Estudo sobre Filipenses 2:14-15
Filipenses 2:14-15
Na sequência descreve-se melhor o que significa “desenvolvimento da salvação”. “Tudo fazei sem murmurações nem dúvidas.” Novamente precisamos levar em conta que esses vocativos(“vós”) não se dirigem aos vários indivíduos em si, cada um dos quais realizando sozinho o que foi demandado, mas à irmandade de uma igreja. Na irmandade a vontade de Deus pode e deve ser reconhecida tão atual e claramente que a obediência “sem dúvidas” possa acontecer com plena certeza. “Dúvidas” tolhem e paralisam. “Dúvidas” mostram que ainda continuo restrito a mim mesmo nas decisões que tomo e que não vivo sob a clara condução de meu Senhor vivo. Isso não precisa ser assim! Paulo não veio a Filipos de maneira insegura e hesitante, porém “certo de que Deus nos havia chamado para lhes anunciar o evangelho” (At 16.10). Além das “dúvidas” pode surgir em nosso coração também uma objeção intencional contra a instrução de Deus. O caminho de Deus é difícil demais, Deus exige demais de nós. É essa a “murmuração” que pode se manifestar, mas que, profundamente oculta no coração, também degrada e paralisa nossa obediência. Visto que é o próprio Deus quem cria em nós o querer e o realizar, podemos agarrar e praticar esse querer e realizar concedidos por Deus, de forma que uma obediência sincera e plena “sem murmurações nem dúvidas” se desenvolva. Era dessa forma tão “perfeccionista” que Paulo pensava! Ou será que havia uma segunda intenção por trás destas frases dirigidas aos filipenses: é evidente que jamais chegaremos a tanto, e que continuaremos todos sendo míseros pecadores que nunca se livrarão da murmuração e das dúvidas? Descortina-se aqui uma ampla perspectiva bíblica que com certeza esteve diante de Paulo, que também escreveu 1Co 10.1-11. O povo de Israel foi salvo do “Egito” pela poderosa graça de Deus, a fim de passar a pertencer ao Deus vivo com confiança e obediência. Então, porém, a “murmuração” começou com avassaladora rapidez quando a caminhada com Deus se tornou tão diferente do que o desejo humano imaginava: Êx 16.2-9; 17.1-7; Nm 11.1; 14.27-32; 16.11; 17.5; Sl 106.24s. Consequentemente, na história do povo libertado que peregrinava pelo deserto a “murmuração” aparece como o verdadeiro oposto da “fé”, impedindo o cumprimento do plano de salvação divina, de modo que os milagrosamente resgatados não puderam de fato “entrar no descanso” na terra da promissão (Hb 3.7-19). Tudo depende da circunstância de que o povo de Deus da nova aliança não sucumba à mesma tentação, ainda mais que sua caminhada passa por “tribulações” ainda maiores (At 14.22). Por isso, quando Paulo escreve aos filipenses atribulados pelos adversários: “Tudo fazei sem murmuração nem dúvidas”, não se trata apenas de uma exortação isolada, feita à margem, mas de rejeitar por princípio a ameaça decisiva à obediência de fé. Por causa da murmuração constante Israel se tornou a “geração pervertida” da qual já falava Moisés. A igreja, porém, pode continuar sendo a multidão de filhos autênticos e obedientes diante dessa geração pervertida.
Sim, Paulo determinou o alvo sério de seus amados: “para que vos torneis irrepreensíveis e sem falsidade, ‘imaculados filhos de Deus’ no meio de ‘uma geração torta e pervertida’.” A expressão traduzida por “sem falsidade” na verdade é um adjetivo que significa “não-mesclado”. Novamente nossa teologia habitual nos leva a pensar que nossa condição na verdade sempre é muito “mesclada”. Mesmo num cristão as coisas boas e más, divinas e pecaminosas permaneceriam interligadas. Afinal, essa é a experiência de todos nós. Pode ser que sim. Contudo, isso não nos deve impedir de notar que Paulo evidentemente pensava de outra maneira. Ou será que realmente classificaremos Paulo de orador pomposo que profere palavras edificante que ele mesmo não leva tão a sério? Será que o interpretaríamos corretamente se inseríssemos nesta frase um “na medida do possível” que não consta ali? “Esforçai-vos para ser irrepreensíveis e não-mesclados, ainda que obviamente jamais o alcançareis de fato?”
