Animais (Simbolismo) — Enciclopédia da Bíblia Online
ANIMAIS (Simbolismo)
Os animais, na Bíblia, formam uma gramática simbólica que atravessa toda a Escritura e traduz em imagens a relação entre Deus, o mundo e o ser humano. Eles nunca aparecem apenas como pano de fundo da natureza: são sinais de bênção e juízo, modelos éticos, metáforas políticas, instrumentos de culto e personagens de uma criação que louva e depende do Criador.
Os gêneros literários modulam esse bestiário. Sabedoria e Poéticos tornam-no escola de caráter e contemplação do cotidiano; Profetas e narrativas históricas projetam-no sobre impérios e exércitos, com o animal servindo de máscara crítica do poder; paratextos e liturgia lembram instrumentos e melodias “animais” que emolduram a oração.
No Novo Testamento, o conjunto é reconfigurado cristologicamente. O “Cordeiro” torna-se centro do culto e da esperança; o “Bom Pastor” define pertença e cuidado; o peixe vira confissão pública e missão; a pomba sinaliza a presença do Espírito; lobos, cães, porcos e raposas instruem o discernimento; a visão de animais “impuros” abre a porta aos gentios; e as “bestas” do Apocalipse condensam a crítica a poderes idolátricos à luz do trono do Cordeiro.
A Bíblia transforma o mundo animal em linguagem comum para louvar, ensinar, advertir e resistir. Essa simbologia mantém em tensão a dignidade do domínio humano e a humildade diante do Criador, enquanto toda criatura — do rebanho às aves do céu, do inseto às grandes feras — participa do drama de um universo sustentado, julgado e renovado por Deus.
![]() |
“Vai ter com a formiga, ó preguiçoso” (Provérbios 6:6) |
I. Animais no Antigo Testamento
A literatura sapiencial, os livros poéticos e os Escritos do Antigo Testamento apresentam abundância de referências a animais, tanto em usos literais quanto metafóricos. O termo ḥayyāh (da raiz ḥyh, “viver”, “ter vida”) designa “seres vivos” em geral, com ênfase frequente em animais selvagens (Jó 5:23; Jó 28:21; Jó 39:15; Jó 40:20; Salmos 148:10). Costuma ser traduzido por “besta” (Jó 5:22; Salmos 79:2) e sua circulação lexical já sugere a grande variedade da criação divina, figurada inclusive pela diversidade de habitats: animais “nas tocas” (Jó 37:8), “entre os juncos” (Salmos 68:31 [30]), “no campo” (Salmos 104:11), “na floresta” (Salmos 104:20) e “no mar” (Salmos 104:25).
Outro termo fundamental é bĕhemâ. Em certos contextos, designa “feras” ou “brutos” (Jó 18:3; Salmos 73:22; Provérbios 30:30); em outros, funciona como coletivo para “animais” em geral (Jó 12:7), frequentemente em contraste com o ser humano (Salmos 36:7; Salmos 49:13, 21; Salmos 135:8; Eclesiastes 3:18–21), preservando, porém, a ideia de que esses animais pertencem a Deus, são por ele providos e, quando se multiplicam, sinalizam bênção (Salmos 50:10; Salmos 104:14; Salmos 147:9; Salmos 107:38; ver também Jó 21:10; e, quanto ao impacto do juízo, Salmos 78:48).
Essa moldura terminológica se articula com uma visão teológica explícita: todas as criaturas pertencem a Deus (Salmos 50:10), que lhes dá a vida (Jó 12:10), as farta (Salmos 145:16) com alimento (Salmos 136:25; aqui, o termo bāśār, “carne”, é vertido como “criatura”) e as cria e sustenta por seu Espírito (Salmos 104:30). A pesquisa recente reforça esse enquadramento, descrevendo Salmos 104 como um “panorama da vida” em que os animais aparecem como sujeitos ordinários, dependentes da providência e integrados ao ritmo cósmico que testemunha o governo do Criador (ALTER, The Glory of Creation in Psalm 104, 2018, pp. 49-60).
A taxonomia operativa do corpus distingue, em linhas gerais, seis conjuntos que percorrem as páginas bíblicas: animais domesticados; animais selvagens; aves; peixes e outras criaturas do mar; insetos, “répteis” e pequenos seres de natureza variada; e criaturas míticas. Essa classificação é etnográfica e literária, não “científica” em moldes modernos; estudos recentes sugerem que, no imaginário israelita, a valoração simbólica de selvagens e domesticados variou ao longo do tempo e entre gêneros, com ecos de uma sensibilidade na qual animais selvagens podem ocupar um espaço “numinoso” entre humanos e Deus, ao passo que, em leituras posteriores, toda a fauna é situada sob o ser humano — sempre, porém, sob o senhorio do Criador. (NOEGEL, From Ape to Zebra: On Wild Animals and Taxonomy in Ancient Israel, pp. 143-146)
No campo semântico amplo, convém notar coletivos e hipônimos que ajudam a cartografar a “imagem de animais”: ʿôp (“aves”, inclusive carniceiras), ṣippôr (termo comum e onomatopeico para aves, em contextos de caça, fuga e ninho junto ao altar), dāg (“peixe”) e remeś (“rastejantes”, “pequenos seres”), todos integrados à criação que, por designação divina, participa do louvor e se alegra sob o reinado de Deus (Rute 2:12; Salmos 17:8; Salmos 36:8; Salmos 57:2; Salmos 61:5; Salmos 63:7; Salmos 91:4; Salmos 8:8–9; Salmos 96:11; Salmos 98:7; Salmos 148:10; Salmos 69:35; Salmos 104:25).
