1 Pedro 2:21 — Siga a Cristo como Pregador

“Porque Deus os chamou para fazerem o bem, mesmo que isso resulte em sofrimento, pois Cristo sofreu por vocês. Ele é seu exemplo; sigam seus passos.”
(1 Pedro 2:21 NVT)

Jesus é o Mestre por excelência: seu ensino nasce do amor, caminha na verdade e deságua em vida. Ele é perfeito (1 Pedro 2:22), mas sua perfeição não nos afasta; abre caminho para gente comum. Por isso o chamado como ensina Pedro, “porque para isto sois chamados” (ACF), não é ideal inalcançável; é direção concreta para o cotidiano e para o nosso falar público de Deus (EDWARDS, 1 Peter: Story of God Bible Commentary, 2017, pp. 118–119).

O versículo une dois fios: Cristo “sofreu por vós” e “deixou-vos um modelo” a seguir. Não é só contemplação; é discipulado prático. No parágrafo de 2:21–25, a forma do texto conduz do exemplo (2:21–23) à obra vicária que cura e reconduz (2:24–25): “passamos com facilidade do exemplo dos sofrimentos de Jesus ao seu valor redentivo” (MICHAELS, 1 Peter [WBC], 1988, pp. 144–145). Assim, o que Ele fez por nós é base; o que Ele nos deixou como modelo é direção — inclusive para como responder, falar, evangelizar e ensinar quando provados.

Mas o que significa “seguir de perto os seus passos”? A imagem é muito concreta. Em grego, Pedro usa a palavra hypogrammon, que não é um “exemplo” genérico; é aquele “caderno-modelo” sobre o qual a criança, no passado, traçava as letras até aprender a escrever direito. Em outras palavras, imitar Cristo aqui não é copiar detalhes externos de uma cena antiga, mas aprender com Ele “o traço” — a maneira de responder, falar, esperar, sofrer e amar. Um estudo filológico do grego mostra que o verbo “seguir” com “passos” (epakolouthēsēte tois ichnesin) era usado justamente para “andar na trilha de alguém”, às vezes literalmente rastreando pegadas; e, por extensão, para “seguir o padrão” de caráter e direção (HORRELL; TUCKETT; WILLIAMS, 1 Peter [ICC], 2023, p. 821).

Perceba como isso conversa com a sua intenção de linguagem simples: não é tecnicismo — é metáfora doméstica. Uma criança traça por cima da letra; o discípulo traça por cima das atitudes de Cristo. Daí a força pastoral do texto: “não devolver ofensa com ofensa”, “não revidar ameaça com ameaça”, “entregar-se a Deus que julga com justiça” (1 Pedro 2:23). Em termos práticos, é responder com mansidão verdadeira: linguagem calma, firmeza na verdade, paciência ativa. A mesma passagem é lida por outro comentário como “linguagem pitoresca de discipulado”: seguir passos, adotar um padrão (EDWARDS, ibid., 2017, pp. 118–119).

1 Pedro 2:21 — Siga os Passos de Cristo

Quando Pedro manda “seguir os passos”, ele está ecoando o chamado constante de Jesus: “Siga-me” (Mateus 4:19; Lucas 9:23). E o que marcava esse caminho? Amor paciente, veraz, que serve. E serve na forma como fala, se expressa, evangeliza. É por isso que “seguir” não é só admiração; é participação. Como notou um clássico comentário, “seguir” no Novo Testamento carrega a ideia de partilhar o destino do Mestre, inclusive quando isso envolve sofrer pelo bem, confiando plenamente (DAVIDS, The First Epistle of Peter (NICNT), 1990, p. 149; cf. 1 Pedro 2:21b-23). Nada pode ser mais factual do que “sofrer” quando falamos da nossa fé. Aos ouvidos dos secularistas e odiadores do Cristianismo, expressar uma fé cristã é motivo claro de perseguição acadêmica, no trabalho e especialmente bullying na escola entre os companheiros de classe.

Alguém pode perguntar: “Mas e se eu não tiver forças para imitar a Cristo?” A resposta do próprio texto é: Ele sofreu por nós (base), “para que” pudéssemos segui-lo (direção). Não imitamos para ser amados; imitamos porque já fomos amados — e curados: “pelas suas feridas fostes sarados” (1 Pedro 2:24). Um dos melhores leitores de 1 Pedro mostra como o parágrafo conduz o leitor do exemplar à energia: do “modelo” (2:21–23) à “mediação que cura e reconduz” (2:24–25). Imitar não é teatro moral; é fruto de quem já foi alcançado pela obra de Cristo (MICHAELS, ibid., 1988, pp. 144–145).

Isso tem implicações muito concretas para gente ferida por injustiças quando está expressando sua fé, seja na igreja, no trabalho, onde for. Pedro não romantiza sofrimento; ele orienta o discípulo a não-retaliar e a confiar no Justo Juiz. A imagem dos “passos” ajuda: ela não exige que eu refaça cada detalhe da Paixão; pede que eu ande na mesma direção com o mesmo espírito — verdade sem dolo (2:22), mansidão sem ameaça (2:23), entrega confiante (2:23), vida nova de justiça (2:24). A própria filologia dos “passos” (em grego: ichnē) sustenta essa leitura: é “caminho”, “rumo”, “trilha” — orientação de vida (HORRELL; TUCKETT; WILLIAMS, ibid., 2023, p. 821).

E onde o amor entra? Em tudo. O amor não “anula” a verdade; ele a torna humana, paciente e firme. Jesus ensinava verdades duras com coração manso (Mateus 11:28–30; João 8:46), e é justamente isso que Pedro ecoa: “não houve dolo em sua boca” (1 Pedro 2:22). Em termos de prática devocional: reduzir o tom quando a conversa ferve; dizer a verdade sem humilhar; fazer um bem silencioso ao ofensor (Romanos 12:17–21). O chamado à imitatio Christi está amarrado ao cotidiano da comunidade, porque “o toque de Cristo” é a régua da ética cristã.

Já nos primeiros séculos, os cristãos cultivavam um habito de paciência e mansidão que evangelizava sem alarde. Mesmo sem entrar em sociologia, vale notar — para encorajar o leitor comum — que a paciência e o trato bondoso eram marcas que intrigavam o mundo ao redor (KREIDER, The Patient Ferment of the Early Church, 2016, pp. 99-101, 235-236). A própria maneira como Pedro costura Isaías 53 no parágrafo (2:22, 24–25) mostra que a cura precede a cópia: primeiro Ele nos sara e nos reconduz; daí nascem passos novos — linguagem nova, gestos novos.

