Dragão — Enciclopedia da Bíblia Online
DRAGÃO
O termo “dragão” evoca uma figura poderosa e complexa, cuja definição varia entre a mitologia universal e as Escrituras, mas que mantém uma consistência notável como símbolo de força e oposição. No contexto mitológico, o dragão é um arquétipo de poder e caos. Geralmente retratado como uma gigantesca serpente ou réptil alado que cospe fogo, ele representa forças primordiais e destrutivas da natureza. Nas mitologias ocidentais, é frequentemente um monstro a ser derrotado por um herói, simbolizando a vitória da ordem sobre o caos. A sua imagem é a de um ser antigo e temível, guardião de tesouros ou habitante das profundezas, e sua presença indica um embate de proporções épicas.
I. Na mitologia: Guardião severo e emblema do mal
O dragão apresenta-se, antes de tudo, como guardião severo ou como símbolo do mal e das tendências demoníacas. É o vigia dos tesouros ocultos e, como tal, o adversário que precisa ser vencido para que se tenha acesso ao que guarda (CHEVALIER, GHEERBRANT, Dicionário de Símbolos, 2016, p. 349). No Ocidente, protege o Tosão de Ouro e o Jardim das Hespérides; na China, num conto da dinastia T’ang, guarda a Pérola. A lenda de Siegfried confirma a intuição profunda do motivo: o tesouro protegido pelo dragão é, na verdade, a imortalidade. Enquanto símbolo demoníaco, o dragão identifica-se com a serpente; Orígenes, a propósito do Salmo 74 (v. Leviatã), confirma explicitamente essa identidade. Cabeças de dragões quebradas, serpentes destruídas — eis a vitória de Cristo sobre o mal. Para além das imagens bem conhecidas de São Miguel e São Jorge em combate, a própria iconografia por vezes mostra o Cristo calcando um dragão. No zen, o patriarca Huineng lê dragões e serpentes como símbolos do ódio e do mal; e o terrível Fudō (Acala) nipônico, dominando o dragão, vence ignorância e obscuridade.
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Miguel batalha com Dragão, de Albrecht Dürer, em 1496-98 |
Todavia, esses aspectos negativos não são os únicos — nem os mais importantes. O simbolismo do dragão é ambivalente, o que, aliás, se expressa na imagética do Extremo Oriente pela figura de dois dragões que se afrontam, motivo que volta na Idade Média e, mais particularmente, no hermetismo europeu e muçulmano, onde esse enfrentamento assume um aspecto análogo ao das serpentes no caduceu. A cena representa a neutralização das tendências adversas, do enxofre e do mercúrio alquímicos (ao passo que a natureza latente, não desenvolvida, é representada pelo uróboro, a serpente/dragão emblemático que morde a cauda). Já no próprio Extremo Oriente, o dragão comporta aspectos diversos — e não poderia ser diferente num ser ao mesmo tempo aquático, terrestre (isto é, subterrâneo) e celeste —, razão pela qual ele se assemelha à Quetzalcóatl, a serpente de plumas dos astecas. Tentou-se distinguir, sem êxito, entre o dragão long (aquático) e o dragão ku’ei (terrestre); no Japão, há uma distinção popular entre quatro espécies — celeste, pluvial, terrestre-aquático e subterrâneo — que, no fundo, são aspectos de um único símbolo: o princípio ativo e demiúrgico, poder divino, élan espiritual, como observa Grousset.
Símbolo celeste, poder de vida e de manifestação, o dragão cospe as águas primordiais ou o Ovo do mundo, convertendo-se em imagem do Verbo criador; é a nuvem que se desenrola acima de nós e derrama a sua abundância de águas fertilizantes. É o princípio k’ien, origem do Céu e produtor da chuva, cujos seis cavalos de tiro são seis dragões atrelados; seu sangue, diz ainda o 1-ching, é negro e amarelo, cores primordiais do Céu e da Terra. Os seis traços do hexagrama k’ien representam, tradicionalmente, seis etapas de manifestação — do dragão escondido, potencial, não-manifestado, não-ativo, até o dragão planador, que volta ao princípio, passando pelo dragão nos campos, visível, saltador e voador. Em chave védico-bramânica, o dragão identifica-se ao Princípio, a Agni ou a Prajapâti; o Matador do Dragão é o sacrificador que aplaca a potência divina e se identifica a ela. O dragão produz o soma, a bebida da imortalidade; ele é o soma da oblação sacrificial.
Em Chuang-tse (Zhuangzi), o poder do dragão é misterioso: a resolução dos contrários; por isso Confúcio viu, segundo o texto, em Lao-tse a personificação do dragão. E se o dragão-soma proporciona a imortalidade, o dragão chinês igualmente conduz a ela: dragões voadores são montarias de Imortais, erguendo-os ao Céu. Huangti, que utilizou o dragão para domar as más tendências, subiu ao Céu no dorso de um dragão; mas ele era ele mesmo dragão, assim como Fu-hi, o soberano primordial, que recebeu de um cavalo-dragão o Ho-t’u. E foi graças ao dragão que Yu, o Grande, organizou o mundo, drenando as águas excedentes: o dragão, enviado do Céu, abriu-lhe o caminho (k’ai tao). Potência celeste, criadora, ordenadora, ele torna-se, muito naturalmente, símbolo do imperador; é extraordinário que tal simbolismo valha não só na China, mas entre os celtas, e que um texto hebraico fale do dragão celeste como de um rei no trono. Associado ao raio (cospe fogo) e à fertilidade (traz chuva), simboliza as funções régias e os ritmos da vida que garantem ordem e prosperidade; daí ser emblema do imperador. Assim como se expõem retratos imperiais quando o país padece seca, faz-se a imagem do dragão Yin, e logo chove (GRANET, Danses et legendes de la Chine ancienne, vol. 1, p. 361).
O dragão é manifestação da onipotência imperial chinesa: a face do dragão significa a face do imperador; o andar do dragão é o porte majestoso do chefe; e a pérola do dragão, que ele carrega na garganta, é o brilho indiscutível da palavra do chefe, a perfeição de seu pensamento e de suas ordens — “não se discute a pérola do dragão”, declarava, ainda em nossos dias, Mao. Se o simbolismo aquático permanece central — dragões vivem na água, fazem brotar fontes, e o Rei dragão é rei dos nāgas, identificando-se, aqui também, à serpente —, o dragão liga-se sobretudo à produção da chuva e da tempestade, manifestações da atividade celeste. Unindo a terra e a água, torna-se símbolo da chuva celeste fecundando a terra; danças do dragão e a exposição de dragões da cor apropriada visam obter chuva, bênção do céu; por consequência, é sinal de bom augúrio, e sua aparição consagra reinado feliz. Pode acontecer que de sua goela saiam folhagens: símbolo de germinação. Segundo costume indonésio, no dia de ano-bom, rapazes vestem um dragão de papel, que serpenteia pelas ruas, enquanto os cidadãos, às janelas, lhes oferecem saladas verdes, que o dragão engole, para júbilo do público; a colônia indonésia dos Países Baixos perpetua anualmente esse rito nas ruas de Amsterdam.
