Estudo sobre Colossenses 2:15
Estudo sobre Colossenses 2:15
O que dizer, por fim, dos “poderes e potestades”, dos “elementos do mundo”? Uma vez mais Paulo não procede no sentido de polemizar contra detalhes da doutrina sobre os anjos. Contudo, também não passa a negar a realidade dessas coisas. Igualmente não está sendo meramente didático ou diplomático diante dos colossenses. Está verdadeiramente convicto de todo esse mundo poderoso de entes invisíveis, razão pela qual também falou dele aos coríntios (1Co 2.6; 15.24) e aos romanos (Rm 8.38s; Ef 1.21 aparece nas mesmas correlações de Cl 1.16). Teremos dificuldade de delinear um quadro real da estrutura desse mundo de espíritos que Paulo via diante de si. Nem mesmo recebemos uma resposta inequívoca à pergunta se esses “poderes” e “potestades” seriam espíritos “bons” ou “maus”, “anjos” ou “demônios”. Um conhecedor do NT do calibre de Adolf Schlatter opina: “É pouco provável que aqui ele tenha em mente Satanás e os espíritos ligados a ele, mas aqueles que estão próximos de Deus, circundando-o como os ‘tronos’. Eles estão contra o ser humano por causa de sua culpa: estes seres tornam-se seus acusadores.” Contudo, deve possuir um peso considerável que a carta aos Efésios, tão próxima da carta aos Colossenses, em Ef 6.12 designe os mesmos “poderes” (archai) e “potestades” (exousiai) expressamente de “dominadores cósmicos destas trevas” e de “espíritos da maldade”, contra os quais nós cristãos precisamos lutar, ou que Paulo pelo menos lista nessa ordem. Ademais, cabe questionar se a interpretação de Schlatter: “Mas Deus rejeitou a todos cujo propósito era que fôssemos punidos e perecêssemos em nossa culpa. Por mais próximos que estivessem dele, colocou-os de lado como se tira uma roupa que não se deseja usar mais e anulou o desígnio deles… Esse é o vexame que lhes trouxe a cruz de Jesus; depararam-se aqui com uma graça que era maior que seus pensamentos” realmente faz justiça à poderosa e triunfante frase de Paulo: “Ele desarmou [a palavra que consta aqui é a mesma que traduzimos no v. 11 com “despir-se”. Seu significado básico é “despir”. O inimigo derrotado é “despido” de sua armadura; foi assim que o termo obteve o sentido de “desarmar”. Contudo igualmente corresponde ao nosso “despojar”, usado na expressão “despojar de sua posição”. Até agora os “poderes” eram os “dominadores desta era” (1Co 2.6); agora são “despidos” dessa dignidade e desse poder.] os poderes e as potestades, expondo-os publicamente à infâmia e celebrando nele [em Jesus] o triunfo sobre eles.”
Seja como for, porém, a resposta que Paulo fornece às perguntas dos colossenses é inequívoca. Não precisamos temer esses poderes, apesar de toda a sua realidade e magnitude, nem esforçar-nos pelo favor deles! Porque desde já nosso cabeça Cristo é também “o cabeça de todo poder e potestade”. Todos esses entes espirituais lhe foram subordinados, pela forma e razão por que todos foram “criados por meio dele e para ele” (Cl 1.16). Agora a cruz, com toda a sua magnitude (cf. acima, p. 188), também incide sobre todo esse mundo invisível. Independentemente de os “poderes” nos acusarem como anjos próximos de Deus ou como potestades de Satanás, exercendo poder sobre nós por causa de nossa culpa, em qualquer um desses casos lhes foram tiradas da mão todas as armas por intermédio da cruz do Filho de Deus. Assim como a nota promissória foi legalmente pregada à cruz perante os olhares de todos e dessa forma aniquilada, assim todos os nossos inimigos e acusadores foram destituídos de seu poder com esse ato. Do mesmo modo como um general romano mostrava ao povo toda a realidade e grandeza de sua vitória conduzindo os inimigos derrotados em marcha triunfal atrás de sua carruagem pelas ruas da capital, assim “Deus os expôs (os poderes e potestades) publicamente à infâmia celebrando nele [em Jesus] o triunfo sobre eles.” Gramaticalmente não há como decidir com segurança se o “nele” se refere a Cristo ou à cruz. Combinaria muito bem com a metáfora do triunfo público se aqui a cruz, esse lugar da aparente impotência e derrota de Deus, fosse designado de lugar de sua vitória visível sobre a terra e no céu. Seja, porém, como for: que estranho seria se os colossenses disputassem o favor de reis que, desarmados, impotentes, despojados de toda a dignidade real, marcham no séqüito da carruagem vitoriosa do general, um general ao qual os colossenses têm o privilégio de pertencer diretamente! Não há nenhuma lacuna questionável em relação à instrução anterior dada aos colossenses. Pelo contrário, essa instrução correspondia inteiramente à realidade dos fatos! Cada passo no caminho para o qual devem ser seduzidos agora seria tolice incompreensível e perda perigosa.