O que Pedro oferece em 2:22–23 se torna régua para a boca do pregador: “não houve dolo em sua boca” (verdade sem falsidade), “não revidava” (mansidão não passiva), “entregava-se ao que julga com justiça” (confiança). Esse ethos verbal coincide com 1 Pedro 3:15: apresentar defesa “com mansidão e respeito”. Trata-se de linguagem calma, firme na verdade e paciente — não truque de retórica, mas culto (EDWARDS, ibid., 2017, pp. 118–119). No NT, “seguir” costuma implicar partilhar o destino do Mestre; inclusive sofrer pelo bem enquanto se dá testemunho (DAVIDS, ibid., 1990, p. 149).

A energia para isso não nasce do esforço moral: “Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro… pelas suas feridas fostes sarados” (2:24). A cura precede a cópia. A estrutura do parágrafo confirma: do “modelo” (2:21–23) à “mediação que cura e reconduz” (2:24–25) (MICHAELS, 1988, pp. 144–145). Assim, pregamos e respondemos de modo cristiforme porque já fomos alcançados pela obra de Cristo.

Historicamente, esse padrão transbordou em prática pública: paciência, mansidão e bondade intrigaram o mundo e sustentaram o testemunho dos cristãos (KREIDER, The Patient Ferment of the Early Church, 2016, pp. 99–101, 235–236). O modo de anunciar foi coerente com o conteúdo anunciado. A costura de Isaías 53 em 1 Pedro 2:22, 24–25 mostra o caminho: a obra que nos sara possibilita passos novos — linguagem nova, gestos novos, ensino no tom do Mestre.

Roteiro pastoral (com foco no ensino/pregação):

1. Olhar para Ele (1 Pe 2:21–25): o que Ele não fez sob injustiça? o que Ele fez? (verdade sem dolo; mansidão sem ameaça; confiança em Deus).

2. Traçar por cima: escolha um traço do Mestre para modelar sua próxima mensagem — clareza sem dureza, convicção sem agressividade, entrega confiante.

3. Servir com amor: a forma como tratamos as pessoas valida o que pregamos (Rm 12:17–21).

4. Orar por opositores (Mt 5:44): purifica o coração do pregador para falar sem amargura.

Destino da trilha? “O Pastor e Bispo das almas” (2:25). Seguir seus passos — no sofrer e no falar — não é romantismo; é realismo do Reino. Ele foi adiante, deixando pegadas nítidas; cabe a nós pôr o pé nelas também quando abrimos a boca para anunciar o Evangelho.

Aprenda a amar as verdades bíblicas

Amar a verdade que ensinamos começa por amar aprender com Deus. É um amor que se educa aos poucos, como quem treina o paladar para um alimento bom — até o corpo pedir por ele. As Escrituras já desenham esse caminho: “se aceitares… se entesourares… se clamares… se persistires em procurar como prata… então entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus” (Provérbios 2:1–5). São verbos de desejo, perseverança, busca. A sabedoria não cai no colo; é garimpada como minério. E, porque Deus é Pai, ele não nos pede o impossível: “Deus é amor” e nos fez à sua imagem (1 João 4:8; Gênesis 1:27). Portanto, despertar amor pela verdade é alinhar o coração com o que já fomos criados para ser: filhos que desejam o bem. Esse mesmo amor molda o modo de anunciar o que amamos: quem bebe dessa fonte aprende a ensinar como o Mestre — com clareza, mansidão e fidelidade.

Esse “desejo” aparece, no Novo Testamento, com a força de um imperativo. Pedro diz à igreja: “desejai ardentemente o puro leite… para, por meio dele, crescerdes para a salvação” (1 Pedro 2:2). Comentando esse versículo, o teólogo Peter Davids observa que o único imperativo da passagem é precisamente “desejar” — não como quem espera passivo, mas como quem procura ativamente o alimento. Ele lembra que, no judaísmo tardio, “leite” era imagem de nutrição espiritual, e até menciona o costume antigo de oferecer leite com mel aos recém-batizados como sinal de vida nova (DAVIDS, ibid, 1990, p. p. 124). Se o centro é desejar o que nutre, então a pregação não é espetáculo, mas serviço de mesa: distribuímos o mesmo alimento que buscamos, no mesmo espírito de humildade e fome santa.

A força do verbo “desejar” (epipothēsai/epipothēsate) não é capricho momentâneo; é apetite formado. O comentarista Jobes sublinha que Pedro não chama seus leitores de “crentes infantis”, mas usa a metáfora do bebê para falar da intensidade do desejo: “como recém-nascidos que anseiam por leite — instintivamente, avidamente, incessantemente” (JOBES, 1 Peter, 2005, p. 448). E o teólogo Scot McKnight, ao destrinchar a gramática de 1 Pedro 2:1–3, mostra que tudo converge para o centro: “desejai o puro leite espiritual”; é um chamado para uma fome comum, que edifica o povo como casa espiritual:

“A gramática de 2:1–3 é a seguinte: um particípio introdutório ‘livrem-se de…’ (2:1) é subordinado ao verbo principal ‘desejem’, que só aparece em 2:2. ‘Como recém-nascidos’ descreve como devem desejar; ‘para que, por meio dele…’ descreve a finalidade do desejo; e ‘agora que…’ (2:3) dá o fundamento do desejo. Assim, ‘desejem o puro leite espiritual’ fornece a exortação central dessa seção. [...] ‘Leite espiritual puro’ se refere às coisas que nutrem a comunidade cristã em seu crescimento: conhecimento de Deus, oração, instrução no evangelho, obediência fiel e a audição da Palavra pregada.”
(McKNIGHT, ibid., 1996, pp. 103–104).

Note o último item de McKnight: “audição da Palavra pregada”. O desejo correto não só procura conteúdo; ele também forma o modo de comunicá-lo. Quem se alimenta do evangelho aprende a servi-lo em voz mansa, com instrução fiel e sem dolo, como Cristo (1 Pedro 2:22–23; 3:15–16).