O trovão é inseparável da chuva: o vínculo com o dragão remete ao princípio ativo, demiúrgico. Huangti, que era dragão, era também o gênio do trovão; no Kampuchea (Camboja), o dragão aquático possui uma gema cujo brilho — e relâmpago — produz a chuva. A escalada do trovão, isto é, do yang, da vida, da vegetação, da renovação cíclica, é figurada pela aparição do dragão: ele corresponde à primavera, ao nascente, à cor verde; eleva-se ao céu no equinócio da primavera e mergulha no abismo no equinócio do outono, o que se traduz pela posição das estrelas kio e ta-kio, Espiga da constelação da Virgem, e Arcturo — os cornos do dragão.
O uso do dragão na ornamentação das portas no Oriente confere-lhe igualmente um simbolismo cíclico, mas sobretudo solsticial; astronomicamente, cabeça e cauda do dragão são os nós da Lua, pontos onde ocorrem eclipses; daí o simbolismo chinês do dragão devorando a Lua e o simbolismo árabe da cauda do dragão como região tenebrosa. E voltamos à ambivalência: o dragão é yang enquanto trovão e primavera, atividade celeste; é yin enquanto soberano das águas; yang quando identificado com cavalo, leão — animais s solares —, com espadas; yin quando peixe ou serpente; yang como princípio geomântico, yin como princípio alquímico (mercúrio).
A. Nas mitologias celtas, destino histórico e a ameaça latente
O dragão vermelho é emblema do País de Gales; o Mabinogi de Lludd e Llewelys narra a luta do dragão vermelho e do dragão branco, sendo este último símbolo dos saxões invasores. Ao fim, os dois dragões, embriagados de hidromel, são enterrados no centro da ilha da Bretanha, em Oxford, dentro de um cofre de pedra; a ilha não sofreria nova invasão enquanto não fossem descobertos (CELTICUM, vol. 6, pp. 451-452; CHARBONNEAU-LASSAY, 1940, Le Bestiaire du Christ, pp. 391-401). O dragão trancafiado torna-se símbolo de forças ocultas e contidas, as duas faces de um ser velado; o dragão branco ostenta as cores lívidas da morte; o vermelho, as da cólera e da violência. Enterrados juntos, os dois dragões significam a fusão de destino; a cólera amainou, mas podem ressurgir — permanecem como ameaça, potência virtual, prontos a lançar-se contra qualquer novo invasor. É lícito aproximar a baleia que vomita Jonas da simbólica do dragão, monstro que engole e cosp e sua presa após transfigurá-la: trata-se de imagem de origem mítica solar, na qual o herói se encontra no ventre do dragão; morto o monstro, o herói reconquista uma eterna juventude; completada a descida aos infernos, ele ascende do país dos mortos e da prisão noturna do mar (DAVY, Un traité de la vie solitaire, 1940-1946, p. 225).
A análise de C. G. Jung aproveitou esse mito — a experiência clínica reconheceu nele a substância de muitos sonhos e de sua interpretação tradicional: o mito de Jonas e a baleia, em que o herói é engolido por um monstro marinho que o arrasta para o mar alto, à noite, de oeste para leste, simboliza a marcha suposta do sol, do crepúsculo à alvorada. O herói, explica J. L. Henderson, afunda-se nas trevas — uma espécie de morte —; a luta entre o herói e o dragão deixa transparecer o tema arquetípico do triunfo do Ego sobre as tendências regressivas. Em muitos, o lado tenebroso e negativo da personalidade permanece inconsciente; o herói, porém, precisa tomar consciência da sombra e dela tirar forças; é preciso compor-se com as potências destrutivas para tornar-se forte o bastante a fim de medir-se com o dragão e vencê-lo. Em outras palavras: o Ego só triunfa depois de dominar e assimilar a sombra (JUNG, O homem e seus símbolos, 2008, p. 154).
O mesmo autor cita, no mesmo sentido, a aceitação por Fausto do desafio de Mefistófeles, o desafio da vida, o desafio do inconsciente: através dele — através do que pensou ser a perseguição do mal —, desemboca nos horizontes da salvação. “Todos os dragões de nossa vida são, talvez, princesas encantadas, que esperam ver-nos belos e bravos. Todas as coisas terrificantes podem ser, apenas, coisas inermes que esperam socorro de nós” (R. M. Rilke, Cartas a um jovem poeta). O dragão está primeiro em nós — o que explica por que a narrativa mítica, sem abandonar a luta cósmica entre bem e mal, interna o combate como drama da consciência.
Em compasso teológico-cosmogônico, os dragões representam também as legiões de Lúcifer em oposição aos anjos de Deus: deslocando-se um pouco mais depressa que a luz divina, cuspindo antes do tempo todos os fogos do inferno, armados de todas as garras do ódio e de todos os craques do desejo, couraçados de egoísmo, munidos das asas da mentira e da astúcia, os dragões de Lúcifer estão para o mal como os anjos de Deus estão para o bem; silvando, soprando, uivando, rugindo, eles se precipitam ainda sobre nós do fundo das idades e das trevas; serpentes, ratos, morcegos, vampiros — tudo o que, na memória ancestral e na imaginação popular, conserva horror e poder maléfico é, mal camuflada, uma imagem de dragões que ameaçavam o Todo-Poderoso. Se algo subsiste, no inconsciente coletivo, do terror original e da repugnância primeva, é a sombra da besta fabulosa e abjeta que compunha o grosso daquilo a que chamaríamos hoje, forçando os termos, as forças aéreas e os contingentes blindados do Tinhoso (d’ORMESSON, Dieu, sa vie, son oeuvre, 1980).
