A Pedagogia do Mal: O Sofrimento Como Lição

A Pedagogia do Mal: O Sofrimento Como Lição

Há uma sombra que acompanha o ser como quem carrega sua própria penumbra: inquietação, dor, luto — não como acentos ocasionais, mas como a zona onde a luz se revela por contraste. Não há coração que não tenha sentido o alfinete do sofrer, nem mente que não tenha sido arremessada às águas negras do infortúnio, nem olhos que não tenham conhecido o sal incandescente de um pranto que tira o mundo de foco. Casa alguma foi poupada dos dois legistas do tempo — doença e morte — que entram e, com um toque, separam mãos, remexem retratos, silenciam risos (Hebreus 9:27; 1 Coríntios 15:26). E, no entanto, o mal não é uma arquitetura eterna: é a rede em que nos debatemos porque nos oferecemos ao nó; é trama que nos enreda enquanto lhe damos fio.

Então a criatura, em sobressalto, procura atalhos para um sol portátil. Uns buscam o torpor que promete esquecimento — copos e corpos, uma rima que anestesia; outros constroem jardins de porcelana e música baixa, para que a dor do mundo não atravesse as cortinas; há os que convertem tudo — horas, afetos, consciências — em degraus para a torre do nome próprio; e há ainda quem tente subornar o invisível com ritos impecáveis, supondo que a liturgia, sozinha, redima o coração que não se ofereceu (Provérbios 23:20–21; Mateus 6:19–21; 1 Timóteo 6:9–10; Isaías 1:11–17; Amós 5:21–24; Mateus 15:8–9). Por instantes, uma paz perfumada engana a alma; a consciência adormece, como criança que crê ter escondido o sol atrás da mão. Mas vem a febre, ou a grande tristeza, ou a tentação que conhece a porta lateral, ou o acidente que não lê agendas — e a felicidade imaginária desfaz-se como renda molhada (Jó 14:1; Mateus 7:24–27).

Imagem de Jó ajoelhado no deserto, orando a Deus por ajuda.

Sobre cada júbilo particular, um fio segura a lâmina: a espada damocliana pende sobre a mesa posta, lembrando que o prazer sem sabedoria é cadeira colocada debaixo do candelabro do acaso (Provérbios 4:7). A criança deseja a pressa de ser grande; o adulto suspira pelo ouro que a infância tinha no pulso do tempo. O pobre sente a brida da penúria; o rico, não raro, teme a aridez do amanhã e persegue uma sombra que batiza de “felicidade” (Eclesiastes 5:10). Às vezes supomos ter encontrado um cais — uma religião que nos arruma o interior, uma filosofia que organiza conceitos, ou uma estátua ideal que talhamos no mármore dos anos. Então chega a prova: o sol alto que murcha o que não tem raiz (Tiago 1:11); a sofisticação que, à hora do peso, revela ser muleta de vidro; o ídolo estético que racha aos pés do próprio devoto (Jeremias 2:13; Mateus 13:21).

“Não haverá saída dessa órbita de dor?” — pergunta a alma. “É miragem a paz durável, é delírio a prosperidade sem sobressaltos?” Não. Há um caminho em que o mal desarma as mãos; um processo por que enfermidade, pobreza e circunstâncias adversas se põem de lado e não retornam; uma disciplina que instala a paz como morador e não como hóspede. O pórtico dessa vereda é simples e absoluto: compreender o que seja o mal.

Negar não basta; ignorar é louvor às trevas. Não é suficiente pedir ao Alto que arranque a erva: é preciso visitar o canteiro, sondar a raiz, aprender por que nasceu ali e que recado traz (Tiago 1:5). Não adianta chacoalhar as correntes: urge perguntar como foram forjadas — e onde, e por quem. É necessário sair de si para olhar-se, e então reentrar-se com olhos lavados; abandonar a birra do aluno e aceitar a escola do real, onde o exercício é a própria prova e a prova é a própria graça (Provérbios 3:11–12; Hebreus 12:5–11). Visto por dentro, o mal deixa de parecer princípio e se mostra pedagogo: não essência do universo, mas fase; não dogma, mas lição (Romanos 8:28).

Ele enraíza-se em ignorância — não saber o que as coisas são, nem como se encadeiam —, e enquanto respiramos essa noite permanecemos sujeitos à sombra. Não existe mal que não seja fruto de cegueira; e cada mal, se escutado, conduz a uma claridade maior e, tendo cumprido ofício, despede-se como sombra ao meio-dia. O que demora é a recusa em aprender. Lembro — e aqui a metáfora escolhe corpo — de uma criança que pedia, à noite, a brincadeira com a vela; um descuido, um toque; a pele recebeu o selo térmico da verdade. Nunca mais pediu a chama. A dor, professora sem metáforas, alfabetizou a obediência e escreveu, na epiderme, a gramática do fogo (Provérbios 22:15; Hebreus 12:11). Assim também nós, crescidos em tamanho e ainda pequenos em entendimento, desejamos coisas que ferem; conseguidas, causam-nos dor.