Se o chamado apostólico é desejar e nutrir-se, o que essa fome encontra, na prática? Voltemos à imagem de Provérbios: a sabedoria é prata e tesouro escondido. Isso supõe duas atitudes.

(1) Renovar o apreço. Ao descobrir uma verdade de Deus — por exemplo, que “os mansos herdarão a terra” (Salmos 37:28–29; cf. Mateus 5:5) — o coração se aquece. Com o tempo, porém, a rotina desgasta. Por isso, a Escritura manda “lembrar, provar, ver” (Salmos 34:8; 1 Pedro 2:3). Pedro costura o gosto pelo Senhor (Salmos 34) com o pedido por leite: o paladar treinado sustenta o desejo. Para quem ensina e prega, renovar o apreço significa aquecer o coração antes de abrir a boca, para que o tom, o ritmo e a escolha de palavras reflitam a doçura do que foi provado.

(2) Aumentar o tesouro. Quem encontra uma pedra preciosa não para de cavar. Assim também o discípulo amplia o acervo do coração. McKnight adverte contra uma leitura “escolar” e estreita — como se “leite” fosse apenas estudo individual; a maioria dos primeiros cristãos não tinha cópias pessoais das Escrituras, aprendia pela pregação, memorização, oração, obediência e vida comum (McKNIGHT, 1 Peter (NIVAC), 1996, pp. 103–104). Logo, o “tesouro” inclui hábitos que treinam também nossa comunicação: ler em voz alta, ouvir, responder com mansidão, e estruturar a instrução de modo que a comunidade seja edificada.

Amar é prática, não só ideia. O estudioso James K. A. Smith descreve a formação cristã como “pedagogia do desejo”: não educamos só a cabeça; educamos o coração, e isso acontece por práticas corporais e ritmos que apontam para um fim (SMITH, ibid., 2009, pp. 26, 39–47, 72–75). Em suas palavras, a educação autêntica “é uma empreitada holística… que mira nossos desejos, incuba a imaginação e nos orienta no mundo — antes mesmo de começarmos a pensar sobre isso” (ibid., pp. 39–40). Aplicando isso à pregação/ensino, queremos dizer: a maneira como cultuamos forma a maneira como falamos de Deus — postura, paciência, hospitalidade da voz.

A igreja antiga fez disso um caminho. Alan Kreider mostra que os cristãos cresceram por atração, não por disputa de ideias; e essa atração nascia de um habito — um conjunto de disposições e costumes visíveis: mesa, paz, oração, verdade, paciência (KREIDER, ibid., 2016, pp. 4-6). Esse habito era ensinado: catequese lenta, batismo, culto; práticas que transformavam o corpo e formatavam o desejo. Nesse processo, muitos — até analfabetos — amaram a verdade porque a viram vivida, e, vivendo-a, aprenderam a saboreá-la. Daí a consequência para quem ensina: não só o que dizemos testemunha Cristo, mas como dizemos — um modo paciente, veraz, não-raivoso — também evangeliza.

Perceba a ponte com 1 Pedro 2:2: desejar o “leite” não é fetiche por informações, é aprender a viver e a anunciar o que ouvimos. A gramática grega reforça isso: “livrem-se de…” (2:1) está subordinado a “desejem” (2:2); ou seja, o modo de desejar se expressa na remoção de malícia, engano, hipocrisia, inveja e maledicência — tudo o que estraga o apetite (ibid., 1996, p. 103). Jobes confirma que Pedro explica o que significa “amar de todo o coração” (1 Pedro 1:22) mostrando “atitudes incompatíveis” com o desejo da Palavra. Esses vícios também corrompem a fala pública: maledicência e engano azedam o anúncio; a mansidão e a veracidade o adoçam.

E como esse amor se renova quando o gosto esfria? O remédio bíblico é memória que degusta: “agora que provastes que o Senhor é bom” (1 Pedro 2:3; Salmos 34:8). Pedro mescla metáforas sensoriais (provar, saborear, desejar) para conduzir a igreja a um rito cotidiano: reeducar o paladar para o bem. Pregadores e professores fazem isso quando deixam o texto reacender o afeto antes de compor o esboço: primeiro provar, depois falar.

Há, então, dois movimentos práticos para cultivar amor pelas verdades — com impacto direto na maneira de ensinar/pregar:

(A) Retomar o primeiro assombro. Faça memória encarnada: reze o Salmo 34 em voz alta; escreva numa folha duas linhas — “onde provei a bondade do Senhor?” e “o que hoje me rouba o apetite?”; confesse o que amarga (malícia, engano, inveja, fala dura), porque isso “azeda a boca” da comunidade. Ao preparar um ensino, comece aqui: deixe o texto aquecer o coração e filtrar o tom — sem ironia, sem dureza gratuita.

(B) Expandir o repertório do coração. Acrescente práticas que alimentam: oração, audição da Palavra pregada, obediência fiel, ensino do evangelho, conhecimento de Deus — McKnight lista isso como conteúdo do “leite espiritual” (McKNIGHT, ibid., 1996, pp. 103–104). Smith chamaria isso de “pedagogias do desejo”: rotinas simples (louvor, mesa, intercessão, silêncio, misericórdia) que miram um fim — amar mais a Deus e ao próximo (SMITH, Desiring the Kingdom, 2009, pp. 26, 72–75). Na prática, isso se traduz em uma didática cristoforme: Bíblia aberta, linguagem sóbria, mansidão firme, aplicação que serve o ouvinte.

Note que esse amor é comunitário. McKnight insiste que o crescimento em 1 Pedro 2:2 tem tonalidade de “crescimento do grupo”; a metáfora “casa espiritual” na sequência (2:4–5) mostra que se trata da edificação do nós (ibid., 1996, p. 103). O plural de 1 Pedro 2:1–3 não é detalhe: a maledicência, por exemplo, corrompe o paladar do corpo, e a verdade cura o gosto da comunidade. Por isso, a pregação não é performance individual; é serviço para a edificação do corpo — o modo de falar deve fortalecer vínculos e não inflamar contendas.

