Salmo 139 — Análise Bíblica

Salmo 139: Meu Deus maravilhoso

Algumas pessoas são ateístas e negam a existência de Deus. A Bíblia considera tais indivíduos insensatos (14:1). Outros perguntam: “Como sabe Deus? Acaso, há conhecimento no Altíssimo?” (73:11). Imaginam que podem agir como bem entenderem, pois Deus está alheio aos acontecimentos. O Senhor, porém, conhece os segredos do coração (44:21). Este salmo expressa claramente a profundidade de seu conhecimento.

139:1-6 O conhecimento pleno de Deus
O Ser supremo da religião tradicional africana é considerado grande e poderoso, porém distante do mundo que criou. Retirou-se dele e não tem mais nenhum contato com os seres humanos. De acordo com uma tradição do povo akan (de Gana), ele deixou o mundo porque uma mulher que amassava inhame acertava repetidamente sua face com um pilão. O povo ibo da Nigéria tem uma tradição diferente. Diz que as mulheres costumavam tirar pequenos pedaços do céu para adoçar as sopas que preparavam. Quando Deus percebeu que, mais cedo ou mais tarde, elas acabariam com o céu, moveu-o para um lugar mais alto, fora do alcance dos humanos. A Bíblia, pelo contrário, mostra um Deus Criador que se compadece de seu povo e não se afasta dele, mesmo quando este lhe causa dor. Tem um envolvimento íntimo e conhece todos os detalhes de sua vida. O escritor desse salmo pode, portanto, expressa-se em termos bastante pessoais: Tu me sondas e me conheces (139:1). Os pronomes da primeira pessoa do singular aparecem com frequência ao longo de todo o salmo. Deus nos conhece de modo tão íntimo que sabe de todas as nossas ações (quando me assento e quando me levanto) e pensamentos (139:2). Sabe onde estivemos e onde dormimos (139:3). Mais que isso, sabe o que vamos dizer antes de abrirmos a boca (139:4). A ideia de que alguém possui um conhecimento tão detalhado a nosso respeito pode fazer-nos sentir presos ou cercados (139:5). Não gostamos quando alguém deseja saber todos os detalhes da nossa vida e pede que prestemos conta de cada minuto do nosso dia. Mas Deus já está a par de tudo isso. Não surpreende, portanto, a exclamação do salmista: Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim (139:6)!

139:7-12 A presença ilimitada de Deus
O conhecimento de Deus é tão abrangente e ilimitado que o salmista se sente ameaçado, como um homem que fez um inimigo político poderoso ou cometeu um crime e sabe que a polícia quer prendê-lo. Agitado, ele pergunta: Para onde fugirei [...]? (139:7). Aquele de quem deseja fugir, porém, é não apenas onisciente e, portanto, sabe para onde ele irá, mas também onipresente, ou seja, estará onde quer que ele vá. Na verdade, a onipresença é uma decorrência lógica da onisciência de Deus. É necessário que ele esteja em toda parte a fim de saber todas as coisas. Como Adão, Eva e Caim em Gênesis 3 e Gênesis 4, o salmista reconhece que não pode escapar de Deus. Pensa em fugir para os esconderijos mais impossíveis: poderia subir aos céus; descer ao mais profundo abismo; ir para o leste em direção à aurora; ou para o oeste, atravessando o grande mar com o qual Israel fazia fronteira; sabe, contudo, que nem assim escaparia da presença de Deus (139:8-10). Não adianta tentar esgueirar-se pelas trevas ou ocultar-se na mais escura das cavernas, pois para Deus não há escuridão (139:11-12). Distância e trevas não fazem diferença para o Senhor. Sua visão e conhecimento são muito mais poderosos que qualquer tecnologia moderna usada para rastrear pessoas. Tendo em vista a extensão do conhecimento divino, é espantoso haver quem ainda tente ocultar-se do Senhor hoje; e não são apenas os incrédulos. Alguns cristãos tentam esconder-se de Deus ao decidir por conta própria como e onde o servirão. Jonas tentou fazer isso, mas Deus sabia de tudo e estava com ele até mesmo dentro do ventre do grande peixe (Jn 1:3; 2:1-2). Quando nos enchemos de temor e nos sentimos tentados a fugir de Deus, precisamos parar e lembrar que ele não é um tirano que usa seu conhecimento para nos fazer mal. Antes, ele nos acompanha a fim de nos guiar e proteger. É como uma mãe atenta, pronta para segurar o filho se ele correr para a rua sem nenhum cuidado.

