança e fidelidade dos santos” (Ap 13.10) na última batalha da era mundial anticristã. É por isso que “Filadélfia” obtém o louvor e a promessa especial do Senhor, “porque guardaste a palavra da minha perseverança” (Ap 3.10). Nisso reside também a tarefa dos filipenses. A carta, uma carta da “alegria” como nenhuma outra, não foi apenas escrita por um homem que enfrentava sofrimento, mas foi também dirigida a uma igreja que há anos vivia em tribulações e aflições! A ferrenha oposição que eclodira imediatamente contra Paulo naquele tempo (At 16.19-24) não acabou com sua honrosa libertação da prisão (At 16.35-39). Por trás dela certamente não estavam apenas a encarniçada avidez humana e o orgulho nacional romano, mas o mundo das trevas, em cuja esfera de poder Paulo havia interferido direta e poderosamente ao libertar a jovem escrava do espírito de vaticínio (At 16.16-18). Ainda hoje “adversários” ameaçam seriamente a igreja.


Se a igreja pretende vencer essa luta que lhe foi ordenada da forma devida, precisará de unidade e coesão. Essa unidade tem uma base objetiva nesse “um só Espírito”, no qual tem o privilégio de viver. Já sabemos que logo no começo da carta Paulo enfatizou o “todos, todos”. Também nessa luta todos, todos precisam estar engajados. Podem fazê-lo também sem levar em conta sua força ou fraqueza, porque esse um só Espírito está disponível para todos eles, ajudando-os da mesma maneira como o apóstolo, “para que não sejam envergonhados”, mas para que também neles Cristo seja engrandecido no sofrimento. Desse fundamento conjunto concedido por Deus brota então o “lutar juntos com uma só alma pela fé no evangelho”; da dimensão objetiva brota a imprescindível dimensão subjetiva. Aqui Paulo acrescentou ao termo “lutando juntos” ou “batalhando conjuntamente” um dativo: “à fé do evangelho”. Esse dativo poderia depender gramaticalmente do “juntos” ou do “com” no verbo, expressando assim que os filipenses realizam sua luta “em conjunto com a fé”. Nesse caso a fé seria um poder vivo específico. Mas o dativo também poderia ser aqui (assim como em muitas outras ocasiões) um dativo instrumental. É assim que o entende A. Schlatter: “para que lutais juntos… com uma só alma mediante a fé na boa nova”. Então o alvo da luta não seria mais expressamente indicado. Em termos linguísticos seria sem dúvida mais plausível considerar “a fé no evangelho” como objeto pelo qual se luta, e pelo qual os cristãos em Filipos devem lutar conjuntamente.

Neste momento não se trata da ofensiva do testemunho. Paulo não está falando dessa luta por corações humanos. Na verdade, ele prefere ilustrar essa tarefa da evangelização com imagens diferentes que a da “luta” (cf., p. ex., 2Co 2.12,14-16; 4.3-6). Aqui se trata da luta defensiva que sofre, de “que ninguém amoleça nessas tribulações”, como diz aos tessalonicenses (1Ts 3.3), de que ninguém cambaleie e caia, de que a igreja permaneça coesa em todos os seus membros. Assim como o NT em geral acentua muito as virtudes “passivas” da “mansidão, humildade, paciência”, assim a “luta” da igreja também não significa “atacar” os outros, mas perseverar inabalavelmente diante dos ataques destes outros e do ódio do mundo.