Esse horizonte inclui, por fim, um setor de “criaturas míticas” — Leviatã (liwyātān), Raabe (rahab) e tannîn — cuja função literária não é sustentar mitologias concorrentes, mas sublinhar, por meio da reapropriação poética de motivos do Antigo Oriente, a soberania criadora e guerreira de YHWH sobre todo poder natural e cósmico (Jó 3:8; Jó 41:1; Salmos 74:13–14; Salmos 104:26; Jó 26:12–13; Salmos 87:4; Salmos 89:10–14; Jó 7:12; Salmos 148:7). Estudos de referência detalham as camadas míticas desses termos e sua resignificação bíblica: as entradas “Raabe” e “Tannin” em dicionários especializados; reavaliações do chaoskampf em Salmos 74; e leituras que mostram como Salmos 104 insere Leviatã no catálogo jubiloso da criação, a serviço do louvor (SPRONK, Dictionary of Deities and Demons in the Bible Online, 2018, pp. 684-686).
O escopo, a terminologia e o quadro teológico da “imagem de animais” no Antigo Testamento combinam (1) um léxico que oscila entre o genérico (ḥayyāh, bĕhemâ) e os grupos zoológicos cotidianos (ʿôp, dāg, remeś), ancorado em marcadores de habitat e experiência; (2) a convicção de que a vida animal existe, é sustentada e é governada por Deus, a quem toda criatura pertence e de quem recebe provisão; e (3) uma taxonomia literária de seis grandes conjuntos, inclusive um repertório mítico reaproveitado teologicamente — um conjunto coerente que baliza o uso imagético dos animais através dos gêneros literários do cânon (GARBER, Frolicking in the Storm Lord’s garden: Encountering the Creator and creation in Psalm 104, pp. 84-91).
Observações filológicas adicionais que se impõem já nesta base terminológica: em Salmos 136:25, bāśār (“carne”) pode aparecer traduzido por “criatura”, o que reforça a leitura do salmo como proclamação da providência universal; a literatura técnica e exegética recente acompanha esse dado com ênfases ecológico-teológicas e litúrgicas (Salmos 136; Salmos 104; COETZEE, Psalm 104: A Bodily Interpretation of ‘Yahweh’s History’, 2008, pp. 298-309).
Por conseguinte, o quadro conceitual necessário ao verbete está devidamente estabelecido: termos nucleares, abrangência literária e teológica e o mapa de classes que organiza as ocorrências — uma plataforma a partir da qual os demais tópicos (domesticados, selvagens, aves, peixes, pequenos seres e o conjunto mítico) podem ser desenvolvidos em detalhe, mantendo a coerência lexicológica e a teologia da criação e providência presentes nos textos.
A. Animais domésticos
Os “animais domesticados” do Antigo Testamento constituem um campo léxico-teológico próprio, com ênfase em ovinos e caprinos, bovinos, equídeos e camelídeos, cuja presença permeia economia, culto, metáforas éticas e imagética real. As rubricas do corpus destacam a categoria de “Animais Domesticados” como um dos grandes grupos que estruturam a matéria, abrindo a seção com a indicação de termos e usos que se desdobram nos parágrafos seguintes.
A base ovina-caprina é introduzida pelo vocabulário ʿēder, ṣōn e ṣōneh (Salmos 8:7 [8]), termos usualmente traduzidos por “rebanho”, com foco primário em ovelhas, mas incluindo cabras. A literatura sapiencial e poética articula essa realidade a preocupações pragmáticas: rebanhos oferecem leite e vestimenta (Provérbios 27:26–27), além de carne, couro e mesmo instrumentos musicais, como o chifre de carneiro (šôfār; Jó 39:24; Salmos 47:5 [6]; 81:3 [4]; 98:6; 150:3), exigindo cuidado diligente (Provérbios 27:23) e guarda atenta (Jó 24:2). A posse pastoril é índice de prosperidade: Jó detém milhares de ovelhas (Jó 1:3, 16; 42:12), e os rebanhos de Qohelet ultrapassam todos os de Jerusalém (Eclesiastes 2:7); abundância de rebanhos marca a bondade divina, frequentemente descrita em imagens agro-naturais (Salmos 107:41; 144:13), culminando em celebração cósmica — montes “saltando como cordeiros” (Salmos 65:13; 114:4, 6). O tema culmina no imaginário do pastor: muitos salmos atribuídos a Davi lembram sua origem “dos apriscos das ovelhas” (Salmos 78:20), Deus aparece como Pastor (Salmos 23:1; 80:1 [2]), e Israel é o seu rebanho (Salmos 79:13; 100:3), metáforas que implicam cuidado (Salmos 95:7) e guia (Salmos 77:20 [21]; 78:52). A ambivalência do rebanho também é registrada: ovelhas podem figurar a insensatez e a inconstância (Salmos 119:176, com śeh), dispersas e “destinadas ao abate”, representando um povo rebelde que incorre em juízo (Salmos 74:1; 44:11 [12], 22 [23]) — figura igualmente aplicada aos ímpios (Salmos 49:14 [15]). No Cântico dos Cânticos, as menções a ovelhas e cabras combinam referências literais (Cântico 1:7–8, com gĕdiyyāh, “cabritos”) e comparações eróticas (Cântico 4:2; 6:6, dentes como “rebanho de ovelhas”), além de um conhecimento do relevo local em símiles como “teus cabelos como rebanho de cabras [ʿēz] descendo do monte Gileade” (Cântico 4:1; 6:5). Entre os caprinos surgem o tayiš (“bode”, Provérbios 30:31) e as cabras-monteses, designadas por yāʿēl tanto para machos (Salmos 104:18) quanto para fêmeas (Jó 39:1). O papel cultual de ovinos e caprinos é fundamental: o salmista promete “carneiros” (ʾayil) em oferta (Salmos 66:15; comparar Jó 42:8), enquanto referências mais gerais a sacrifícios (Salmos 20:3 [4]; 40:6 [7]; 96:8; 141:2) convivem com especificações predominantemente pentateucais, como kebeś (“cordeiro”), que ultrapassa cem ocorrências no Pentateuco, mas aparece apenas duas vezes nos Escritos, e aí sem foco sacrificial. Em chave crítica, Salmos 50 menciona o bode (ʿattûd) ao denunciar holocaustos mal motivados, em tom afim a Amós 5:21–24 e Miquéias 6:6–8.