“Mas eu não gosto de estudar.” — alguém pode dizer. A boa notícia é que a igreja aprendeu, desde o começo, a formar apetite santo também em pessoas de pouca instrução. Kreider cita Justino e Cipriano para mostrar que muitos eram “não letrados”, e, ainda assim, aprendiam pela convivência e pelas práticas de culto, batismo, catequese (KREIDER, The Patient Ferment, 2016). Isso combina com Provérbios 2: sabedoria se aprende com o ouvido atento e o coração inclinado — o corpo todo participa. E reforça a ênfase de Smith: somos “animais litúrgicos”; “não há educação neutra” — toda rotina forma amor. Logo, qualquer discípulo pode aprender a testemunhar e ensinar como Jesus: com coração aquecido e fala mansa.

Também é importante dizer que amar a verdade não é só amar ideias, mas o próprio Deus. Robert Louis Wilken mostra que, para os antigos cristãos, fé e razão são filhas do amor; o conhecimento cresce quando o coração se volta para Deus: “os Padres irrigam a imaginação cristã com água viva que brota das fontes bíblicas e espirituais; são ainda nossos mestres” (WILKEN, The Spirit of Early Christian Thought, 2003, pp. 321–323). É por isso que, em 1 Pedro, “provar que o Senhor é bom” não é metáfora pálida: é um convite a saborear Deus — e, saboreando, desejar ainda mais. Quem saboreia assim, fala assim.

Como transformar isso em hábito semanal:

1. Garimpo diário de prata (10–15 min): leia um Salmo em voz alta; circule um verbo (buscar, confiar, louvar); escreva uma frase de resposta. Isso treina o paladar e ajusta o timbre da fala cristã.

2. Leite comunitário (1x/semana): escolha um momento fixo para ouvir a Palavra pregada (sermão gravado, leitura em voz alta em família, ou estudo na igreja) e orar com alguém sobre o que ouviu. Quem aprende a ouvir melhor, anuncia melhor.

3. Desintoxicação do paladar (diário): antes de dormir, faça uma confissão breve: “hoje, onde a malícia, o engano, a inveja, a hipocrisia ou a fala dura azedaram meu apetite?” Troque a fala dura por palavras que edifiquem.

4. Um bem concreto: semanalmente, sirva alguém em segredo (Mateus 6:3–4). A caridade afina o gosto pela verdade e dá credibilidade ao ensino.

5. Memória da doçura: escreva numa página dois títulos permanentes — “onde provei a bondade do Senhor” e “que cuidados roubam meu apetite”. Atualize-os. Pedro liga “provar” a “desejar” (1 Pedro 2:2–3). A memória acalma a voz e firma a mão do expositor.

O resultado esperado não é “virar acadêmico”, mas aprender a amar e a anunciar com o coração de Cristo. Quando o amor cresce, a veracidade cresce; a fala mansa substitui a maledicência; a paciência vence a inveja; a confiança expulsa o fingimento. E daí nasce a coragem de seguir as pegadas de Cristo — porque o coração já foi educado para desejar o que Ele deseja (1 Pedro 2:21–23). A transformação ética é alimento espiritual; o desejo pelo leite “verdadeiro à nova vida” corresponde à realidade em que já fomos colocados pela ressurreição. É por isso que quem ama a verdade como Jesus amou, ensina como Jesus ensinou: com fidelidade, mansidão e esperança.

E quando a verdade parecer “alta demais”, lembre: a igreja nunca confundiu formação com pressa. Em muitos lugares, levava tempo — às vezes anos — até que o novo crente incorporasse um novo hábito. Por isso o chamado de Provérbios faz sentido: “persiste em procurar… como prata”. O tesouro está lá, e o Senhor mesmo educa nosso desejo para que possamos amá-lo — e, amando, imitá-lo também na maneira de proclamá-lo.

Mostremos que amamos as verdades que ensinamos

Quando Jesus prometeu que “todo escriba instruído acerca do Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mateus 13:52), ele nos deu um retrato simples e profundo do bom ensino: Bíblia aberta, coração aquecido, tesouro na mão. Amar as verdades que ensinamos, para assim bem pregar, começa assim — não com ideias soltas ou slogans religiosos, mas com a convicção mansa de quem tirou do baú da Escritura algo que vale a vida inteira (Mateus 13:52). E esse “tirar do tesouro” não molda só o que ensinamos; orienta como comunicamos: à maneira do Mestre — verdade servida com mansidão, para edificar quem ouve.

Esse jeito de ensinar e responder não é truque de retórica; é culto. A igreja mais antiga viveu dessa fonte: reuniu-se para ouvir as Escrituras, confessar Jesus como Senhor e conformar a vida a esse Senhorio. A devoção pública se estruturava em torno do Deus revelado e de suas obras, com leitura das Escrituras de Israel, memórias de Jesus e instrução que chamava à obediência amorosa (HURTADO, At the Origins of Christian Worship, 1999, pp. 97–102). Por isso, o próprio ato de pregar/ensinar imitava o Senhor: conteúdo bíblico e postura de serviço, não disputa.

Por isso Pedro começa no coração: “santificai a Cristo como Senhor em vossos corações” (1 Pedro 3:15). Antes de qualquer resposta, há uma postura interior. O teólogo Wayne Grudem mostra que santificar Cristo assim “é manter continuamente uma confiança profunda de que Cristo reina, e que nossos opositores não controlam os acontecimentos” (GRUDEM, 1 Peter: An Introduction and Commentary, 1988, p. 152). Essa confiança define o modo de falar: pregamos como Jesus falava — firmes na verdade, sem pânico, com respeito por quem pergunta.

E servir, aqui, significa duas coisas muito práticas:

Primeiro, preparar-se. Pedro usa a expressão “sempre prontos” (1 Pedro 3:15). Prontos como? Não para vencer discussões, mas para oferecer razões de esperança. Isso pede o trabalho paciente de Bíblia diária, oração e memorização simples — o tipo de cultivo que, segundo Kreider, alimentou um “fermento paciente” no início da fé cristã: hábitos discretos, perseverantes, que formam as pessoas e abrem portas para respostas calmas e convincentes (KREIDER, ibid., 2016, p. 12). Quem prepara o coração assim não sobe ao púlpito (ou entra numa conversa) para “performar”, mas para servir — como o Mestre.

Segundo, responder do modo certo. Pedro insiste: “com mansidão e respeito”. Numa cultura de competição por honra, era comum transformar perguntas em arenas de humilhação do outro; o teólogo David deSilva explica como o jogo social tendia a medir status por vitórias públicas (deSILVA, Honor, Patronage, Kinship & Purity, 2000, p. 5). A comunidade de Jesus inverteu isso no discipulado: honra, agora, é a mansidão que protege a pessoa enquanto se esclarece a verdade. Responder bem é cuidar do tom, não apenas do conteúdo: “não com o poder da personalidade ou agressividade, mas confiando que o Espírito convença o ouvinte” (ibid., 1988, 153).

