Estudo sobre Colossenses 2:23
Estudo sobre Colossenses 2:23
Também a última frase do capítulo torna a render um veredicto sintético sobre os críticos e todo o seu modo de agir. Aqui o texto obviamente é muito problemático. O ser e o empenho dos críticos possuem “evidentemente um cheiro de sabedoria”, logon sophias. Logos = “palavra” pode ter o sentido de “boato”. Os críticos são “falados”, sendo considerados pessoas de sabedoria especial. Essa fama resulta de sua “ethelothreskeia, sua humildade e sua implacabilidade para com o corpo”. A primeira palavra dessa sequência é formada por thelein = “querer” e threskeia = “serviço”, no sentido de “serviço religioso”. Propõe-se uma tradução como “religião de feitio próprio”. Contudo, a expressão “querer” não implica necessariamente o significado de “teimoso”. Poderia haver também a conotação do que é próprio da vontade, até mesmo o aspecto voluntário e zeloso. Nesta série, porém, cabe somente uma expressão que engloba a aparência de preciosidade: “zeloso serviço [culto] a Deus”. “Ó, como são zelosos! E como são humildes! Como são implacáveis com o corpo! Devem ter algo significativo. Na verdade ainda não chegamos a esse ponto em nossa igreja!” É assim que os colossenses devem ter pensado ou até mesmo falado.
Que sentido tem, no entanto: “não mediante determinada honra para a satisfação da carne”? Houve tentativas de interpretação na linha da tradução de Lutero: “Não concedem honra à carne para suas necessidades”. Ou seja, o que essas pessoas realizam sem sombra de dúvida é muito grandioso, mas é exasperado, não respeita o corpo que, afinal, também recebemos de Deus e que deve receber o necessário cuidado. Porém: nos demais escritos de Paulo “carne” tem sempre o sentido depreciativo, o que torna difícil interpretar “satisfação da carne” como “cuidado necessário do corpo concedido por Deus”. Essa frase final provavelmente deve ter possuído uma formulação um pouco diferente. O melhor será construir a frase de forma que o começo: “Todas essas coisas (ou: ‘tais coisas’) são” seja agrupado com o final: “para a satisfação da carne” como a verdadeira afirmação da frase: “Tais coisas (ou ‘tudo isso’) servem à satisfação da carne”. O particípio “tendo um cheiro de sabedoria por meio de religião de feitio próprio, de humildade e de implacabilidade para com o corpo” formará, então, uma frase secundária intercalada. É óbvio que também nesse caso o “não mediante determinada honra” continua de difícil compreensão para nós. Ainda não foi encontrada uma interpretação aceitável. De qualquer modo Paulo deve ter expressado mais uma vez nessa frase que todo esse “serviço zeloso”, essa “humildade” realçada, até mesmo essa implacabilidade para com o corpo” na verdade apenas serviam à “satisfação da carne”. Porque em nenhum lugar a carne é tão bem camuflada e tão perigosa como quando se torna “religiosa”. Afinal, “carne” significa “eu” e “egocentrismo”. O eu “devoto”, “humilde”, “ascético”, que em tudo isso busca não a Jesus, mas a si mesmo e a honra própria, é algo terrível. Ao mesmo tempo ele se torna, com sua “seriedade”, muito mais perigoso para a igreja que o simples e cristalino “mundo”.
Todas essas explicações já deixaram claro que relevância magna possui esse trecho para todos os tempos. Ainda que o texto imponha vários problemas insolúveis, ainda que nós já consigamos reconstruir em detalhes aquilo que incidia sobre a igreja em Colossos, ainda que vários de seus aspectos nos pareçam muito estranhos por pertencerem a um mundo passado – a causa em si é bastante atual até hoje. Porque sempre ronda o perigo de que justamente as pessoas “religiosas” não experimentem uma conversão radical, um reconhecimento real da própria perdição e, por consequência, uma percepção grata do fato de terem morrido com Cristo. Nesse caso, porém, sobrevive um eu não-quebrantado, que busca seu espaço e sua satisfação, agora não mais no “mundo”, mas na religião, no “cristianismo”. A opinio legalis, o “pensamento legalista”, está profundamente arraigado em todos nós, como a Reforma tornou a constatar com a perspicácia concedida pelo Espírito Santo. A “lei” demanda produção e por consequência promete grandeza e honra. Isso é propício para o eu, que visa justamente a grandeza devota, a satisfação religiosa. Em seguida surgem em colorida abundância os esforços legalistas de santificação, configurados e pintados de diversas maneiras, de acordo com cada circunstância, mas no fundo sempre bastante iguais. “Não toque! Não experimente! Não use!” Sim, aqui as coisas finalmente são levadas “a sério”! Aqui as pessoas mostram uma atitude “decidida” e ao mesmo tempo muito “humilde”! Aqui finalmente há quem seja “nitidamente bíblico”, restituindo, enfim, ao sábado seu devido lugar, ou então há novamente “apóstolos” ou qualquer “nova descoberta” que se queira extrair da abundância de instruções bíblicas. Aqui a vida espiritual também alcança a ansiada grandeza misteriosa: atinge-se o “conhecimento de mundos superiores”, as pessoas têm visões, “mensagens” são transmitidas, sim, supostamente o próprio Senhor exaltado concede as revelações e instruções. Acontecem curas e sinais.