São Jorge e São Miguel, repetidos por tantos artistas, ilustram a luta perene do bem contra o mal; o tema, sob formas as mais diversas, obsessiona culturas e religiões — e aparece até no materialismo dialético da luta de classes. Na astrologia, o eixo dos dragões — igualmente chamado eixo do destino — retoma a linguagem dos nós lunares: a cabeça do dragão indica o lugar onde se constrói a sede da existência consciente; a cauda revolve as influências do passado, o carma que é preciso vencer. Como acima, trata-se dos pontos em que a trajetória da Lua cruza a do Sol. E, na alquimia, o dragão é o mercúrio filosofal: dois dragões em combate designam as duas matérias da Grande Obra — um alado e outro não — para significar a volatilidade e a fixidez; quando o enxofre, fixo, transmuda o mercúrio em sua própria natureza, os dois dragões são substituídos como sentinelas à porta do Jardim das Hespérides, e torna-se possível colher sem medo os pomos de ouro (PERCHERON, La chine, 1936).
B. Princípio de criação, ordem política, ciclos e linhagens do dragão
Reunindo os fios, vê-se por que o dragão figura simultaneamente guarda, mal, princípio de criação e poder régio. Potência celeste, criadora, ordenadora, ele funda ordem no céu e na terra e, portanto, legitima o poder — imperial na China, régio entre celtas —, ao mesmo tempo em que o questiona: o guardião que se interpõe é também a força que precisa ser dominada e transmutada. Chuva e trovão — fogo que cospe e água que fecunda — fazem do dragão um sinal régio e um índice agrícola: produz a chuva, fertiliza os campos, consagra reinados; por isso, rituais — como danças do dragão, exibição de dragões da cor correta, ofertas verdes a um dragão de papel nas ruas — pedem a bênção do céu e a volta da abundância; a narrativa de que no Kampuchea o dragão aquático possui uma gema cujo clarão desencadeia relâmpago e chuva ecoa o mesmo princípio. E como símbolo cósmico-astronômico, ele marca equinócios (elevação na primavera, descida no outono), solstícios (ornamentação de portas), nós lunares (cabeça/cauda e eclipses), inclusive a imagem do dragão que devora a Lua na China e a cauda tenebrosa nas tradições árabes.
Yin e yang distribuem-se sobre sua figura: yang quando trovão, primavera, cavalo, leão, espada; yin quando senhor das águas, peixe, serpente; yang como geomancia, yin como alquimia (mercúrio). Sob esse arco, Huangti — dragão e gênio do trovão — domina as más tendências e ascende no dragão; Fu-hi recebe do cavalo-dragão o Ho-t’u; Yu, o Grande, abre o mundo drenando as águas com o caminho que o dragão do céu lhe traça (k’ai tao). Em paralelo, Imortais se elevam em dragões voadores; e, no Butão, a linhagem Brug-pa Kagyu-pa — “linhagem do dragão” — mantém viva, nos “Vie et chants de Brug-pa Kung-legs, le Yogin” (séc. XV, trad. fr. e notas de R. A. Stein, Paris, 1972), a memória iniciática de que o dragão não é só inimigo, mas via: força a ser convertida, princípio que organiza, ameaça que impulsiona, montaria que transporta, sinal que ordena.
O circuito é completo quando se recorda que o dragão está primeiro em nós: a ameaça que nos ronda nas lendas — Lúcifer e seus dragões velozes, armados de ódio, desejo, mentira e astúcia (como ironiza d’ORMESSON, 1980) — só é definitivamente enfrentada quando o herói desce ao ventre do monstro, tolera a noite, assume a sombra e volta renovado — como Jonas vomitado à terra, rejuvenescido, pronto para a missão (a imagem mítica de DAVY, Un traité de la vie solitaire, 1940-1946, p. 225). É por isso que, do Jardim das Hespérides ao Tosão de Ouro, da Pérola T’ang ao soma védico, do caduceu hermético ao uróboro, do mundo celta aos nós da Lua, o mesmo signo — o dragão — guarda, opõe-se, fecunda, rege, devora e devolve, ameaça e salva: duas naturezas em um só símbolo, ambivalência que a tradição soube ler como prova, ritmo, lei e promessa (CELTICUM, vol. 6, pp. 451-452; CHAPOUTIER, Les Dioscures au service d une déesse, 1935, pp. 391-401; GRANET, Danses et legendes de la Chine ancienne, vol. 1, p. 361; DAVY, Un traité de la vie solitaire, 1940-1946, vol. 2, p. 225; JUNG, O homem e seus símbolos, 2008, p. 155).
O termo “dragão” evoca uma figura poderosa e complexa, cuja definição varia entre a mitologia universal e as Escrituras, mas que mantém uma consistência notável como símbolo de força e oposição. No contexto mitológico, o dragão é um arquétipo de poder e caos. Geralmente retratado como uma gigantesca serpente ou réptil alado que cospe fogo, ele representa forças primordiais e destrutivas da natureza. Nas mitologias ocidentais, é frequentemente um monstro a ser derrotado por um herói, simbolizando a vitória da ordem sobre o caos. A sua imagem é a de um ser antigo e temível, guardião de tesouros ou habitante das profundezas, e sua presença indica um embate de proporções épicas.
II. O Dragão na Bíblia: Do Antigo para o Novo Testamento
A Bíblia adota e transforma essa figura mitológica para o seu próprio propósito teológico. No AT, a palavra hebraica תַּנִּין (tannin) é frequentemente traduzida como “dragão” ou “monstro marinho” (cf. Sl 74:13). Aqui, a figura se alinha com os mitos de combate do Antigo Oriente Próximo, onde um deus da criação derrota uma serpente ou monstro do mar. O dragão bíblico simboliza as forças do caos, a rebelião cósmica contra a ordem divina, ou as nações poderosas que se opõem a Israel, como o Egito (Ez 29:3). Deus, no entanto, é sempre retratado como o vencedor e o soberano sobre essas forças, controlando ou destruindo o “dragão das águas”.