139:13-18 O amor criador de Deus
O conhecimento de Deus a nosso respeito é tão completo que começa antes de nosso nascimento. Deus cuidou de cada um de nós enquanto crescíamos no ventre de nossa mãe (139:13,15). Ele nos formou e protegeu ali enquanto esperávamos pelo dia de entrar neste mundo. Todo ser humano é formado de modo assombrosamente maravilhoso (139:14). Aqui, o termo “assombroso” não se refere a terror, mas a admiração diante da complexidade de nosso corpo. Hoje em dia, os cientistas criam bebês de proveta e clonam embriões na tentativa de reproduzir aquilo que Deus faz. Apesar de toda a sua habilidade, porém, não são capazes de criar vida. Esse poder pertence exclusivamente ao Senhor. Deus criou não apenas o nosso corpo, mas toda a nossa vida. Conhecia todos os meus dias [...] quando nem um deles havia ainda (139:16). Nada o pega de surpresa. Certo de que Deus o ama ainda mais do que sua mãe, que lhe deu à luz, o salmista deixa de temer a onisciência divina e se admira do cuidado do Senhor por ele: Que preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! (139:17). Tentar contar tudo o que Deus fez por nós e sabe a nosso respeito é tão impossível quanto contar os grãos de areia (139:18a). Ao contar, o salmista jamais chegaria ao fim (RA), o que a NVI traduz por “Se terminasse de contá-los, eu ainda estaria contigo”, e a RC apresenta como “quando acordo, ainda estou contigo” (139:186). O significado exato dessas traduções não é claro. Parecem referir-se a algo mais que apenas acordar de um sono normal. Assim, esse versículo é por vezes tomado como prova de que mesmo os crentes do AT tinham alguma esperança de vida após a morte. O salmista está seguro de que, após esta vida, ele ainda estará com Deus (cf. tb. Jó 19:25-26).

139:19-24 O julgamento de Deus
Até aqui, o salmista se regozija com a maravilha do que Deus fez. Agora, percebe repentinamente que o fato de Deus conhecer todas as coisas e pessoas significa que ele também sabe tudo acerca dos perversos. Conhece pelo nome aqueles que perseguem a igreja, matam os cristãos e queimam os templos e está a par de seus planos. O salmista não consegue se conter: Tomara, ó Deus, desses cabo do perverso. Suas palavras expressam a frustração de ver que os perversos continuam a agir. O salmista deseja manter-se afastado dos homens de sangue (139:19; Rm 1:29-31; 3:15- 18), indivíduos que não dão nenhum valor à grandeza de Deus; antes, falam mal do Senhor (139:20). O salmista se mostra fiel aos votos feitos nos salmo 101. Os inimigos de Deus são seus inimigos (139:21-226). Talvez nos espantemos com a franqueza do salmista em sua declaração: Aborreço-os com ódio consumado (139:22a). Será que é certo odiar as pessoas? Ao responder a essa pergunta, precisamos lembrar duas coisas. Primeiro, a raiz do ódio do salmista não é egoísta. Ele não está irado porque essas pessoas o prejudicam, mas porque prejudicam os outros e afrontam o nome e a glória de Deus. Em outro salmo, o salmista orou para que os “reis da terra” rendessem graças ao Senhor (138:4). Ele anseia pelo dia em que todos se curvarão diante de Deus em louvor e adoração (Fp 2:10). Segundo, precisamos lembrar que esse salmo foi escrito no tempo do AT, e o salmista ainda não entendia que o Senhor ama até mesmo seus inimigos. Esse amor só foi revelado plenamente em Jesus Cristo. Jesus nos ensinou que, em vez de odiar nossos inimigos, devemos amá-los, orar por eles e oferecer-lhes alimento (Lc 6:27-28). O salmista não se imagina inocente enquanto condena outros. Quando Isaías viu a glória de Deus, reconheceu claramente sua própria pecaminosidade: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6:5). Semelhantemente, o salmista viu a glória de Deus e se deu conta de que Deus sabe tudo a seu respeito. Também reconhece a possibilidade de ofender a Deus de forma não intencional (139:24a). Enquanto anteriormente pensou em fugir do escrutínio divino, agora se volta para o Senhor e pede: Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me (139:23). A honestidade do salmista deve servir de exemplo para nós. Muitas vezes, relutamos em permitir que Deus sonde nosso coração, mas não hesitamos em julgar o coração dos outros. Anteriormente nesse salmo, o salmista disse que Deus conhece suas idas e vindas (139:2-3) e o guia, independentemente de seu próprio desejo (139:10). A princípio, a ideia o assusta. Ao compreender que Deus é seu Pai amoroso, porém, o salmista recebe de bom grado a orientação divina e se abre para ela: Guia-me pelo caminho eterno (139:246). Como o salmista, devemos pedir que Deus nos conduza em seus caminhos de glória.

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