O bloco bovino condensa riqueza lexical e simbólica. O Antigo Testamento registra “oito palavras” para “vaca”, espelhando a centralidade econômica dos bovinos, produtores de leite, carne e couro, e ainda força de trabalho (Eclesiastes 2:7; Jó 1:10); o termo miqneh (“gado”), derivado de qnh, conserva o nexo com aquisição e propriedade. Nesse horizonte, bāqār (“gado/bovinos/bois”) aparece em inventários de bens (Jó 1:3; 42:12) e no culto (Salmos 66:15; ver Levítico 1:3, 10, 14). Bĕhemâ pode designar “bestas brutas” (Jó 18:3; Salmos 73:22; Provérbios 30:30) ou “animais” em geral (Jó 12:7), frequentemente em contraste com o ser humano (Salmos 36:7; 49:13, 21; 135:8; Eclesiastes 3:18–21; cf. Salmos 8:7 [8]), sublinhando a posse divina (Salmos 50:10; 24:1), a preservação (Salmos 104:14) e a provisão (Salmos 147:9; Provérbios 12:10); o aumento do gado sinaliza bênção (Salmos 107:38; Jó 21:10), embora o juízo alcance também “o gado” (bĕʿîr, Salmos 78:48). No campo sacrificial, par (“novilho”) ocupa lugar de relevo (Salmos 50:9; 51:19 [21]; 69:31), e, metaforicamente, representa a força dos inimigos (Salmos 22:12 [13]); ʾabbîr (“forte”) funciona em paralelo, igualmente vertido como “touro” (Salmos 22:12 [13]; 50:13; 68:30). Šôr (“boi”) remete a trabalho agrícola eficiente (Provérbios 14:4), posses (Jó 24:3), alimento (Provérbios 15:17; cf. 7:22) e sacrifício (Salmos 69:31 [32]); seu prestígio alimenta imagens idolátricas associadas a religiões de fertilidade — e, por vezes, à apostasia de Israel (Salmos 106:20), com “bezerros” (ʾēgel) evocados tanto em Salmos 29:6 quanto em Salmos 68:30 [31]. As oscilações tradutórias de ʾelep (Provérbios 14:4; cf. Salmos 8:7 [8]) explicam notas alternativas (Salmos 144:14: “bois”/“chefes”). O rĕʾēm (“boi selvagem”) surge em Jó 39:9 e Salmos 22:21 [22]; 29:6; 92:10 [11], sustentando o tropo “erguer o chifre” como emblema de poder (Salmos 18:2 [3]; 75:4–5, 10 [5–6, 11]; 69:31 [32]; 89:17, 24 [18, 25]; 112:9; 132:17; 148:14). Na identificação zoológica, a literatura atual prefere “auroque” para rĕʾēm, em lugar de “unicórnio”, solução presente em versões antigas. A crítica histórico-religiosa relaciona ainda o simbolismo do boi à iconografia do bezerro de ouro e correlatos regionais, análise atestada em estudos de referência e sínteses recentes (HUNDLEY, What Is the Golden Calf?, 2017, pp. 559-579).
Os cavalos (sûs) compõem o imaginário de comércio e, sobretudo, de guerra, símbolo de força natural finita (Jó 39:19; cf. 39:18) contrastada com a vitória de YHWH (Salmos 20:7 [8]; 33:17; 76:6 [7]; Provérbios 21:31); a preferência divina recai sobre quem o teme, não sobre a confiança em vigor equino (Salmos 147:10). No plano social e régio, cavalos indicam status (Eclesiastes 10:7) e vinculam-se à corte persa (Ester 6:8–11), incluindo “cavalos velozes criados para o rei” (Ester 8:10, com rammāk, possivelmente “égua”; e rekeš, “corcéis”, em Ester 8:14). A iconomia sapiencial explora imagens de freio, brida e açoite como advertências contra a insensatez e a falta de autocontrole (Salmos 32:9; Provérbios 26:3).
Jumentos, asnos e mulas são apresentados a partir do pereʾ (“asno selvagem”), domesticado como besta de carga: livre em seu habitat (Jó 39:5), em contraste com o primo doméstico, frequentemente metáfora de teimosia e indisciplina nos provérbios; a mula (pered), fruto do cruzamento de asna e égua, exemplifica atitude que exige freio (Salmos 32:9; Provérbios 26:3). O macho ḥămôr podia ser a posse mínima do despossuído (Jó 24:3), enquanto a ʿātôn (fêmea) figura entre bens de alto valor, por seu potencial reprodutivo e leite (Jó 1:3, 14; 42:12).