No NT, a simbologia se torna muito mais específica e pessoal, especialmente no livro do Apocalipse, onde o dragão é explicitamente nomeado. Ele é o δράκων (drakōn) que persegue a mulher e sua descendência (Ap 12). A obra não deixa dúvidas sobre sua identidade, descrevendo-o como “a antiga serpente, chamada Diabo e Satanás, que engana o mundo todo” (Ap 12:9). O dragão, portanto, deixa de ser um mero símbolo de caos para se tornar a personificação direta e final do mal. Sua batalha não é mais uma guerra mitológica contra as águas primordiais, mas um conflito direto e escatológico contra Deus e seu povo. (Veja Dragão, Bestas e Mar)
Apesar de alguns poucos comentaristas não aceitarem nenhuma herança mítica literária sobre o texto bíblico, há um consenso massivo de que o termo “dragão” evoluiu de uma figura de poder e caos na mitologia para um símbolo do mal cósmico no Antigo Testamento, culminando no Novo Testamento como a personificação definitiva de Satanás, o inimigo final de Deus e da humanidade (DIETERICH, Abraxas: Studien zur Religionsgeschichte des späteren Altertums, 1891, pp. 111–26; GUNKEL, Schöpfung und Chaos in Urzeit und Endzeit: Eine religionsgeschichtliche Untersuchung über Gen 1 und Ap Joh 12, 1895); BOUSSET, Die Offenbarung Johannis, 1906, pp. 351–56. FONTENROSE, Python: A Study of Delphic Myth and Its Origins, 1980, pp. 210, 264; SAFFREY, “Relire l’Apocalypse à Patmos”, 1975, pp. 385-417, esp. pp. 410–17; COLLINS, The Combat Myth in the Book of Revelation, 1976, pp. 57–100; VÖGTLE, “Mythos und Botschaft in Apokalypse 12”, 1971, pp. 395-415; BERGMEIER, “Altes und Neues zur ‘Sonnenfrau am Himmel’ (Apk 12)”, 1982, pp. 97–109; AUNE, Revelation, 1997–98, pp. 667–74. BUSCH, Der gefallene Drache: Mythenexegese am Beispiel von Apokalypse 12, 1996. GOLLINGER, Das “Große Zeichen” von Apokalypse 12, 1971, pp. 127–33).
A. Contexto histórico-literário do Conflito divino-draconiano
No Antigo Testamento multiplicam-se as menções ao confronto de Yahweh com o dragão e com o mar, sendo o dragão por vezes identificado como Leviatã ou Raabe; o Novo Testamento retoma o tema no Apocalipse. Esse repertório imagético surge, por um lado, associado ao ato criador; por outro, é historicizado, de modo que o dragão possa servir de cifra para uma potência estrangeira (como o Egito); e, em outra direção, projeta-se escatologicamente como o combate final. Há quem sustente que Leviatã e Beemote designem criaturas naturais existentes; a leitura, porém, é muito provavelmente indevida. Durante décadas se pensou que o pano de fundo dessa mitologia fosse babilônico; desde a descoberta dos textos ugaríticos, contudo, tornou-se patente que a fonte mais imediata das alusões bíblicas está na mitologia cananeia.
B. Criação
Diversos trechos poéticos do AT descrevem, na origem do mundo, um embate que coloca Yahweh frente a frente com o dragão e com o mar. Os exemplos mais nítidos são Salmo 65:7–8 (Pt., vv. 6-7); 74:12–17; Salmos 89:10–15 (Pt, vv. 9-14); Salmos 104:1–9; Jó 9:5–14; Jó 26:5–14; Jó 38:8–11. O mesmo motivo parece dar o fundo a Salmo 93:3–4; Jó 7:12; Jó 40:15–Jó 41:26 (Pt, v. 34), enquanto Jó 3:8 funciona como alusão à reversão do processo criador. No final do século XIX, H. Gunkel (1895) defendeu que essas alusões representariam uma apropriação israelita do mito babilônico em que Marduque derrota o monstro marinho Tiamat, tal como narrado no Enuma Elish. Ainda que essa linha tenha encontrado eco no século XX, os textos ugaríticos reabriram a questão: além de um relato detalhado da vitória de Baal sobre o deus-mar Yam (KTU 1.2 = CTA 2), aparecem alusões a outro conflito, envolvendo Baal ou Anat, contra o monstro marinho Leviatã (também intitulado “serpente sinuosa”, “serpente tortuosa” e “dragão”, entre outras criaturas; KTU 1.3.III.39–IV.3; 1.5.I.1–3; 1.82.1–3; 1.83.3–10 = CTA 3.IIID.36–IV.47; 5.I.1–3; UT 1101.1–3; 1003.3–10). Esse dossiê aponta para uma matriz cananeia subjacente às alusões bíblicas a Leviatã (Sl 74:14; Jó 3:8; 40:25–41:26 — Pt., 41:1–34; Is 27:1) e à serpente sinuosa/tortuosa (Is 27:1; cf. Jó 26:13). Como Raabe parece funcionar como outro nome de Leviatã, é plausível tratar-se igualmente de um antroponímico cananeu do dragão, embora o nome, até agora, não tenha sido atestado em material extrabíblico. O vocábulo tĕhôm (cf. ugarítico thm) sugere, pelo seu perfil formal, que não se trata de simples empréstimo do acádico Tiamat, embora tĕhôm seja cognato de Tiamat.
Se se concede o horizonte cananeu, impõe-se a pergunta: o mito subjacente é, de fato, um mito de criação? O ciclo Baal versus Yam não faz menção explícita à criação e, embora haja lacunas, é improvável que o que falta ao final contivesse um relato criacional comparável ao Enuma Elish. Mesmo assim, é possível que os cananeus tenham imaginado um contexto criacional para o combate com Leviatã; não se pode provar, mas essa hipótese explica tanto a associação do conflito à criação no AT quanto o fato de a derrota do dragão ser antecipada no encerramento do épico de Baal (KTU 1.6.IV.51–53 = CTA 6.VA.50–52), num ponto que provavelmente corresponde à época imediatamente anterior ao Ano-Novo.
É verossímil que o motivo do conflito de Yahweh com o dragão e o mar compusesse parte da celebração da realeza divina na festa outonal do culto de Jerusalém (ver Festa das Tendas). Assim como a entronização de Marduque se relacionava à sua vitória sobre Tiamat na Babilônia, e a realeza de Baal se vinculava ao triunfo sobre Yam em Ugarit, pode-se supor que a realeza de Yahweh fosse celebrada por sua vitória sobre o mar. Em Salmo 29 e Salmo 93, isso é explícito, e reaparece no Salmo 74 (exílico). Na Babilônia, o quadro simbólico se colava ao Akitu (Ano-Novo primaveril); em Israel, tudo indica um ambiente de virada do ano, na Festa das Tendas (presumivelmente também entre cananeus). A associação é coerente: criação e Ano-Novo caminham juntos. É significativo que Salmo 65, que mobiliza o tema do caos em conflito, traga contexto de criação (vv. 7–8 —Pt 6–7) e simultaneamente funcione como hino de colheita (vv. 10–14, Pt, vv. 9-13); e a Festa das Tendas é, precisamente, festa de colheita. Há indícios fortes de que a realeza de Yahweh — associada ao combate às águas caóticas — fosse tema importante na Festa das Tendas (cf. Zc 14:16-17; a tradição judaica posterior que vincula realeza de Yahweh e Ano-Novo; o título LXX que relaciona Sl 29 às Tendas etc.).