Pregue com amor e mansidão

Para tornar isso bem concreto, escute uma passagem do comentário de Grudem sobre 1 Pedro 3:15. Ela exprime com clareza a ética do ensino que amamos praticar — bíblico, preparado, manso:

“...a postura dos cristãos em relação aos incrédulos nunca deve ser meramente passiva ou neutra, e Pedro não se limita a advertir para não temer. Ele prossegue incentivando a preparação para o testemunho ativo que conquistará o incrédulo para Cristo. Pedro prevê a necessidade de responder às alegações de transgressão que os cristãos enfrentam de seus oponentes, por isso diz: Estejam sempre preparados para responder a qualquer um que os peça razão da esperança que há em vocês. A palavra defesa (apologia) quase sempre tem o sentido de “resposta a uma acusação”... Os cristãos devem estar preparados para dar uma resposta... No entanto, tal testemunho deve ser dado com gentileza e reverência, não tentando subjugar o incrédulo com a força da personalidade humana ou agressividade, mas confiando no próprio Espírito Santo para persuadir silenciosamente o ouvinte.”
(GRUDEM, ibid., 1988, pp. 152–153).

Esse retrato ecoa o modo como os primeiros cristãos compreendiam o ato de ensinar: não só “o que” dizer, mas “como” dizer. O teólogo Wilken observa que a formação antiga exigia “a paciência de aprender de novo a pensar com a mente da Igreja”, o que inclui um novo ritmo para a fala — menos duelo, mais hospitalidade (WILKEN, ibid, 2003, p. 48). Em outras palavras, amar a verdade nos ensina a pregá-la como Cristo a comunicava: firmeza serena, serviço, esperança.

Como isso aparece no nosso dia a dia?

  1. No fundamento das respostas. Quando alguém pergunta por que você não participa de certa prática, responda de modo simples e bíblico: “Porque a Palavra de Deus me ensina assim” (Provérbios 3:5–6). Depois mostre o texto, explique com calma e conecte à esperança: “É porque tenho outra lealdade, quero agradar ao meu Deus” (Romanos 12:1). Essa combinação — Escritura + esperança — é o eixo de 1 Pedro 3:15: não defendemos um hábito, mas um Senhor. A própria estrutura do versículo coloca Cristo no coração antes da defesa na boca: primeiro santificar, depois responder.

  2. No tom das conversas difíceis. Perguntas às vezes vêm como ataque. É aqui que “mansidão e respeito” brilham. Em vez de elevar a voz, ouça o que de fato foi perguntado; repita com suas palavras; só então responda com a Bíblia. Se a pessoa ridiculariza, mantenha a dignidade. Numa cultura de honra, isso é sinal de fraqueza; no Reino, é força, porque honra ao Rei.

  3. Na franqueza humilde quando não sabemos. Nem todo servo sabe tudo — “com a soberba vem a desonra, mas com os humildes está a sabedoria” (Provérbios 11:2). Dizer “não sei, mas vou pesquisar e volto” não é perder terreno; é praticar a verdade e abrir espaço para uma próxima conversa. A catequese antiga contava com esse ritmo: perguntas honestas, respostas preparadas, paciência para voltar ao tema.

  4. Na disciplina de preparar o “tesouro”. O “pai de família” de Mateus 13:52 mantém um baú organizado. Isso pode ser simples: um caderno (ou arquivo) com passagens-chave sobre os temas que você mais encontra nas conversas — criação e propósito (Gênesis 1–2), sofrimento e bondade (Salmos 23; Isaías 53), sentido e esperança (João 11; 1 Coríntios 15), vida justa no cotidiano (Romanos 12; 1 Pedro 2–3). Anote uma frase-resumo (uma “razão de esperança”) para cada tema. Essa prática ajuda você a estar “sempre pronto” sem soar ensaiado.

  5. Na centralidade de Cristo. “Esperança” em 1 Pedro não é sentimento positivo; é pessoa: Cristo Senhor. Por isso, antes de apresentar argumentos, confesse quem ele é. A resposta cristã não é “eu acho”, é “Jesus reina e chamou a viver assim”. Quando a resposta nasce desse centro, o ensino se torna culto — como testemunha a prática mais antiga: devoção a Jesus como expressão do monoteísmo de Israel, agora ampliado pela confissão de Jesus como Kyrios (HURTADO, ibid., 1999, pp. 97–102).

  6. No gesto de colocar a pessoa à frente do tema. Amar a verdade é amar o próximo com a verdade. Isso requer cuidado com exemplos, metáforas e “pontes” de compreensão. A antiga educação cristã valorizava não só o que se cria, mas como a fé se tornava hábito; o ensino era um caminho compartilhado, não uma prova de erudição (WILKEN, The Spirit of Early Christian Thought, 2003, p. 48).

Tudo isso volta ao verbo que Pedro usa: “defesa” (apologia). Não é pose, é serviço. Como vimos, Grudem explica que, na maior parte das ocorrências, a palavra descreve “resposta a uma acusação” — às vezes formal, às vezes informal — e que Pedro assume que a esperança visível no cristão desperta perguntas (ibid, 1988, pp. 152–153). Esse detalhe é precioso: a melhor “defesa” nasce de uma vida que provoca curiosidade. A Igreja antiga sabia disso e moldou uma liturgia que ligava Palavra, mesa e vida pública; quem saía do culto levava uma régua de mansidão para o mercado, para a vizinhança, para a família.

Algumas práticas simples podem, então, traduzir esse amor pela verdade em ensino cotidiano:

  • Responda com texto, não só com tese. Em cada resposta, tente incluir ao menos uma passagem aberta, lida com a pessoa. O que convence não é o nosso brilho, é a voz de Deus (Mateus 4:4).

  • Forme frases-ponte de esperança. Por exemplo: “Minha esperança é que Jesus ressuscitou e governa; por isso obedeço aqui e agora” (1 Coríntios 15).

  • Guarde o tom. “Mansidão e respeito” é a moldura de toda resposta. Se a conversa azedar, diminua o volume da voz, peça desculpas por qualquer aspereza e retome com calma.