Os camelos (gāmāl) são veículos de transporte e carga “desde os patriarcas”, ainda que a cronologia da domesticação suscite debate acadêmico. Estudos zooarqueológicos Tel Avivianos situam o aparecimento significativo do dromedário domesticado no Arabá no terço final do século X a.C., com dados de Timna e Faynan (SAPIR-HEN; BEN-YOSEF, “The Introduction of Domestic Camels to the Southern Levant: Evidence from the Aravah Valley”, Tel Aviv 40, 2013). Achados de Arábia Sudeste apontam a “fase final” de domesticação de Camelus dromedarius na Idade do Ferro II, corroborando um horizonte amplo de difusão no I milênio a.C. (FRENEZ; GENCHI, DAVIDCUNY; AL-BAKRI, The Early Iron Age collective tomb LCG-1 at Dibbā al-Bayah, Oman, 2021, pp. 104-124). Estudos de Cambridge recentes retomam esse dossiê no quadro de comércio e mobilidade edomita e judaíta do Ferro Tardio. (DANIELSON, Edom in Judah: Trade, Migration, and Kinship in the Late Iron Age Southern Levant, 2024). A despeito das questões cronológicas, a tradição bíblica exalta sua resistência e utilidade (Jó 1:3, 17; 42:12).
No entrecruzamento de economia, culto e som, convém notar a menção ao šôfār dentro do universo ovino: a corneta de chifre (cf. Salmos 47:5 [6]; 81:3 [4]; 98:6; 150:3) liga-se a celebrações régias de YHWH e a liturgias de entronização, segundo leituras histórico-litúrgicas de salmos do reinado divino. A literatura especializada reconhece o papel do šôfār em guerra e culto, em especial nos Salmos 47 e 81, situando-o em rituais públicos de afirmação da realeza de Deus (SWEENEY, The Shofar in War and Worship in the Bible, 2017, pp. 31–56).
O conjunto de bovinos também ilumina a polêmica anti-idolátrica. A conversão da força bovina em ícone devocional — “trocaram a sua glória pela figura de boi” — é objeto de crítica teológica e análise histórico-religiosa, com paralelos mesopotâmicos e egípcios (por exemplo, o boi Ápis). Estudos recentes reavaliam o “bezerro” à luz de arqueologia, iconografia e tradição textual do Antigo Oriente, tanto em Êxodo 32 quanto nas dinâmicas setentrionais de 1 Reis 12 (HUNDLEY, MICHAEL B, ibid., pp. 559–79).
Para completar o quadro com precisões filológicas indicadas na tradição dos Escritos: a oscilação tradutória de ʾelep em Provérbios 14:4 e Salmos 144:14 (“bois”/“chefes”) demonstra um ponto sensível da lexicografia aplicada; as versões e notas críticas divergem na linha de “bois fortes” versus “príncipes”, discussão documentada nas referências internas do próprio corpus. A identificação do rĕʾēm como auroque — contra leituras antigas de “unicórnio” — alinha-se a léxicos e sínteses modernas. (Rĕʾēm (mythological animal) em Encyclopedia Britannica) Quanto ao šôfār, a bibliografia técnico-litúrgica confirma sua função nos salmos do reinado e em práticas processionais de aclamação. (SWEENEY, ibid., 2017, pp. 31–56). Finalmente, a discussão arqueozoológica sobre a domesticação do camelo, hoje robustecida por datações do Arabá e pela evidência arábica do Ferro II, enquadra com maior precisão a referência tradicional aos usos patriarcais do gāmāl, sem invalidar a representação literária dos Escritos.
B. Animais selvagens: predadores, pragas e metáforas
Os felinos de grande porte aparecem em variedade lexical e semântica. Sete palavras hebraicas descrevem “leões” ao longo do cânon sapiente e poético, e é praticamente impossível discernir com segurança diferenças precisas de idade, vigor ou sexo. O termo kĕpîr, outrora tomado como “leão novo”, não sugere necessariamente juventude; versões como NIV vertem “grande leão” em Salmos 17:12 e 91:13. O seu bramido pode figurar como metáfora da cólera régia (Provérbios 19:12; 20:2) e a ousadia do leão é atributo compartilhado pelos justos (Provérbios 28:1). ʾAryēh (com a variante ʾărî) descreve o predador temível, que rosna (Jó 4:10), espreita (Salmos 10:9; Lamentações 3:10) e tem fome de presa (Jó 38:39; Salmos 7:2 [3]; 17:12), imagem recorrente dos inimigos do salmista (Salmos 22:13 [14], 21 [22]; 35:17; 57:4 [5]) e, por extensão, de governantes ímpios (Provérbios 28:15). Importa notar a diferença de abordagem: na Sabedoria poético-sapiens, os opositores tendem a ser não nomeados e genéricos; já nos Profetas certas imagens animais apontam para exércitos mundiais concretos, como os poderes assírio e babilônico (Habacuque 1:6-8). Šāḥal aparece em paralelos com kĕpîr (Jó 4:10; Salmos 91:13) e com ʾărî nas hipérboles do preguiçoso que se desculpa com “há um leão lá fora” (Provérbios 22:13; 26:13). Jó 28:8 declara que o šāḥal “de passo furtivo” (cf. Jó 10:16) não habita as profundezas da terra; já o ʾărî, “como os leopardos”, tem seus “covis nos montes”, cenário que Cânticos dos Cânticos 4:8 designa como “esconderijos nos outeiros”, uma provável alusão ao hábito do nāmēr (leopardo) de vigiar do alto a paisagem circunvizinha. Além disso, layiš enaltece o leão como “poderoso entre os animais” (Provérbios 30:30), mas até leões dependem de Deus para obter alimento (Jó 38:39; Salmos 104:21); diante do poder divino, “quebram-se os dentes” do leão (cf. Salmos 58:6) e sua presa some, dispersando-se os filhotes do lābîʾ (Jó 4:10-11). Por isso, quando até os leões robustos sofrem necessidade, “os que buscam o Senhor de nada carecem” (Salmos 34:10).
