Estudo sobre Filipenses 2:16

Filipenses 2:16


Mas como, afinal, segundo a convicção de Paulo, os filipenses poderão atingir o grande alvo que ele lhes fixou? “Segurando firme a palavra da vida!” Não possuem força luminosa em si mesmos, como se fossem “estrelas”, não conseguem encontrar o agir correto “sem murmurações nem dúvidas” neles mesmos, não conseguem ser “filhos de Deus irrepreensíveis e não-mesclados” por si mesmos. Porém “a palavra” está com eles. Não é uma palavra morta, mas “a palavra da vida”. Ela propicia a vida, porque ela mesma está repleta de vida. “Segurar firme” essa palavra: é essa a tarefa simples e que apesar disso engloba tudo. Como, porém, Paulo entendia esse “segurar firme a palavra da vida” de forma prática e concreta?[42] Hoje imaginamos imediatamente a Bíblia, e fazemos bem. Mas ao mesmo tempo é salutar que sejamos lembrados de que também existe uma erudição nas Escrituras que apesar de toda a fidelidade à Bíblia ignorou o Cristo, entregando-o à crucificação, e que os filipenses nem mesmo possuíam a Bíblia como a conhecemos hoje! É até mesmo duvidoso que tenham possuído todos os rolos de escritos que hoje formam o “Antigo Testamento”. É absolutamente certo que nem todos possuíam rolos próprios para o uso diário em casa, nem mesmo os mais importantes.[43] E ainda não existia um “Novo Testamento”.[44] A “palavra da vida”, porém, deve ser, como em Cl 3.16, sobretudo “a palavra do Cristo”. Para os membros da igreja valia de modo bem diferente o que hoje nós ouvimos sobre Maria: “Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (Lc 2.19). A palavra vivamente anunciada, acolhida, preservada e meditada no coração era “a palavra da vida”. Cumpre avaliar o quanto Deus nos presenteou pelo fato de que hoje toda a riqueza dos escritos do AT e do NT estão ao alcance pessoal de cada um na igreja, favoravelmente impressos em um só livro. Mas não pretendemos ignorar o grande perigo de que, possuindo tranquilamente esse livro, na verdade tenhamos e seguremos a “palavra da vida” com muito menos firmeza do que aquelas igrejas que, sem imprensa, possuíam a palavra ouvida no coração como propriedade real e viva. Com sua percepção iluminada Lutero seguramente acertou em cheio ao escrever: “Evangelho, porém, não é nada além de pregação e gritaria a respeito da graça e misericórdia de Deus, merecida e conquistada por meio do Senhor Jesus Cristo em sua morte; e na realidade não é o que consta em livros e é formulado com letras, mas antes uma pregação oral e palavra viva, uma voz que ressoa em todo o mundo, sendo gritada em público de modo que seja ouvida em todos os lugares” (WA 12, p. 259).


Segurar firme a palavra da vida e assim desenvolver sua salvação - é essa a tarefa45 dos filipenses. E essa tarefa está inteiramente sob a luz do “dia do Cristo”. Para esse dia aponta todo pensar e agir. Também aqui nos surpreendemos novamente com o que Paulo escreve. Assim como em Fp 1.10s ele contava com o fato de que a igreja não compareceria diante de Cristo pobre, vazia, maculada, meramente aceita “por graça”, mas surgiria “pura e irrepreensível”, “cheia do fruto da justiça”, assim ele espera agora que ele mesmo terá então um “motivo de glória”: “Como motivo de glória para mim em vista do dia do Cristo, porque não corri em vão e tampouco trabalhei em vão.” Novamente sentimos falta da “humildade” que nos parece necessária e que diria algo como: “Espero que, não obstante, o Senhor considere em sua graça minha pobre e imprestável obra”. Paulo, no entanto, usa palavras diferentes. Deseja poder gloriar-se feliz de seu trabalho bem-sucedido na igreja! Para que isso lhe seja possível naquele dia, a igreja precisa desde já ter uma vida translúcida e vigorosa, progredindo seriamente nela. Paulo não conhece aquela modéstia exagerada que não consegue alcançar nada em seu trabalho, mas que se consola pelo fato de que “a eternidade seguramente há de revelar o fruto”. Se os filipenses não segurarem firmes a palavra da vida e não desenvolverem sua salvação com temor e tremor, ele terá trabalhado “ e “corrido em vão”, como um corredor que não alcança o prêmio. Então tampouco “a eternidade” (ou a forma biblicamente mais correta: “o dia do Cristo”) revelará algo diferente. No NT tudo é muito mais simples e real do que em nosso problemático mundo de fé.[46]



Notas
42. Lohmeyer opina que para epechein deve ser considerado como única opção o significado “oferecer”. Paulo encarrega aqui os filipenses de se posicionarem como “luminárias da palavra” em um ambiente sombrio. Porém outras passagens no NT que usam epechein se opõem a essa opinião: Lc 14.7; At 19.22; 1Tm 4.16.

43. Naquele tempo em que eram penosamente confeccionados ao serem escritos à mão, os rolos de livros eram tão caros que uma Bíblia completa teria valido o equivalente a, p. ex., o latifúndio de um nobre!

44. Essa realidade também se evidencia pela falta de artigo na expressão. Paulo não escreveu: segurando firme “a” palavra da vida, como se já fosse algo definido, existente em um livro; mas escreveu: segurando firme “palavra da vida”, de modo que parece ser antes um conceito qualitativo. Também em nosso idioma faz diferença dizer: “Enfim, tenho o pão da vida” ou: “Enfim, tenho pão da vida”. “O pão da vida” refere-se a algo bem definido, p. ex., a Bíblia. “Pão da vida” sem artigo abarcaria tudo que no coração de uma pessoa pode ser alimento para a vida eterna.

45. Na estrutura da presente frase o particípio (“segurando firme”) também dá prosseguimento ao imperativo do começo da frase. Por isso “segurando firme palavra da vida” não deve ser entendido apenas como justificativa, mas também como tarefa.

46. Por essa razão Paulo considera a questão de que seu trabalho não permaneça vão de forma tão séria e sempre atual: cf. 1Co 15.14; 15.58; 2Co 6.1; Gl 2.2; 1Ts 2.1; 4.11.