O livro de Jó acumula alusões ao tema (3:8; 7:12; 9:8, 13; 26:12–13; 38:8–11; 40:15–41:26 —Pt, v. 34), com referências a Raabe (e seus auxiliadores), Leviatã, Beemote, à serpente sinuosa, ao dragão e ao mar. Em parte dos textos, o contexto criacional é claro (Jó 9:8, 13; 26:12–13; 38:8–11); na ausência de cenário alternativo plausível, presume-se criação nos demais. Em Jó 3:8, ao lamentar o dia do nascimento, o poeta invoca os que “são peritos em despertar Leviatã”, o que aponta para uma inversão do ato criador. Duas razões ajudam a entender a frequência do motivo em Jó: por um lado, a teologia sapiencial é, por excelência, uma teologia da criação; por outro, o embate de Deus com o dragão espelha, em chave simbólica, o conflito de Jó com Deus (Jó 7:12; 9:13–14; 40:15–41:26, Pt, v. 34; ver abaixo o segundo discurso divino).
Há, em paralelo, passagens que não falam de combate, mas do domínio soberano de Yahweh sobre as águas no ato criador — sobretudo Gênesis 1:2, 6–10, e também Salmo 33:7–8; Provérbios 8:24, 27–29; Jeremias 5:22; 31:35. Tal quadro pode ser lido como uma desmitologização do mito do conflito. É comum supor que Gênesis 1 dependa do ou polemize com o Enuma Elish, já que tĕhôm (“abismo”, Gn 1:2) é cognato de Tiamat, o monstro vencido por Marduque. Ainda assim, cognato não implica derivação, e não há motivo decisivo para postular que tĕhôm provenha de Tiamat. Embora se reconheçam convergências na ordem dos atos de Gênesis 1 e do épico babilônico, elas não obrigam a uma dependência direta. O mais plausível é que um mesmo mito de conflito esteja por trás tanto de Gn 1 quanto dos poemas examinados — o que situaria a matriz como cananeia, não babilônica. Mais de perto, é verossímil que Salmos 104 funcione como fonte de Gênesis 1: a sequência do capítulo corresponde com notável proximidade à ordem do Salmos 104; além disso, o salmo emprega tĕhôm no quadro da luta de Yahweh com o mar (v. 6), junto com outros paralelos. Note-se, por fim, que Salmos 29:3, 10 e Naum 1:4 apresentam a vitória de Yahweh sobre o mar como traço de sua senhoria atual sobre a natureza.
C. “Naturalização” alegada
No segundo discurso divino (Jó 40–41), Yahweh interroga Jó quanto à sua capacidade de capturar Beemote e Leviatã. A leitura tradicional desde S. Bochart (Hierozoicon, 1663) identifica Beemote e Leviatã com hipopótamo e crocodilo, respectivamente. É preferível, porém, entender que se trate de monstros do caos. As descrições não batem com animais conhecidos — e muito menos com hipopótamo e crocodilo — e o núcleo argumentativo de Jó 40–41 exige que somente Deus possa subjugá-los; caso contrário, Jó poderia alegar capturá-los por conta própria, o que anularia a força do discurso. Ora, hipopótamos e crocodilos eram efetivamente capturados no Antigo Oriente. Ademais, Leviatã é dito exalar fogo e fumaça (Jó 40:10–13, Pt, vv. 18-21), traço de besta mítica; e Leviatã é, noutros contextos, serpente/dragão marinho, tanto nos textos ugaríticos quanto no AT — inclusive em Jó 3:8. O discurso pressupõe que Yahweh subjugou Leviatã e Beemote na criação; quando Deus pergunta a Jó (Jó 40:29 —Eng 41:5), “Brincarás com ele como com um pássaro...?”, reconhece-se o reflexo de Sl 104:26: “Ali seguem os navios, e Leviatã que formaste para com ele brincar” (ou, conforme outra leitura, “...que formaste para brincar nele [o mar]”). Em Salmos 104:26, Leviatã é muitas vezes entendido como um grande cetáceo; nada impede, contudo, que ali também se trate de um monstro mítico.
Pelo mesmo raciocínio, Beemote não é hipopótamo: sua cauda “eleva-se” (Jó 40:17), não é curta e encaracolada; e o texto enfatiza que Beemote não pode ser capturado por homens (Jó 40:24). O quadro sugere outro monstro do caos, de feição bovina (o nome significa literal e enfaticamente “grande boi”) e apto a viver na água (Jó 40:23). No mito de Baal, duas passagens (KTU 1.3.III.43–44; 1.6.VI.51 = CTA 3.IIId.40–41; 6.VI.50) mencionam uma criatura Arš ou ˓gl ˒il ˓tk (“bezerro de El, ˓tk”) com perfil semelhante, e em ambas aparece junto de Leviatã — indício de um protótipo de Beemote. O ponto do discurso é transparente: se Jó não vence os monstros do caos que Yahweh vencera, menos ainda poderá prevalecer contra Yahweh em debate; daí a humilhação final de Jó diante de Deus.
D. Historicização
A imagem do dragão no AT também é metaforicamente empregada para designar poderes terrenos hostis a Yahweh. Em particular, aplica-se ao Egito (Raabe, Is 30:7; e, com boa probabilidade, Is 51:9, cf. v. 10; Sl 87:4) e ao Faraó (Ez 29:3–5; Ez 32:2–8), caso em que se lê tannîn “dragão” em lugar do MT tannîm “chacais”. Em Is 30:7, a leitura preferível é rahab hammošbāt (“Raabe silenciada”) em vez do MT rāhab ḥmšābet, sem sentido. Dado que o Egito oprimiu os hebreus antes do Êxodo, cujo centro foi a travessia do Mar de Juncos, compreende-se que o Egito acabe marcado com um nome de monstro marinho. Em Isaías 51:9 (cf. v. 10), a imagem se cola ao Êxodo; Salmos 77:17–21 (Pt., vv. 16-20) igualmente mobiliza Chaoskampf para falar do Êxodo, ainda que sem nomear o dragão. No chamado Cântico de Moisés (Êx 15:1-18), a imagética reaparece transfigurada: como observou F. M. Cross, a batalha não é contra o mar, mas no mar. Quanto à data, embora não faltem defensores de uma antiguidade extrema, o terminus a quo mais prudente é o século X a.C., pois Êxodo 15:17 parece pressupor o templo salomônico (cf. 1Rs 8:13), e o texto estabelece paralelo com a morada de Baal no Monte Zafom.