  • Admitir limites é parte da verdade. “Não sei, mas vou procurar” é uma resposta cristã, porque honra a realidade e confia que Deus nos conduz à luz necessária (Provérbios 11:2).

  • Ore antes e depois. Quem santifica Cristo no coração volta-se a ele entre perguntas e respostas. A oração não substitui estudo, mas dá nervo ao estudo.

Amar as verdades que ensinamos é amar Aquele que é a Verdade e amar quem nos pergunta. É por isso que 1 Pedro 3:15 mantém juntos Cristo no coração e mansidão na boca. A pessoa que pergunta não é um obstáculo ao nosso argumento; é a ovelha que o Bom Pastor deseja alcançar por meio de uma resposta que brilhe com a luz da Escritura e com o perfume de Cristo.

— E, se um dia faltar a palavra certa, lembre: o Pai ainda guarda um tesouro em sua mão. Volte ao baú. Abra a Bíblia. Peça outra vez. É assim que a Igreja aprendeu a ensinar — tirando coisas novas e velhas do mesmo cofre, com a mesma mansidão, sob o mesmo Senhorio.

Amemos as pessoas que instruímos

Jesus amou as pessoas que instruía. Não tratou multidões como números, nem adversários como “casos perdidos”: olhava cada rosto e via uma história possível. Se queremos imitá-lo, também no ensinar/pregar, nosso modo de comunicar precisa nascer do mesmo amor. É verdade que “a guerra do grande dia de Deus, o Todo-poderoso” se aproxima (Apocalipse 16:14), e que a Escritura fala com seriedade sobre juízo (Jeremias 25:33). Mas o juízo pertence a Deus, e ele o confiou a Jesus Cristo (Atos 17:31). Enquanto esse dia não chega, olhamos para cada pessoa como alguém que pode ser alcançado. Jesus mesmo nos ensinou a não confundir dificuldade com impossibilidade: “Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mateus 19:24–26). E quando descreveu o juízo (Mateus 25:31–33), colocou a caridade no centro da vida — o tipo de amor que continua a procurar a ovelha perdida. Por isso, enquanto ensinamos, amamos: não rotulamos; aproximamos.

1 Pedro resume essa postura em uma linha: “Finalmente, sede todos de igual parecer, compassivos, cheios de amor fraternal, misericordiosos, humildes” (1 Pedro 3:8). O termo “compassivos” traduz o grego συμπαθεῖς (sympatheis), literalmente “sentir com” — partilhar o peso do outro na carne do coração. Léxicos notam essa conotação de responsividade afetiva que se torna cuidado: inclinar-se, ouvir, ajustar o tom para que o outro possa receber o bem (LOUW; NIDA, Greek–English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains, 2002, pp. 296). Empatia cristã não é técnica de persuasão; é obediência ao Senhor que “se compadece” (Salmos 103:13) e nos chama a fazer o mesmo.

Aqui cabe uma advertência amorosa ao nosso próprio coração: insensibilidade não é “sinceridade”; é imitação do mundo. Em contextos de honra/vergonha, era comum “ganhar” debates humilhando o outro. A cultura treinava para lutar por status na praça; mas o evangelho nos treina para responder com mansidão, inclusive no ato de ensinar (deSILVA, ibid., 2000, p. 5). É nesse ponto que 1 Pedro volta a nos alinhar: santificar Cristo no coração e, quando perguntarem, responder com mansidão e respeito (1 Pedro 3:15). Não há contradição entre verdade firme e tom brando; é exatamente essa combinação que torna o testemunho crível.

Repare na ordem bíblica que Grudem destaca: primeiro, santificar Cristo (coração); depois, preparar-se (cabeça e mãos); por fim, responder (boca), e sempre com mansidão e respeito (GRUDEM, ibid., 1988, pp. 152–153). Isso significa que empatia não dilui a verdade; ela conforma a pregação/ensino ao padrão de Cristo, para que a verdade chegue de modo que possa ser recebida. Quem ama escuta; quem escuta entende por que o outro está cansado, apático, desconfiado. E quem entende ajusta a maneira de falar: menos rolo compressor, mais mão estendida.

Como isso se vê na rua, na sala, na mesa?

Se alguém parece “frio” ao que dizemos, não desistimos. Pergunte a si mesmo: “o que endureceu essa pessoa? Quais perdas, medos, cansaços?” Nós também já pensamos como ela (Efésios 2:1–3). A memória nos salva da arrogância. Quando essa empatia é percebida, o coração abre uma fresta. Pedro chama isso de “boa consciência” (1 Pedro 3:16): a serenidade de quem não está vencendo uma disputa, mas servindo uma pessoa.

O “pai de família” de Mateus 13:52 tira “coisas novas e velhas” do tesouro; isso inclui palavras acessíveis. O teólogo Larry Hurtado lembra que a devoção cristã mais antiga formava pessoas ao redor da Escritura e da confissão “Jesus é Senhor”, numa prática pública que sabia explicar a fé numa linguagem compreensível a judeus e gentios (HURTADO, ibid., 1999, pp. 97–102). Logo, ao ensinar/pregar, trazemos textos claros (por exemplo, Mateus 11:28–30; Salmos 34), evitamos jargões e construímos pontes com a vida real do ouvinte.

Se alguém levanta uma dúvida séria e você não sabe responder, não finja. Diga: “boa pergunta; vou pesquisar e volto”. Isso dignifica a pessoa e mantém a conversa aberta (Provérbios 11:2). A Igreja antiga cultivava exatamente esse ritmo: perguntas honestas, respostas preparadas, paciência para retomar o tema — um fermento paciente que, ao longo do tempo, transforma (KREIDER, ibid., 2016, p. 12).

Se a pessoa tem uma necessidade urgente, ajuda prática é testemunho (Tiago 2:15–16). Nossos primeiros irmãos teciam obras de misericórdia como extensão natural do culto: a Palavra ouvida na assembleia descia para o cuidado concreto no bairro (HURTADO, ibid., 1999, pp. 97–102).