Desde o princípio, nomeamos o mal de noite e o bem de luz. O símbolo não é decoração: é chave. A luz é o mar que não cabe; a treva, um recorte que um corpo lança ao atravessar o feixe. O Bem é o clarão vasto; o mal, o eclipse do eu interposto. Quando a noite veste a Terra de manto espesso, cobre só metade do rosto do planeta; o resto do universo arde em lâmpadas que não se apagam (Tiago 1:17). E todos sabemos que a manhã é pontual (Salmos 30:5). Do mesmo modo, quando o escuro pousa no peito e os passos ficam ocos, quase sempre foi o desejo que ergueu, entre a face e o sol, um biombo do próprio eu. A sombra que nos cobre vem, primeiro e principalmente, de nós (João 1:5; 1 João 1:5–7; João 8:12; Salmos 27:1). E, como sombra, não possui domicílio: vem de lugar nenhum, vai para lugar nenhum, não tem herança.

“Por que passar pela noite?” Porque escolhemos, por ignorância, o caminho encoberto; e porque é cruzando o vale que o cume se ama como deve. O mal é a consequência do não-saber; quando a lição se cumpre, o não-saber se desfaz e a sabedoria ocupa o trono. Mas é possível, como aluno renitente, desertar da sala e permanecer em noite repetida, recolhendo punições que se revezam com nomes de doença, desapontamento, tristeza (Provérbios 26:11). Quem quiser rasgar o cerco do mal precisa querer aprender — e aceitar a disciplina que lavra o solo até que ele consinta em flor (Jó 28:28).

Um homem pode trancar-se no quarto e jurar que a luz não existe; lá fora, a manhã continua, indiferente ao juramento. Assim também com a Verdade: ou empilhamos móveis — preconceito, interesse, medo — diante da porta, ou derrubamos, tábua após tábua, as paredes que impedem a entrada do que sempre esteve à soleira (João 3:19–21; 2 Coríntios 4:6).

Eis, então, o trabalho fino do espírito: examinar-se sem cosmética, consentir que o espelho diga o que vê (2 Coríntios 13:5; Salmos 139:23–24). Realizar — não só repetir — que o mal é passagem, sombra doméstica; reconhecer que dores e reveses chegaram por lei que não falha — semeadura e ceifa — e que vieram porque, de alguma forma, eram requeridos e merecidos; suportá-los primeiro, entendê-los depois, até que se transfigurem em vigor, em lucidez, em nobreza (Gálatas 6:7–8). A partir daí, o mundo deixa de ser roleta e torna-se artífice: circunstâncias cedem ao gesto obediente; o golpe se transmuta em graça — como no dia em que a maldade de irmãos se converteu em pão para muitos (Gênesis 50:20; Romanos 8:28; Salmos 37:5; Provérbios 16:3, 9). O destino, que parecia pedra, revela-se tecido: urdume de Providência, trama de escolhas.

Quando a vigília já te ensinou o alfabeto do escuro, não assumes o posto: chamas, do pátio, quem vela no alto do muro — “Sentinela, que horas são da noite?” E a voz, lá de cima, não hesita: “Vem manhã — e, com ela, ainda resquícios de noite; a claridade avança, mas não sem convite do coração” (Isaías 21:11–12; Salmo 130:6; Romanos 13:12). A noite recolhe seus instrumentos; o que amava o escuro perde o emprego. A luz não debate: Ela é. E, sendo, dissipa; e, sendo, revela; e, sendo, incomoda (João 1:5). E então a alma compreende seu ofício: não apagar o sol — impossível —, mas mover-se do lugar do eclipse. Porque, na aritmética do eterno, as trevas não têm verbo próprio; são a pausa que a luz atravessa. E o amanhecer — sempre — chega. Vês? O eclipse não refuta o sol; apenas confirma a interposição. Quando escolhemos o ângulo errado, fazemos do corpo o próprio muro. Move-te do lugar do eclipse, e verás que o sol não faltava — faltavas tu ao sol.

Não direi que o mal ostenta pose: ele é rasgo. Não objeto, mas falta que fere. Como lâmpada queimada no vitral — o painel permanece, porém aquela janela sem luz denuncia onde o brilho não chega. Não se martela rasgo: costura-se. Onde o fio retorna à trama, o vazio recolhe-se. E o coração aprende, por paradoxos que doem, que ganho sem freio vira engano, que fama inflama, que brilho sem base é brasa nos dedos; quem compra aplauso perde a pausa. 

Então a sentinela conclui: “Se perguntas, já amanhece em ti.” E a manhã, sem trombeta e sem arauto, toma posse do horizonte interior. Porque o verbo do dia não precisa de eco: basta ser dito — e, sendo, dissipa.

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GALVÃO, Eduardo. A Pedagogia do Mal: O Sofrimento Como Lição. In: Biblioteca Bíblica. [S. l.], ago. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].

               

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