A imagética das águas do caos também qualifica os assírios (Is 17:12–14; cf. Is 8:5–8) e, em associação com o dragão, os babilônios (Hc 3; Jr 51:34, 44). A hipótese de que a engolição de Jonas pelo grande peixe constitua uma alegoria do exílio babilônico dependente de Jr 51:34, 44 deve ser rejeitada. É possível, porém, que o imaginário do monstro esteja na base de Jonas 2; e a associação do marinho monstruoso a Jope — porto de que Jonas parte antes de ser engolido — encontra eco na tradição que localiza ali a libertação de Andrômeda por Perseu do monstro do mar, tradição atestada já em Pseudo-Skílax (século IV a.C.), época provável do livro de Jonas.
Em Salmos 44:20 (Pt., v. 19), é provável que tannîm (“chacais”) do MT deva ser emendado para tannîn (“dragão”), ainda que não se identifique com clareza a potência visada. Em Sl 68:23 (Pt., v. 22), alguns procuram alusão ao dragão no termo Bashã (bāšān, cf. ugarítico bṯn “serpente”); mas Bashã funciona, a poucos versículos, como topônimo (Sl 68:16, Pt., v. 15), e é provável que aqui tenha o mesmo valor. Tampouco Salmos 68:30 (Pt., v. 29) requer um monstro do caos ao falar da “besta dos canaviais, o rebanho de touros com os bezerros dos povos”: o uso zoomórfico para chefes e guerreiros é comum (cf. 1Sm 21:8; Jó 24:22; Jó 34:20; Lm 1:15).
Em outras ocasiões, as águas de caos denotam a massa das nações hostis (Sl 46). É plausível que o motivo de povos que afluem contra Sião e são milagrosamente rechaçados por Yahweh desenvolva o combate divino contra o dragão e o mar (cf. Sl 46; 48; 76; Isaías; e, já escatologizado, nos proto-apocalípticos Joel 4, Pt., v. 3; Zacarias 12 e 14). Durante muito tempo se propôs que Sl 46; 48; 76 aludissem ao malogro de Senaqueribe em 701 a.C. (cf. 2Rs 18–19); hoje, em geral, se reconhece que a descrição não se ajusta satisfatoriamente a esse — ou a qualquer outro — evento conhecido. A tese de G. Wanke (1966), segundo a qual a inviolabilidade de Sião seria pós-exílica, enfrenta contrapontos: vários indicativos favorecem uma fase anterior a 586 a.C., quando a crença seria mais natural que depois da queda. Da mesma forma, não se mostram persuasivas as leituras de Clemente e J. J. M. Roberts (1976), que veem nesses salmos advertências a reinos vassalos do império davídico para não se revoltarem. A menção das águas em Sl 46:4 (—Pt., v. 3) reforça a impressão de que a luta de Yahweh com as águas do caos subjaz ao Völkerkampf; e Sl 48:3 (Pt., v. 2) chama Sião de ṣāpôn, reminiscência do Zafom, morada de Baal. Fica claro que tradições míticas foram absorvidas; não é impossível que tenham chegado a Israel por meio dos jebuseus, antigos cananeus de Jerusalém (cf. Sl 110:4, com a figura do sacerdote-rei Melquisedeque no contexto do Völkerkampf).
E. Escatologização
Na linha do princípio Urzeit wird Endzeit — “tempo primordial torna-se tempo final” —, o combate com o caos é associado tanto à criação quanto ao escaton. A chamada “Apocalipse de Isaías” declara: “Naquele dia, o Senhor, com espada dura, grande e forte, punirá Leviatã, a serpente veloz; Leviatã, a serpente tortuosa; e matará o dragão que está no mar” (Is 27:1). A caracterização de Leviatã aqui converge com o mito ugarítico de Baal quase um milênio antes (cf. KTU 1.5.I.1–2 = CTA 5.I.1–2: “Porque feriste Leviatã, a serpente sinuosa, e deste fim à serpente tortuosa...”). O material ugarítico deixa claro que Is 27:1 trata de um único dragão, ponto antes controvertido. Não há consenso quanto à identificação política de Leviatã nesse versículo; parte da dificuldade repousa na datação da “Apocalipse de Isaías” e, ainda que ela fosse estabelecida, persistiria a questão: Leviatã nomeia a potência hegemônica do período? Se não, Egito pode estar visado.
Uma recepção particularmente instrutiva do mito do combate aparece em Daniel 7, o capítulo do “um como filho de homem”. Apesar de nem tudo no capítulo derivar da mitologia cananeia, como J. A. Emerton (1958) mostrou, somente esse quadro explica a conjunção de três elementos: (1) em Dn 7:9, Deus é chamado “Ancião de Dias” e tem cabelos brancos, reminiscência do El cananeu, de epíteto “Pai de Anos” (˒ab šnm) e barba grisalha; (2) o “um como filho de homem”, que vem nas nuvens e recebe reinado do Ancião de Dias (Dn 7:13-14), remete ao Baal que é “Cavaleiro das Nuvens” (rkb ˒rpt), cuja realeza depende, ao fim, da autoridade de El; e (3) o domínio desse “um como filho de homem” sucede ao dos animais do mar, de modo análogo à realeza de Baal após a vitória sobre Yam, o deus-mar. O traço singular, em Dn 7, é que se mantém a distinção entre o Deus supremo e aquele que é elevado sobre o mar, como no mito cananeu. Quanto ao caminho dessa imagética até um livro tardio e apocalíptico como Daniel, é plausível, como conjectura Emerton, que ela tenha sido transmitida por círculos sincréticos do culto jerusalemita pré-exílico na festa outonal, onde Yahweh-Baal figurava subordinado a El; o autor de Daniel provavelmente acedeu a fontes israelitas anteriores.
No estado atual do texto, o “um como filho de homem” pode designar o anjo Miguel (cf. Dn 12:1). Compare-se Apocalipse 12, onde Miguel derruba o dragão de sete cabeças (= Satanás). Chama atenção que Miguel, e não Cristo, seja o vencedor do dragão — o que pode espelhar uma tradição judaica que igualava o “um como filho de homem” a Miguel. Em sequência, Apocalipse 13 (cf. 17:3) apresenta uma criatura derivada de Leviatã, a besta de sete cabeças, símbolo de Roma (Ap 13:1-10), e outra besta, o falso profeta, que parece derivar de Beemote (Ap 13:11–18).