Entre os canídeos, o cão (keleb) é figurado como matilha selvagem, que rosna e ronda (Salmos 59:6 [7], 14 [15]), imagem dos inimigos do fiel (Salmos 22:17) e de ameaça direta à vida (Salmos 22:20 [21]). A degradação final de ser devorado por cães é evocada em Salmos 68:23 [24]; o insensato é comparado ao cão que “volta ao vômito” (Provérbios 26:11), e o intrometido à desgraça que se colhe ao “pegar as orelhas de um cão” (Provérbios 26:17). A sobriedade da Sabedoria brilha em Eclesiastes 9:4: “mais vale um cão vivo que um leão morto”. Jó 30:1 ainda lembra os “cães dos guardadores de rebanhos”. Já “chacais” só ocorrem no plural tannîm: uivantes necrófagos do deserto, aparecem em contextos de ruína e desolação, normalmente como juízo divino (cf. Jó 30:29; Salmos 44:19; Lamentações 4:3). Versões antigas confundiram tannîm com tannîn (“dragão/monstro”), produzindo “dragões” (KJV) em textos onde hoje se prefere “chacais” (NIV). Por sua vez, šûʿāl pode ser “raposas” (Cânticos 2:15) ou “chacais” (Lamentações 5:18), o que explica variações tradutórias e reforça a nuance de pragas menores, insidiosas e difíceis de evitar. Em Lamentações 5:18, šûʿālîm serve como índice de devastação: quando Sião jaz desolada, “chacais/raposas” passeiam livres entre ruínas (DOYLE, Howling like Dogs Metaphorical Language in Psalm LIX, 2004, pp. 61–82).
Os cervídeos e afins estruturam desde a erotopoética de Cânticos até orações de desejo teológico. O ʿoper (veado macho) designa o amado em Cânticos dos Cânticos 2:9, 17; 8:14, em paralelo com ṣebî (“gazela”, Provérbios 6:5); o feminino ṣebîyya é vertido como “filhotes/gêmeos de gazela” para os seios da amada (Cânticos 4:5; 7:3 [4]). Outro termo para cervo é ʾayyāl: Lamentações 1:6 compara líderes caídos a cervos exaustos que não acham pasto, e Salmos 42:1 traduziu no Ocidente a sede de Deus com a metáfora do “cervo que brama pelas correntes de águas” (alguns observam que o verbo feminino poderia implicar corça). A NIV entende “cervo” em Provérbios 7:22, embora o hebraico aí seja incerto. Deus, em Jó 39:1, observa a ʾayyālâ (corça) parir; nota paralela aparece em rodapé de Salmos 29:9, enquanto Salmos 18:33 [34] louva a firmeza de pés “como os da corça”. Provérbios 5:19 celebra “a corça amável” (ʾayyālâ) e a “gazela graciosa”, mas o segundo termo, yaʿălâ, designa tecnicamente a cabra-montesa fêmea; a tensão entre precisão zoológica e efeito poético é típica do gênero. Salmos 22 traz no cabeçalho a melodia “A Corça da Manhã”, e a adjuração amorosa “pelas gazelas (ṣĕbîyya) e pelas corças (ʾayyālâ) do campo” (Cânticos 2:7; 3:5) joga com sonoridades próximas de Ṣĕbāʾôt e ʾĔlōhîm, convertendo nomes animais em forma quase teonímica de juramento (DAVID, Is God Present in the Song of Songs?, 2006, p. 19).
O urso (dōb), onívoro e perigoso quando faminto ou quando filhotes são ameaçados, é imagem de perigo e poder. Provérbios 17:12 prefere enfrentar “ursa roubada dos filhos” a um insensato em sua estultícia; em Provérbios 28:15, líderes ímpios são comparados a ursos que atacam. O lamento de Lamentações 3:10-11 retrata o juízo de Deus como o estraçalhar de um urso. Há ainda uma nota astronômica: Jó 9:9 e 38:32 mencionam a constelação ʿayiš como manifestação da força criadora; KJV verte “Arcturus” (apenas a estrela principal de Ursa Maior), enquanto NIV/NRSV preferem “Ursa/Urso” (RYAN, The Cambridge Companion to Literature and Animals, 2023, pp. 19-150).
O porco e o javali emergem mais por sua função retórica do que por uma teologia da impureza nos Livros Poéticos e de Sabedoria. Embora Levítico 11:7 classifique o suíno como impuro, esse registro cultual não estrutura a imagética sapiente; o efeito cultural prático é o de inutilidade e incômodo, como no “javali do bosque” (ḥăzîr) que devasta a vinha (Salmos 80:13 [14]) e no provérbio que satiriza a beleza sem bom senso: “argola de ouro no focinho de porca” (Provérbios 11:22). Leituras modernas exploram os matizes de gênero e animalidade desse provérbio em diálogo com iconografia antiga e recepção cristã primitiva (FINNEY, Images on Finger Rings and Early Christian Art, 1987, pp. 181–86; WALKER-JONES, ALTHUR; MILLAR, Ask the Animals: Developing a Biblical Animal Hermeneutic, 2024).