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Ao obedecer a igreja concretiza o que já foi enunciado pelo AT. No cântico de Moisés Israel é chamado de “geração torta e perversa” (Dt 32.5) porque retribui a fidelidade e glória de Deus com ingratidão e desobediência. Por isso Paulo com certeza também agora lembra de seu próprio povo, que novamente mostra toda a sua perversão diante da mensagem de Cristo. No entanto a igreja de Jesus não foi salva para que também ela torne a seguir “caminhos tortos” e volte a associar a filiação divina com um agir pecaminoso, como fizera Israel, mas para que nela “filhos imaculados de Deus” mostrem como de fato se obedece totalmente a Deus e se anda em seus caminhos bons e “retos” sem “murmurações nem dúvidas”. No escrito aos filipenses Paulo obviamente não terá esquecido que justamente naquela cidade e igreja o judaísmo não tinha muita importância. Mas os filipenses tinham suficientes evidências em seus concidadãos para saber o que vem a ser uma “geração torta e pervertida”. Era suficientemente “torto” o que aqueles “senhores” fizeram quando transformaram sua fúria pelo fim da fonte de lucros em pura indignação moral de fiéis corações romanos contra os pregadores estrangeiros “judeus”, mandando açoitar e prender esses homens sem investigação, em repúdio ao direito e à lei (At 16.19-24). Quantas coisas semelhantes os filipenses podem ter experimentado pessoalmente da parte de seus “adversários” (Fp 1.28). Nessa Filipos os “santos em Cristo Jesus” (Fp 1.1) não apenas devem pertencer a Deus, mas também viver de fato como “filhos imaculados de Deus”, para que na escuridão de seu contexto “resplandeçam como estrelas no universo”. [41]
Novamente ficamos cheios de dúvidas: será que Paulo não está educando seu pessoal para serem fariseus? Porventura é possível realmente esperar isso de uma igreja, uma igreja formada por seres humanos, que continuarão sempre totalmente pecadores? Um teólogo moderno preferiria escrever: “Estejam sempre conscientes de que na realidade vocês não se distinguem em nada do povo no meio do qual vivem; vocês não são diferentes nem melhores do que as pessoas em seu redor, mas apenas conhecem a graça daquele que justifica vocês pecadores e que um dia, depois da morte, há de criá-los de novo como filhos imaculados de Deus em um novo mundo.” Talvez tal pensamento corresponda novamente à nossa experiência conosco mesmos e nas igrejas de hoje. Não obstante, temos de perceber que o próprio Paulo escreveu de forma radicalmente diversa, e, com muita oração e luta, precisamos nos confrontar com aquilo que o cabeça da igreja realmente levou o autorizado Paulo a escrever aos filipenses por meio do Espírito Santo.
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Filipenses 2:14-15
Notas
41. Phoster significa inicialmente o “corpo luminoso”. Nesse sentido genérico a palavra ocorre em Ap 21.11. Uma vez que kosmos pode se referir ao universo e na literatura grega phoster muitas vezes significa “astro” (e que também na tradução grega de Dn 12.3 “estrelas” são vertidas para phosteres), justifica-se a tradução escolhida por nós. Obviamente é preciso ponderar que para Paulo, segundo o linguajar judaico, kosmos se refere predominantemente a “mundo humano”. Nesse caso seria possível entender aqui phoster em sentido genérico, acolhendo a instrução de Jesus em Mt 5.14. Assim Paulo afirmaria: vós sois portadores da luz em um mundo humano sombrio, da maneira e pela razão de serdes imaculados filhos de Deus em uma geração pervertida!