Em Atos 26:2–3, Paulo “se considera feliz” por falar a Agripa e reconhece o conhecimento do rei. Não é bajulação; é justiça: ver o bem e nomeá-lo. Ao falar com uma mãe solo desgastada, com um idoso que busca sentido, com um pai lutando por trabalho, reconheça o esforço. O elogio verdadeiro abre terreno comum e “desarma” o espírito, criando espaço para a semente (Atos 26:2–3). Esse “ver o bem” é expressão prática do “amor fraternal” e da “misericórdia” de 1 Pedro 3:8.

Segundo deSilva, sociedades regidas por honra/vergonha pressionam pela resposta agressiva; a comunidade de Jesus reaprende a responder como quem confia em Deus que julga com justiça (deSILVA, ibid., 2000, p. 5). Mansidão não é fraqueza; é força sob controle, porque descansa no Reino. A regra prática ao ensinar é simples: não devolver ironia com ironia; reduzir o volume; amarrar a resposta a um texto bíblico; deixar uma porta aberta para o próximo encontro (1 Pedro 3:15–16).

Empatia que confia no Juiz. Não somos porteiros do paraíso. “Quem viverá e quem morrerá” não está em nossas mãos (Atos 17:31). Isso nos liberta para amar sem ansiedade. A esperança nos torna lentos para o rótulo e rápidos para a misericórdia. Robert Louis Wilken descreve a espiritualidade antiga como um “aprender a ver” com a face voltada para Deus; esse olhar muda como vemos as pessoas e como falamos com elas (WILKEN, ibid., 2003, p. 48).

Para tornar ainda mais simples, pense em três movimentos quando você estiver diante de alguém:

1. Primeiro: Chame pelo nome, estude sua de forma atenta. “O que você tem vivido?” A empatia abre a Bíblia com a chave certa.

2. Segundo: Use textos breves, claros, que iluminem a pergunta real da pessoa (Mateus 11:28–30; Salmos 34; João 3:16). Mostre no próprio texto de onde vem a luz.

3. Terceiro: Deixe uma pergunta para o próximo encontro, anote a dúvida, volte. O amor não desiste cedo.

E, no íntimo, mantenha a ordem de 1 Pedro 3:15: Cristo no coração → prontidão → mansidão. Isso protege do orgulho religioso e da frieza doutrinária. Grudem insiste que a “defesa” cristã (apologia) é menos uma “disputa de ideias” e mais um serviço que confia no Espírito para persuadir, enquanto a nossa parte é clareza bíblica e respeito.

Talvez alguém pergunte: “Mas não é ingenuidade ver potencial em todo mundo?” Não. É fé na ação de Deus. Pedro nos pede que respondamos porque há uma “esperança em nós” (1 Pedro 3:15). Esperança não é otimismo ingênuo; é confiança em quem chama à existência as coisas que não são (Romanos 4:17). A igreja antiga sabia disso: cresceu por atração, não por coação. Gente comum viu um povo que amava, ouvia, ajudava, respondia com calma — e quis “provar e ver que o Senhor é bom”.

No final das contas, amar quem instruímos é caminhar como o Mestre também no modo de ensinar: sem dureza, sem pressa de julgar, com prontidão para servir. Ele viu Zaqueu na árvore, Nicodemos à noite, a samaritana ao meio-dia. Viu pessoas — não arquétipos. Se o Juiz é Ele, nós podemos ser irmãos: aproximar, ancorar, acompanhar. Assim, a verdade chega com o perfume do Reino, e o ensino deixa de ser um discurso: vira um encontro.

A humildade no ensino amoroso

“O conhecimento enfuna, mas o amor edifica” (1 Coríntios 8:1). A frase é curta, mas aponta um perigo real: quando o saber vira medalha, o coração endurece e nossas palavras deixam de ser ponte. Como imitadores de Cristo também no ensinar/pregar, lembramos que Jesus conhecia a Escritura melhor que todos e, mesmo assim, falava com mansidão, aproximando-se de gente cansada e confusa; por isso Pedro insiste: quando defendermos nossa esperança, que seja “com mansidão e respeito” (1 Pedro 3:15). A humildade não é verniz de fala; é postura que põe o outro em primeiro lugar. Por isso, no fecho da carta, o apóstolo manda que todos “se revistam de humildade” (1 Pedro 5:5–6). Comentando esse trecho, o teólogo J. Ramsey Michaels mostra como o “todos” (em grego pantes) costura anciãos e jovens numa só ordem, retomando o tom de amor, hospitalidade e serviço (1 Pedro 4:8–10): a roupa comum da comunidade é descrita em grego pela palavra tapeinophrosýnē (“humildade de mente”), “vestida” como um avental que se amarra para servir (MICHAELS, ibid., 1988, p. 290).

Essa imagem de “vestir-se” volta como martelo: o termo grego enkomboōmai — “cingir, atar ao corpo” — era vocabulário de quem se apronta para o serviço. O teólogo Dennis Edwards enxerga aqui o eco de João 13: o Senhor que se despiu, tomou a toalha e lavou os pés (EDWARDS, ibid., 2017, pp. 202–203). Se a liderança de Jesus foi serviço, a nossa comunicação — especialmente quando ensinamos/pregamos — precisa cheirar a serviço também: menos triunfo, mais cuidado. Por isso, quando alguém nos pergunta sobre nossas convicções, não respondemos com ideias pessoais nem com tom de superioridade; antes, santificamos Cristo como Senhor no coração e oferecemos razão com mansidão (1 Pedro 3:15; cf. Provérbios 3:34). Wayne Grudem explica que Deus resiste aos soberbos e dá graça aos humildes porque o soberbo confia em si mesmo, busca sua própria glória; já o humilde confia em Deus e lhe dá glória — por isso recebe graça para viver de modo cristão (GRUDEM, ibid., 1988, pp. 193–194).

“O termo humildade refere-se a uma atitude que coloca os outros em primeiro lugar, que considera os desejos, as necessidades e as ideias dos outros mais dignos de atenção do que os seus. Esta palavra (tapeinophrosyné) é bem definida em Filipenses 2:3-4: “Nada façam por rivalidade ou por vanglória, mas sejam humildes e considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (o próprio Cristo é o grande exemplo disso em Filipenses 2:5-8).”
(GRUDEM, ibid. 1988, p. 193).