O šāpān — comumente traduzido como damão/hírace (“rock badger”, hyrax) — figura como pequeno sábio da criação: habita as rochas e nelas acha refúgio (Salmos 104:18), sendo enumerado entre os “quatro pequenos mais sábios que os sábios” (Provérbios 30:26). O fascínio sapiente por sua adaptabilidade e arquitetura de sobrevivência nas fendas do rochedo compõe uma lição sobre prudência e refúgio.
Em conjunto, esses animais selvagens desenham um léxico ético e teológico denso: o predador ensina sobre poder político e providência divina; os canídeos, sobre degradação social e ruína das cidades; os cervídeos, sobre eros, agilidade e sede por Deus; o urso, sobre governança perversa e juízo; o suíno, sobre retórica sapiente; o šāpān, sobre sabedoria adaptativa. Estudos atuais auxiliam a calibrar nuances: análises de metáforas leoninas mostram a rede cognitiva que liga a ferocidade do leão a experiências políticas de ameaça e proteção; leituras de Salmos 59 identificam a imagem do cão uivante como metonímia de cerco noturno e medo urbano; discussões filológicas sobre ʿayiš defendem a identificação com a Ursa Maior na astronomia bíblica antiga; a adjuração por “gazelas e corças” em Cânticos 2:7; 3:5 tem sido interpretada como jogo fônico de nomes divinos, reforçando a solenidade do juramento amoroso; e abordagens interdisciplinares examinam a representação do porco entre estética, moral e animalidade na tradição sapiencial (HAYS, The Cambridge Companion to the Book of Isaiah, 2024, pp. 259-344; KLINGBEIL, Mapping the Literary to the Literal Image, 2009, pp. 205–22; WALKER-JONES; MILLAR, Ask the Animals: Developing a Biblical Animal Hermeneutic, 2025).
C. Aves e criaturas marinhas
A linguagem aviária do Antigo Testamento organiza-se em torno de dois termos amplos e de uma rede de motivos recorrentes. ʿÔp, derivado do verbo ʿûp (“voar”), designa “aves” em geral, mas em contextos específicos alcança uma esfera mais ampla: pode incluir quirópteros e manter conotações de impureza e de associação com a morte, bem como, por extensão de domínio, referir-se a insetos alados. Dentro desse campo, ṣippôr é um termo muito comum para pequeno pássaro, frequentemente no contexto de armadilha, fuga e livramento. O imaginário do laço e da caça traduz a vulnerabilidade humana e a intervenção salvadora: “Quebrou-se o laço do passarinheiro, e nós escapamos”, afirma o salmista, usando o pássaro para figurar a soltura de Deus (Salmos 124:7); a sabedoria observa que uma maldição sem causa “não pousa”, como o ṣippôr que espaneja e a dĕrôr (andorinha) que voa (Provérbios 26:2); a experiência de ser colhido de improviso compara-se a peixes em rede e aves no laço (Eclesiastes 9:12). A solidão do suplicante é figurada pelo “pássaro só no telhado” (Salmos 102:7), enquanto o anseio por segurança encontra seu emblema no pardal e na andorinha que descobrem abrigo junto ao altar: “Até o pardal encontrou casa e a andorinha, ninho para si;… os teus altares, Senhor dos Exércitos” (Salmos 84:3), imagem que a tradição exegética tem lido como síntese do desejo de morada no espaço sagrado.
A classe das aves de rapina concentra lemas semânticos de altitude, agudeza de visão, velocidade e assombro. Nešer é termo polissêmico que a tradução moderna oscila entre “águia” e “abutre” (TALSHIR, Transformations in the Meaning of נשר and עיט / גלגולי המשמעות של הנשר העיט (והדיה) בעברית, 1999 pp. 107–24); o conjunto de referências que o descreve nidificando nos alcantis e voando em grandes altitudes pode apontar, em muitos contextos, para o grifo-do-Eurásia (Gyps fulvus), o que explica a recorrente associação com cristas rochosas e correntes térmicas; a identificação científica recente tem defendido, com argumentos filológicos e zoológicos, que nešer designa o abutre-grifo em não poucos textos (Jó 39:27; Ezequiel 17:3; Obadias 4), sem anular usos “nobres” do símbolo (Isaías 40:31; Salmos 103:5). O vocabulário correlato inclui ʿāyiṭ (“ave de rapina”, como em Gênesis 15:11, de valor coletivo), ʾayyâ (“milhafre/kite”, cf. Deuteronômio 14:13) e nēṣ (“falcão/gavião”), termo técnico usado em Jó 39:26; a rapidez que devora o tempo, proverbialmente dita “voar como águia”, compõe figura ética sobre a fugacidade das riquezas (Provérbios 23:5). A teologia poética sublinha a energia revitalizadora associada à muda e ao voo: “renova-se como a águia a tua juventude” (Salmos 103:5) e “sobem com asas como águias” (Isaías 40:31), metáforas de restauração e perseverança. Estudos recentes reúnem dados linguísticos e ornitológicos para sustentar a leitura de nešer como abutre-grifo, inclusive quando a tradição e as versões preferiram “águia”, sem prejuízo do valor simbólico de grandeza e elevação que atravessa o corpus.