Tudo isso é perturbador e deprimente justamente para uma igreja viva. Esses grupos não têm razão? Ali de fato não se observa a seriedade maior? Será que eles não concretizam aquilo pelo que a igreja se empenha? Porventura ali a Bíblia não está sendo levada a sério? E não seria maravilhoso se a gente também chegasse a tais experiências e vivências e não continuasse tão pobre e insignificante?
De fato a questão não é tão simples assim! Porventura a igreja não precisa ser exortada para uma seriedade maior, para mais humildade, para uma obediência mais fiel à Bíblia? Quanta vivência morna e mundana muitas vezes não é defendida tenazmente na igreja pelo argumento da “liberdade evangélica”! Como as pessoas são escorregadias e rápidas na hora de escapar de qualquer obediência concreta, rejeitando-a como “legalista”! Com quanta apatia, e contra os conhecimentos bíblicos, persistimos na “conduta vã segundo o costume dos pais”! Quanta injustiça a igreja já cometeu contra muitas pessoas e movimentos que tinham razão com sua crítica à igreja, com seu propósitos sinceros em favor da igreja! Porventura não podemos estigmatizar e combater todo impulso vivo na igreja com as palavras-chave do presente trecho? Como encontraremos o rumo no meio disso? Como distinguiremos corretamente os exortadores enviados por Deus, abrindo-nos francamente para sua crítica, e quando devemos rejeitar os críticos de forma corajosa, como os colossenses?
Com toda a certeza não é “simples”. Por essa razão Paulo nos disse no começo do capítulo que árdua luta representa a devida preservação e continuidade de uma igreja de Jesus. Nada na vida é “simples”. Quanto maior o bem vital que nos foi confiado, tanto maior vigilância e empenho são demandados para sua conservação. Uma cadeira é mais fácil de conservar que uma planta ornamental, uma flor mais fácil de cuidar que uma criança. Não deve causar surpresa que uma igreja de Jesus necessita de muito mais cuidado, perspicácia e amor para sua conservação. Não obstante, Paulo nos muniu de um meio de identificação “simples”. Podemos examinar tudo o que nos é apresentado, com a pergunta: será que nisso Jesus se torna grande? Será que sua obra é colocada decisivamente no centro? Ou será que Jesus passa para segundo plano, dando lugar para destacar pessoas e suas realizações? Porventura a fé continua sendo a única coisa decisiva do ser cristão, ou outras coisas assumem importância? Diante dessas perguntas a tentativa da carne devota de nos aprisionar pode ficar rapidamente evidente . Nesse ponto, porém, segundo o exemplo de Paulo, não nos cabe silenciar. Não podemos deixar, por suposto “amor cristão” ou por aparente “humildade”, que esse sistema carnal penetre e conquiste espaço na igreja. Aqui é preciso refutar e desmascarar, mesmo se isso nos rende o ódio destrutivo dessa carne devota, “humilde”, experimentado pelo próprio Paulo com suficiente amargor.
Em tudo que lemos nesta carta de Paulo, ele não engrandeceu coisas humanas, nem mesmo em si próprio e em seus amigos. Em todas as suas exposições ressoava um único som claro: Jesus, ele, por meio dele, para ele, com ele. Paulo magnificou para nós Jesus e sua obra na cruz. Ele nos mostrou que, quando morremos e fomos ressuscitados com Jesus, nos foi dado tudo de que precisamos, a verdadeira pureza, a renovação efetiva de nossa vida, assim como todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. “Nele estais plenificados” [v. 10]. Será que nisso nos foi dada também a autêntica santificação concreta? A santificação legalista foi clara e terminantemente rejeitada por Paulo. Contudo esse não somente terá força e consistência se não abrir mão de “santificação” para a igreja, se não deixar a vida prática diária simplesmente entregue a si mesma, e se não se recolher com a igreja para a glória da mera fé dissociada da vivência. Nesse caso, apesar de tudo, os críticos teriam razão, então apesar de tudo os membros sérios da igreja se voltariam para aqueles outros grupos. Mas Paulo não pensa de forma alguma em uma retirada dessas. Para ele importam também e justamente a vida prática diária e a verdadeira e bela santificação. A essa questão dedica, pois, toda a seção seguinte da carta.
Índice:
Colossenses 2:23