F. Apolo e Píton: O mito grego
Hino Homérico 3 a Apolo (sécs. VII–IV a.C.) apresenta a versão mais influente do mito de Apologo e o dragão Píton. Hera entrega Tifaão/Tifão à drákaina (Píton), até que Apolo a fulmina:A rainha de grandes olhos, Hera, tomou [Tifáon] e, juntando um mal a outro, entregou-o à Drakaina [Píton]; e ela o recebeu... até que o senhor Apolo, que mata de longe, lhe disparou uma seta. Então ela, rasgada por dores amargas, jazia, arfando, rolando... e assim largou a vida, exalando-a em sangue. Então Febo Apolo escarneceu dela: ‘Apodrece aqui sobre o solo que alimenta os homens... nem Tifão te valerá, nem a infame Quimera; aqui, a Terra e o fulgente Hipérion te farão apodrecer’... por isso o lugar agora se chama Píton, e Apolo é chamado Pítio. (H.H. 3, 356ss; trad. a partir de Evelyn-White)No mesmo hino, a cena é retomada com ênfase no Parnaso e no caráter praguento de Píton:
Perto dali havia uma fonte de doce fluxo, e ali com seu arco o filho de Zeus matou a grande Drákaina inchada, fera habituada a causar grande mal aos homens e às suas ovelhas de canelas finas... foi ela quem um dia recebeu de Hera, sentada no ouro, e criou o cruel Tifaão para ser flagelo dos homens. (H.H. 3, 300ss)Apolodoro sistematiza:
Apolo dirigiu-se a Delfos, onde então Têmis dava os oráculos. Quando a serpente Píton, guardiã do oráculo, tentou impedi-lo, ele a matou e assumiu o santuário. (Biblioteca 1.22)O motivo circula na poesia e na música: Simonides dizia que Apolo “matou a serpente Píton com cem flechas”, explicando etimologicamente o epíteto hekáteros (“cem dardos”). Melanípides lembrava que Olimpo compôs um “modo lídio” em lamento por Píton.
Autores latinos ampliam a recepção. Ovídio narra que, após o dilúvio, a Terra gerou a “serpente imensa” Píton, quando “o deus arqueiro” Apolo a trespassou “com mil flechas”, instituindo os Jogos Pítios para perenizar o feito (Met. 1.434–59). Estácio pinta a monstruosidade “de sete voltas”, a boca “de três línguas” e a morte sobre “cem jugueiras” de solo cirreu (Theb. 1.561ss; 5.531ss; 6.8ss; 7.350ss).
A tradição antiquária liga etimologia, topografia e rito. Pausânias explica Pýtho pelo verbo pýthesthai, “apodrecer”:
Dizem que a vítima das flechas de Apolo apodreceu aqui, e por isso a cidade recebeu o nome Píton... Os poetas dizem que a vítima de Apolo era um dragão posto por Gaia como guarda do oráculo. (Descrição 10.6.5)Ele acrescenta a purificação do deus após o homicídio: “Quando Apolo e Ártemis mataram Píton, vieram a Egealéia para purificar-se.” (2.7.7; cf. 2.30.3)
No mesmo espírito, Higino reúne mitos de Latona/Leto perseguida por Píton, a fuga para Ortigia/Délos sob proteção de Bóreas e Poseidon, o nascimento de Apolo/Ártemis, e a vingança do filho em quatro dias:
Píton, filho da Terra, era um enorme dragão, que antes de Apolo dava respostas oraculares no Parnaso... O vento Aquilão a levou, Poseidon ocultou a ilha sob as ondas... Quatro dias depois do nascimento, Apolo matou Píton a flechadas... colocou seus ossos num caldeirão no templo e instituiu jogos fúnebres chamados Pítios. (Fábulas 140; cf. Prólogo; 53)Estrabão descreve o Nomo Pítio, peça musical que dramatizava o confronto, com movimentos que iam do prelúdio (anakrousis) ao primeiro embate (ampeira), o comando do combate (katakeleusmos), o triunfo (íambo e dátilo) e, por fim, a expiração do dragão (syringes) — “pois com as syringes os tocadores imitavam o Dragão expirando em assobios” (minha tradução do ingl.). — Cf. ESTRABÃO, Geography of Strabo, 9.3, trad. Jones, 2001, p. 363.
1. Rito, música e memória cultual
Estrabão fornece assim a pauta “dramática” do mito no coração dos Jogos Pítios, sugerindo uma recepção antiga em que o confronto Apolo–Píton era performado e memorizado publicamente. O mesmo geógrafo preserva ainda a racionalização de Éforo: Apolo teria civilizado a Fócida, eliminado tiranos violentos (Títio, “Python”), e os parnasianos teriam bradado ie Paian para encorajá-lo — origem do peã militar; os delfos “queimaram a tenda de Python”, rito lembrado anualmente.Pausânias confirma a etimologia cultual do lugar: “o atingido pelas flechas de Apolo apodreceu aqui; por isso a cidade se chamou Píto (pythesthai = ‘apodrecer’)”. O mesmo passo recorda a tradição segundo a qual a vítima era um drákōn posto por Geia para guardar o oráculo, e cita um oráculo de Femonoé sobre a flecha punitiva do deus e a subsequente purificação cretense de sua culpa.
Depois do homicídio sagrado, o deus busca purificação: “Quando Apolo e Ártemis mataram Píton, vieram a Egialeia [Siciônia] para se purificar”, acrescenta Pausânias; outra tradição diz que Kármanor (Carmanor), em Creta, realizou o rito.
2. Versões e ecos literários (Grécia e Roma)
O Hino Homérico a Apolo faz da morte do monstro uma etiologia dupla — do topônimo Píto e do epíteto Pítio — no quadro de um cadáver “que o Sol [Hélio] fez apodrecer ali” e de uma deidade que triunfa sobre a drakaina (minha tradução do ingl.). — Cf. MYTHOPEDIA, acessado em 22, set. 2025.Higino condensa a narrativa para leitores latinos: Píton, “nascido da Terra”, perseguia Leto para impedir o parto; Bóreas e Posêidon salvam-na levando-a a Ortígia/Delos; quatro dias após o nascimento, Apolo vinga a mãe e mata o monstro; deposita seus ossos no templo e institui os Jogos Pítios.