A galeria de outras aves expõe as conhecidas dificuldades de identificação zoológica na tradução, mas preserva traços imagéticos nítidos. A ḥăsîdâ (“cegonha”) é proverbial pelo senso sazonal e, por possível etimologia popular ligada a ḥesed, sugere “piedade” ou afeto: “Até a cegonha nos céus conhece as suas estações; e a rola, a andorinha e o grou guardam o tempo da sua chegada”, ainda que o povo ignore o tempo do Senhor (Jeremias 8:7), imagem que a crítica relaciona a migração e moʿadîm (“tempos designados”), funcionando como contraste moral. O avestruz (yaʿănâ) é desenhado em cores caricaturais no discurso divino a Jó: asas que batem “com alegria” mas uma maternidade descuidada, ovos expostos e filhotes postos em risco (Jó 39:13–18); a tradição científica moderna refina essa caricatura, examinando dados etológicos do Struthio camelus e discutindo em que medida a poesia de Jó reconfigura observações reais para servir a uma pedagogia da finitude. Em contracampo, o salmo penitente mobiliza aves noturnas para iconizar isolamento e abatimento: “Sou como o kôs e o qāʾat” — termos traduzidos, respectivamente, por “coruja” e “pelicano/cormorão” — “entre ruínas”, “como pássaro solitário no telhado” (Salmos 102:6–7), uma constelação de imagens que encenam a desolação.
A pomba (yônâ) e a rola (tôr) perfazem um subtema afetivo e cultual. A yônâ pode cobrir um leque que vai de “pombos” a “rolas”, e serve à lírica amorosa como símbolo de beleza reservada e de voz branda (Cântico dos Cânticos 2:14; 5:2), ao mesmo tempo em que, no lamento, nomeia “o povo afligido” por quem se pede misericórdia (Salmos 74:19). O “arrulho” da tôr (Cântico dos Cânticos 2:12) pontua a chegada da primavera e o tempo do canto, enquanto a iconografia nupcial da amada inclui “olhos de pomba” (Cântico dos Cânticos 1:15; 4:1), e a do amado, “cabelos negros como o corvo” (Cântico dos Cânticos 5:11), demonstrando a plasticidade estética do bestiário poético. A dieta ritual permite “aves limpas” (Deuteronômio 14:11), e a providência do Deus criador alcança “os filhos do corvo que gritam” (Jó 38:41; Salmos 147:9), contraponto à narrativa de 1 Reis 17:6, cuja tradição textual suscita debate sobre a leitura de “corvos” que alimentam o profeta; em todos os casos, a linha teológica é a mesma: o sustento divino atinge mesmo os mais frágeis.
As “asas” constituem um dos topoi mais persistentes do cuidado divino. A tradição poética e narrativa convoca a imagem tanto para qualificar o refúgio (Salmos 17:8; 36:7; 57:1; 61:4; 63:7; 91:4) quanto para caracterizar o acolhimento concedido por YHWH: assim, Boaz abençoa Rute por buscar abrigo “debaixo das asas” do Deus de Israel (Rute 2:12), imagem que a pesquisa literária explora como metáfora de aliança e hospitalidade. A linguagem “ornitomórfica” chega a nomear as aves como “senhores da asa” (baʿal kānāp), expressão que sinaliza o modo como o hebraico bíblico cria coletivos poéticos por atributos, e não por taxonomias científicas. Leituras recentes de Salmos 91 exploram como a metáfora de “cobrir com as penas” e “abrigo sob as asas” estrutura o salmo inteiro como promessa de proteção — inclusive contra “o laço do passarinheiro” — e rearticula o universo aviário do louvor em chave de refúgio (LORETZ, The Theme of the Ruth Story, 2025).
O conjunto aviário articula, por fim, uma gramática de experiência: a madrugada do canto e do arrulho inaugura tempo propício (Cântico dos Cânticos 2:12), o ninho por perto do altar condensa prazer, paz e proteção (Salmos 84:3), a armadilha do caçador dramatiza a condição de risco e a libertação (Salmos 124:7; Salmos 91:3–4), a andorinha que não pousa corporifica inquietude (Provérbios 26:2), e as aves migratórias marcam “os tempos designados” em contraste com a insensatez humana (Jeremias 8:7). No ápice, as aves de rapina elevam o olhar para montes e despenhadeiros, onde o nešer faz ninho e revolve as correntes, símbolo de reerguimento e vigor; a investigação recente que propõe o abutre-grifo como referente básico de nešer afina o ouvido para a zoologia do texto sem depauperar sua teologia da providência e do renovo. A discussão filológica e simbólica da yaʿănâ em Jó 39 recupera o valor pedagógico do exagero poético, enquanto as aberturas de sentido em termos como kôs e qāʾat são recebidas como recursos de ambiguidade que servem à imagética da ruína e da solidão. Em todos os casos, a literatura concentra as “asas” como lugar de abrigo e de compromisso: um léxico aviário que, do pardal e da andorinha aos senhores do céu, confessa sustento, refúgio e julgamento do Deus que dá alimento até “aos filhos do corvo” (CANNON, The Biblical Nesher as the Griffon Vulture, Gyps fulvus: Ornithological character traits, 2024, pp. 470-493).