Humildade, então, não é timidez crônica. É decisão de priorizar o outro – também no púlpito e na conversa catequética. No ambiente das primeiras comunidades, cercadas por desconfiança e zombaria, isso significava falar o necessário, sem agredir, e suportar quando risos feriam. O estudioso Michaels observa que a orientação de “todos” não é pós-escrito; é novo começo: Pedro convoca a casa inteira a um pacto de deferência mútua, em que amor (4:8), hospitalidade (4:9) e serviço (4:10) se entrelaçam sob o avental da humildade (MICHAELS, ibid., 1988, p. 290). O verbo grego raro enkomboōmai provavelmente alude ao avental de escravo: uma escolha chocante numa cultura que desprezava a humildade como “mentalidade servil”, mas que para os cristãos vira sabedoria — “humildade é verdadeiramente o caminho sábio de vida”.

Essa postura também molda como respondemos perguntas difíceis quando confrontados sobre nossa fé. Quando alguém questiona o porquê não fazemos algo que consideramos errado do ponto de vista de Deus, é pobre dizer que assim agimos porque “minha religião proíbe”. Melhor é: “a Palavra de Deus nos orienta assim”, e mostrar o texto, explicando com serenidade (Romanos 12:1; 1 Pedro 3:15). O alvo é tocar o coração, não “ganhar a briga”. O teólogo Edwards destaca que Pedro amarra o capítulo 5 com o fio da humildade: de líderes a jovens, todos cingidos para servir, todos confiando que Deus “a seu tempo exaltará” (EDWARDS, ibid., 2017, pp. 202–203; ).

E quando não soubermos a resposta para um questionamento de nossas crenças? Humildade não finge onisciência. Muitas pessoas admiram quem demonstra humildade. Talvez podemos responder: “é uma ótima pergunta; vou pesquisar e volto” (Provérbios 11:2). Essa franqueza cria pontes para conversas futuras. Se a pessoa que nos indagou vai sair achando que derrotou você no “debate”, não se importe com isso. O que tinha para ser vencido, foi feito na cruz do Calcário. Aqui a “técnica” que vale é a que Pedro ensina: santificar Cristo no coração, e falar com mansidão — πραΰτης (praýtēs / “mansidão”) e φόβος (phobos / “reverência”), não grito (1 Pedro 3:15). Há força nessa mansidão, porque ela nasce da confiança: “lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele cuida de vós” (1 Pedro 5:7). Grudem nota que a conexão entre 5:6 e 5:7 é decisiva: humilhar-se diante de Deus se aprende lançando as preocupações sobre Ele; assim somos libertos do centramento em nós e ficamos livres para cuidar dos outros (GRUDEM, ibid., 1988, p. 194).

Outra tentação que a humildade vence é a de impressionar. Alguns rejeitam quem não ostenta “títulos universitários”; Jesus também ouviu o desdém: “Como sabe letras, não tendo estudado?” (João 7:15). Ele não respondeu com currículo; respondeu com vida — a verdade encarnada. Na prática do ensino cristão, isso importa mais que diplomas: a Palavra é luz em muitas línguas, e o que marca o professor do Reino é caráter. Se alguém desprezar, não nos abatamos; sirvamos com voz mansa e consciência limpa. Edwards volta a apontar para a liderança-serviço de Jesus (Marcos 10:42–45) como molde da fala e da ação — “humilde” antes de ser “reconhecida” (EDWARDS, ibid., 2017, pp. 201–203;).

Mais uma vez é preciso repetir: não é preciso saber tudo; ninguém sabe. O que precisamos é do tom certo ao pregarmos. Michaels registra que a exortação de 5:5 não nasce de crise institucional; nasce de um projeto de convivência onde cada um se reveste para servir e falar com respeito (MICHAELS, ibid., 1988, pp. 289–290). Watson & Callan reforçam: nessa carta, humildade ancorada em Provérbios 3:34 é resposta sábia ao Deus soberano e antídoto à lógica da honra que humilha o fraco (WATSON; CALLAN, ibid., 2012, p. 86).

“Mas e quando enfrentarmos oposição?” — pergunta sincera. Jesus mesmo alertou: “Se me perseguiram, também perseguirão a vós” (João15:20). A missão cristã é trabalho que requer humildade: indiferença aqui, zombaria ali; ainda assim, persistimos, porque uma só ovelha já vale todo o caminho. E persistimos felizes: “o Deus feliz” (1 Timóteo 1:11) nos dá a alegria de servir, e a comunidade se torna oásis de amor no deserto (1 Pedro 4:8). Edwards chama isso de “centralidade da humildade”: Deus opõe-se ao soberbo, favorece o humilde e, na hora certa, exalta (EDWARDS, ibid., 2017, p. 203).

Humildade, portanto, é método (falar com mansidão), músculo (serviço concreto) e música (o tom do coração). Ela humaniza a defesa da fé e configura a pregação: em vez de monólogo, escuta; em vez de retórica que infla, amor que edifica (1 Coríntios 8:1). E ancora decisões práticas: se uma pergunta nos pega de surpresa, anotamos e voltamos; se um convite de serviço mais amplo surge (aprender outro idioma para alcançar imigrantes; mudar para onde há mais necessidade), oramos e avaliamos (Eclesiastes 5:12). Em tudo, o fio é o mesmo: “revesti-vos de humildade… humilhai-vos debaixo da poderosa mão de Deus” (1 Pedro 5:5–6). Grudem resume com clareza pastoral: Deus “está continuamente opondo-se aos soberbos” e “continuamente dando graça aos humildes”; por isso, curvar-se é sabedoria — e lançar a ansiedade sobre Ele liberta para amar (GRUDEM, ibid., 1988, pp. 193–194).

No fim, tudo volta ao Mestre com a toalha. O conhecimento que apenas ensoberbece não nos serve; a verdade que nos ajoelha e lava os pés — essa sim é evangelho em voz mansa e mãos firmes. Revistamo-nos dessa humildade. A cada conversa, a cada resposta, pregação e gesto, deixemos claro o que amamos: não o brilho do nosso saber, mas as pessoas a quem Deus ama. E sigamos — avental atado, palavra temperada (Colossenses 4:6), coração em paz — as pegadas de Cristo.

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WILKEN, Robert Louis. The Spirit of Early Christian Thought: Seeking the Face of God. New Haven; London: Yale University Press, 2003.

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GALVÃO, Eduardo. 1 Pedro 2:21 — Siga a Cristo como Pregador. In: Biblioteca Bíblica. [S. l.], out. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago 2025].

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