Estudo sobre Filipenses 1:13-14

Filipenses 1:13-14


Como isso é possível?! Além dos filipenses, também nós lhe damos ouvidos atentamente. Porque essa “situação” de Paulo já não é para nós hoje uma questão curiosa e distante que tentamos penosamente tornar palpável por ter havido certa vez no passado algo desse tipo. Pessoas dos dias de hoje, irmãos e irmãs de nosso meio, sofreram “situações” semelhantes e também continuarão a sofrê-las. Como lidamos no íntimo com essa situação, o que ela significa para o evangelho? Por que o Senhor permite que seus mensageiros enfrentem tais dificuldades? Essas perguntas são atuais. Paulo não se eleva simplesmente acima das dificuldades e não faz de conta que tudo é aprazível e belo. Notamos isso na expressão “mais” ou “antes”. No entanto, pode constatar agora com gratidão que tudo conduziu “mais”, “antes” para o progresso da mensagem, pois uma nova e inesperada possibilidade missionária se abriu, precisamente no quartel. A este respeito Paulo não fala na voz ativa: “Aqui pude falar acerca de Jesus aos soldados.” Afinal, era óbvio que ele não se calava acerca de Jesus. Paulo nunca teria silenciado acerca de Jesus em qualquer lugar que estivesse! Mas, por mais incondicionalmente necessário que seja nosso testemunho, sobre a trajetória do evangelho paira sempre o mistério da condução e eficácia divinas. A “porta da palavra” não é aberta por nós, mas por Deus (Cl 4.3). Por isso Paulo declara que “suas algemas se tornaram manifestas em Cristo em todo o pretório”. Também houve tentativas de ligar o “em Cristo” com a expressão “minhas algemas”: que a prisão desse homem seria uma “prisão em Cristo”, uma prisão em virtude da causa de Jesus e não em virtude de um crime, que isso tenha sido entendido pelos soldados e pelos demais. Contudo, fato é que o “em Cristo” se encontra entre “manifesto” e “tornou-se”, de modo que somente pode estar conectado com essa expressão. No NT “tornar-se manifesto” sempre é um processo que parte de Deus: Rm 1.19; 1Co 3.13; 11.19; 14.25. Deus, porém, age “em Cristo”. Afinal, para Paulo tudo acontece “em Cristo”. Por isto aconteceu “em Cristo” (ou “por Cristo”, como também é possível traduzir aqui a preposição grega en) que em todo o quartel se falasse do estranho prisioneiro que se diferenciava tanto de todos os outros prisioneiros que normalmente se via dentro do quartel. “Que razão haveria para encarcerar um homem desses?” Ora, quase que automaticamente surgia assim a oportunidade de anunciar, como resposta a tais perguntas, a mensagem de Jesus, que ia sendo transmitida por todas dependências do quartel. Contudo ela também se difundiu para além do quartel, para “todos os demais”. Não sabemos de quem exatamente Paulo fala. De qualquer maneira, porém, os soldados informam a outros acerca do prisioneiro de que estão cuidando agora e o que ele tem para dizer. Portanto é justamente assim que o evangelho alcança pessoas das quais do contrário jamais se teria aproximado. O que primeiro parecia ser um terrível impedimento, não obstante acaba servindo ao progresso da causa.


Paulo pode informar com gratidão uma segunda coisa. Na verdade Paulo nunca realizou seu trabalho como “grande homem” solitário. Nosso costumeiro sistema de um homem sozinho e nossa tendência a “venerar heróis” em geral nos induz a uma ideia completamente equivocada. Sem dúvida ele reivindica, p. ex. diante dos coríntios, ser o “pai” da igreja (1Co 4.15). Mas por meio de uma observação em 2Co 1.19 constatamos que até mesmo em Corinto ele trabalhou junto com outros na proclamação. Ainda mais em Roma, onde a igreja e o trabalho eclesial existiam muito antes de sua chegada. Aparentemente há ali um grande grupo de irmãos que evangeliza ali. Como o agravamento da situação de Paulo influiu sobre eles? Será que, assustados e intimidados, ficaram calados, quando o processo contra Paulo se torna tão perigoso? Sem dúvida houve um choque, que diversas pessoas não superaram. Mas “a maioria dos irmãos ousa falar com mais desassombro a palavra de Deus”. Paulo insere um particípio explicativo que pode ser reproduzido na tradução com a frase “porque têm confiança no Senhor para com minhas algemas”. Outros preferem fazer a seguinte construção: “porque obtêm confiança de minhas algemas no Senhor”. Em termos puramente gramaticais também seria bastante plausível sintetizar as palavras justapostas: a maioria “dos irmãos no Senhor”. Contudo, será que Paulo teria destacado tanto o fato de que os irmãos realmente são “irmãos no Senhor”? Em contraposição, a “confiança nas algemas” demandava maior explicação e justificativa do que é proporcionada pelo adendo “no Senhor”. Mas a primeira tradução corresponde à aplicação habitual da respectiva palavra grega, e o conteúdo de ambas as afirmações é surpreendente. Como se pode “obter confiança” da prisão reforçada de um irmão? Na verdade isso somente pode acontecer como milagre “no Senhor”, algo que vai contra tudo o que é costumeiro. Ou será que se pode “ganhar confiança” nas algemas de um irmão? Pois bem, dos períodos da resistência da igreja na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial temos conhecimento de que por ocasião das detenções facilmente surgiam perguntas como: Não será culpa própria do irmão? Não haveria algo verdadeiro nas acusações levantadas contra ele? Tais dúvidas também podem ter surgido em Roma contra Paulo, que vinha de um lugar longínquo, e sobre o qual “se falavam coisas tão diversas”. Agora, porém, os irmãos ficaram convictos de que Paulo de fato está em cadeias unicamente por amor do evangelho, possuindo “no Senhor” confiança em suas algemas. Por isso os irmãos dizem entre si: agora temos de entrar na brecha pelo prisioneiro e “ousar tanto mais, dizer a palavra de Deus com mais desassombro” nos lugares aos quais ele já não pode levá-la. Ainda que Paulo passe a faltar na evangelização pública em Roma, esse reforço na cooperação dos irmãos significa sem dúvida um progresso do evangelho.