Ovídio reveste a cena de imagética pós-diluviana: a Terra, ainda úmida, “produziu contra a vontade uma Serpente... o imenso Píton; o deus Arqueiro o destruiu com mil flechas... e, para eternizar o feito, fundou os Jogos Pítios” (minha tradução do ingl.).
Outras alusões antigas compõem o mosaico: Apolodoro narra que Apolo tomou o oráculo de Têmis após matar o guardião Píton; Calímaco e Apolônio lembram o monstro ainda ativo antes do nascimento e a façanha juvenil do deus; Melanípides fala do lamento “lídio” por Píton; Simônides (provavelmente) cunha a etimologia de “cem dardos”; e Estácio multiplica hipérboles sobre as “cem feridas” do serpente.
Por fim, a tradição cultual se cristaliza: Hephaestio (via Fócio) menciona os jogos fúnebres em honra de Píton; e o léxico Suda define Delfos por referência direta ao dragão Delphyne/Píton que Apolo matou.
3. O padrão “combate mítico” no Apocalipse
A estrutura do combate divino (deus/herói × monstro dracônico/águas) é reconhecidamente um arquétipo no Apocalipse. Adela Yarbro Collins formula o ponto de partida: “Os motivos básicos e o padrão do mito de combate desempenham um papel dominante em Apocalipse” (minha tradução do ingl.). (COLLINS, The myth combat in the book of Revelation, 1976, p. 2)Esse padrão já fora absorvido e ressemantizado no AT (Leviatã, Rahab, tĕhôm), como mostrou John Day, a partir da mitologia cananeia: os salmos e Jó reelaboram o conflito primevo entre o Deus criador e o monstro aquático/serpentino. (DAY, God’s conflict with the dragon and the sea, 1985)
4. Paralelos específicos com o “ciclo Leto–Apolo–Píton”
Muitos intérpretes notam convergências fortes entre Ap 12 e as variantes helenísticas do mito Leto–Apolo–Píton: mulher grávida perseguida por um dragão, nascimento do menino destinado a reinar, fracasso do monstro em devorar a criança, proteção divina da mãe no ermo. Estudos sobre o “mito do dragão e a ideologia imperial” registram que os mitos pítios circulavam amplamente no sécs. I–II d.C. nas regiões do Apocalipse (Ásia Menor, cidades joaninas), o que aumenta a plausibilidade de contato. (DEISSMANN, Licht vom Osten. Das Neue Testament und die neuentdeckten Texte der hellenistisch-römischen Welt, 1923, pp. 287–324; CUSS, Imperial Cult and Honorary Terms in the New Testament, 1974, pp. 50–88. FEARS, “Herrscherkult” vol. 14, pp. 1047–93, vê relação entre o culto imperial e passagens cristológicas, como Rom 13; 1 Cor 8:4–6; 1 Tim 2:1–6; Tit 3:1–8 and 1 Pet 2:11–17. Compare com ZELLER, Menschwerdung Gottes — Vergöttlichung von Menschen, 1988.)
Entre as fontes antigas que melhor aproximam o enredo de Ap 12 está Higino: o dragão oracular ameaça o parto da deusa; a parturiente é removida para um lugar seguro por intervenção divina; nasce o filho divino, que logo aniquila o dragão — uma sequência cuja lógica narrativa (ameaça ao nascituro → fuga/proteção → nascimento → vitória) ecoa a cena joanina, ainda que João transfira a vitória bélica para Miguel e relocalize a criança “para Deus e seu trono” (Ap 12:5, 7-9).
Yarbro Collins conclui que o complexo Leto–Apolo–Píton foi mobilizado por João, a par do combate mítico bíblico; seu argumento tem sido retomado em pesquisas posteriores.
5. Objeções e contrapesos
Nem todos aceitam uma dependência direta. Van Henten e outros observam divergências (p.ex., em Ap 12 a perseguição continua após o parto; não há “Jogos Pítios” no texto; a vitória anjo-crística substitui o jovem-deus). Tais diferenças indicam adaptação teológica, não identidade de histórias. (TIPVARAKANKOON, The Theme of Deception in the Book of Revelation, p. 113.)
6. Verossimilhança histórica: por que João faria isso?
(i) Ambiente cultural. As sete igrejas situam-se em eixo impregnado de culto apolíneo (Claros, Dídima, etc.) e de propaganda imperial; o mito pítio era conhecido ali (jogos, música, etimologias cultuais), como atestam nossas fontes.(ii) Prática antiga de adaptação. O mundo greco-romano operava por sincretismo e interpretatio (graeca/romana), traduzindo deuses, ritos e narrativas entre culturas — mecanismo sobejamente estudado na história das religiões (ANDO, Interpretation Romana, pp. 41-45, 2005). O próprio judaísmo bíblico havia reapropriado o combate cananeu. Assim, não surpreende que um autor judeu-cristão na Ásia Menor recodifique um mito local, subvertendo-o cristologicamente. (ibidem)
7. Probabilidade e modo de uso em João
Ponderando paralelos fortes (mulher/dragão/menino; perseguição e proteção; derrota dracônica) e diferenças programáticas (Miguel combate; o Menino é entronizado; foco eclesial da perseguição), o cenário mais provável é o de alusão cultural: João não “importa” o mito tal-qual, mas o convoca como moldura reconhecível para comunicar que o Cristo-Filho (não Apolo) é o verdadeiro vencedor do dragão; e que a comunidade (a Mulher) é guardada por Deus enquanto a guerra continua na história. Em termos metodológicos, isso se coaduna com o padrão antigo de “tradução intercultural” de mitos e com a teologia do combate bíblica.Bibliografia
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Fontes Primárias
A sigla KTU onde citei sobre o contexto histórico literário se refere aos Keilalphabetische Texte aus Ugarit (Textos Alfabéticos Cuneiformes de Ugarit). Esta é uma das edições mais recentes e padronizadas de textos ugaríticos, que são os manuscritos antigos encontrados em Ras Shamra, na Síria. É a referência preferida para muitos estudiosos hoje.
Já a sigla CTA se refere ao Corpus des tablettes en cunéiformes alphabétiques (Corpus de Tablets em Cuneiforme Alfabético). Esta é uma edição mais antiga e clássica dos mesmos textos ugaríticos, organizada por A. Herdner. Embora mais antiga, sua numeração ainda é amplamente utilizada em trabalhos acadêmicos.
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GALVÃO, Eduardo. Dragão. In: Enciclopédia da Bíblia Online. [S. l.], set. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].