Será que também esse bloco tem algo a dizer a nós? Essas afirmações não são feitas de fato a partir de um mundo conceitual que é totalmente estranho para nós hoje, pelo fato de conseguirmos fazer a reconstrução histórica apenas com dificuldade? Por longo tempo parecia ser assim. O cidadão centro-europeu esclarecido que vivia por volta do ano 1900 meneava a cabeça: entre o bom papai no céu e nós não existe mais nada, e a utilidade dos “anjos” se restringe no máximo às cenas de presépio, acompanhada de “Papai Noel” e de “anões”. Também por volta de 1900, o missionário transcultural e seu grupo de cristãos lia o presente texto de outra maneira. O texto era plenamente atual para ele e os que haviam sido arrancados do mundo gentio. Maravilhosamente libertadora e indispensável era a mensagem: aquele que pertence a Cristo não tem mais necessidade de temer “poderes”, “espíritos”, “ancestrais”, nem práticas de feitiçaria. Tudo isso está desarmado, sobre tudo isso triunfa Cristo, e os cristãos, com ele!
Também nós, porém, encaramos o mundo de maneira bem diferente. Cansado do racionalismo insatisfatório, justamente o ser humano de hoje torna a procurar o misterioso. Há nova abertura para o pensamento “mágico”. O “ocultismo” ocupa muitos pessoas , tanto cientistas como leigos. A astrologia ocupa um espaço amplo, até mesmo em jornais modernos. É incalculável a correnteza de superstição e feitiçaria que corre pelo mundo todo. Porventura uma expressão como “elementos ou poderes originários do mundo” não poderia tornar-se de novo misteriosamente atraente para as pessoas modernas? A igreja de Jesus de hoje não poderia ouvir de novo (e de fato está, p. ex., por parte da antroposofia e do esoterismo): por que vocês deixam de lado uma parte considerável e poderosa da realidade? Por que vocês passam ao largo da dimensão misteriosa do mundo? Como é pobre e sóbrio o cristianismo de vocês! Como poderia vir a ser profundo e influente se vocês incluíssem todas essas coisas ocultistas e mágicas, recorrendo às forças misteriosas que estão à nossa disposição quando as honramos e usamos devidamente? Essa é uma parcela da situação de Colossos!
A seu modo, porém, a igreja tornou a compreender essas coisas. A percepção da Bíblia começou novamente a descortinar-se para ela. A igreja sabe outra vez: esse mundo não é o cenário inócuo e belo da vida puramente humana, mas com certeza o âmbito de dominação do “príncipe deste mundo”, que até mesmo é o “deus desta era” (2Co 4.4). A igreja sabe novamente, e não apenas teoricamente a partir das Escrituras, mas também na seriedade de experiências espirituais próprias: “Nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra os poderes, contra as potestades, contra o dominador mundial destas trevas, contra os espíritos da maldade” (Ef 6.12). Ela sabe que exatamente a esfera mágica e ocultista que lhe está sendo apregoada é o espaço de atuação desses “poderes”, da mesma forma como as incontáveis práticas supersticiosas que são realizadas até mesmo em círculos cristãos.
Por isso o fato de que Deus desmascarou e desarmou todos esses “poderes” em Cristo, independentemente de nos seduzirem ou ameaçarem, não é uma simples curiosidade histórica, mas uma mensagem necessária para a igreja de hoje. A igreja tem o privilégio de saber com alegria que também nisso ela possui um “grande Jesus”, tão grande e glorioso que não precisa de mais nada além dele, nem mesmo um “conhecimento de mundos superiores”, que nele ela não precisa temer mais nada. A carta aos Colossenses presta um serviço inestimável à igreja de hoje ao lhe mostrar também sob esse aspecto a magnitude de Jesus e a grandeza e eficácia de sua cruz.