D. Insetos, répteis e pequenos seres
O campo semântico dos insetos, répteis e pequenos seres no Antigo Testamento condensa léxico vasto e imagens de precariedade, disciplina, corrosão e perigo súbito. A miríade de termos e cenas distribui-se em subtemas que articulam praga, provisão, efemeridade e vigilância, além de prover metáforas morais e políticas em poesia e sabedoria.
Os gafanhotos/locustas figuram com riqueza terminológica: nove palavras são empregadas para designar locustas e gafanhotos, abrangendo nuances de tamanho e de estágio de desenvolvimento, bem como aspectos de comportamento coletivo. A metáfora do deslocamento veloz e do terror irresistível comparece quando o brio do cavalo de guerra “salta como gafanhoto” e seu resfolegar espalha pavor aos que o enfrentam (Jó 39:20), e quando a memória cultual recorda a praga que devastou o Egito (Salmos 78:46). A “sabedoria” do avanço coordenado, sem comando central, é proverbial: ainda que não tenham rei, “saem todos em bandos” (Provérbios 30:27). A literatura profética amplia a cena, e Joel, em particular, organiza um quadro de invasão e devastação em ondas, nomeando quatro “espécies/estágios” — ʾarbeh, gāzām, yeleq, ḥāsîl — para intensificar o crescendo do juízo (Joel 1:4; 2:25); estudos exegéticos e histórico-religiosos situam a praga de Joel no horizonte ecológico e cultural do Antigo Oriente Próximo, inclusive em diálogo com textos assírios e com a militarização da horda em Joel 2 (paralelo à descrição mais “literal” de Joel 1), o que reforça o valor simbólico e o lastro empírico do enxame (ver, entre outros, ANDIÑACH, The Locusts in the Message of Joel, 1992, pp. 433–41; SIMKINS, God, History, and the Natural World in the Book of Joel, 1993; HUROWITZ, Joel’s Locust Plague in Light of Sargon II’s Hymn to Nanaya, 1993; KELHOFFER, Timid Grasshoppers and Fierce Locusts: An Ironic Pair of Proverbs, 1999). Em língua portuguesa, há releituras que articulam pragas e extremos climáticos, destacando a sequência sangue–rãs–mosquitos–moscas–gafanhotos no Êxodo (Êxodo 7–10) e a função narrativa dos gafanhotos após o granizo (Êxodo 10:1–20) — GRENZER, Aprendizados com a Catástrofe Climática (Ex 9,13-35), 2022, pp. 375-391.
Rãs, mosquitos e moscas compõem um tríptico de memória das pragas do Egito: os surtos de rãs, “mosquitos” (kinnîm) e “moscas” (ʿārōb) são evocados em Salmos 78:45 e 105:30–31. À margem do Êxodo, zumbidos e impureza convergem na palavra zĕbûb (“mosca”), que está na base do teônimo satirizado “Baal-Zebub/Beelzebub” (“senhor da mosca”), atestado na tradição de 2 Reis 1 e documentado lexicograficamente; a carga pejorativa do nome reforça, por contraste, a imagem da santidade de YHWH. A sabedoria retoma o campo imagético com ironia cortante: “as moscas da morte” (ou “moscas mortas”) fazem o óleo do perfumista exalar mau cheiro, figura para tropeços simbólicos que anulam reputações (Eclesiastes 10:1); a nota filológica registra a ambiguidade entre “moscas mortas” e “moscas mortíferas”, um dos problemas clássicos de tradução do hebraico de Eclesiastes 10:1.
Formigas, abelhas e aranhas/lagartixas oferecem um cânone miniatural de disciplina, coesão e fragilidade. A formiga (nĕmālā) instrui o preguiçoso a observar o trabalho previdente e a provisão sazonal (Provérbios 6:6–8), e volta a aparecer como exemplo entre os “quatro pequenos mais sábios que os sábios” (Provérbios 30:25). Estudo semântico-rhetórico de imagens animais em Provérbios sublinha como o trabalho da formiga exemplifica o conhecimento prático e a pedagogia sapiente (FORTI, Animal Images in the Didactic Rhetoric of the Book of Proverbs, 1996, pp. 48–63). O enxame de abelhas (dĕbôrâ) torna-se metáfora belicosa dos inimigos que cercam, mas que são batidos “no nome do Senhor” (Salmos 118:12), dentro do conjunto litúrgico do Hallel (Salmos 113–118) analisado filologicamente em chave de louvor e memória (SPERLING, The Hallel Psalms (Psalms 113–118), 2024, pp. 187–261). A teia da aranha (ʿakābîš) simboliza esperanças vãs, frágeis e inconsistentes (Jó 8:14); já Provérbios 30:28 contém uma questão tradutória célebre: muitos vertem “lagartixa” (šĕmāmît) nos palácios, enquanto a tradição antiga preferiu “aranha”; o confronto de traduções expõe uma oscilação lexical que a crítica textual documenta amplamente.
Traças e vermes figuram corrosão, efemeridade e juízo. A traça (ʿāš) é associada à deterioração que corrói o que parece sólido, e serve de chave para efemeridade e injustiça que “se desfazem” como uma casa de teia (cf. Jó 27:18 e paralelos proféticos). O termo rimmâ (“verme”) ocorre tipicamente em contextos de decadência e morte, em paralelo a tōlēʿâ (cf. Salmos 22:6), e emparelha-se com šaḥat (“corrupção/cova”) em pares poéticos que articulam ruína física e moral. Os pares “verme/šaḥat” e “traça/casa frágil” adensam uma retórica da desintegração que atravessa sabedoria e lamento.
Lesmas, caracóis e sanguessugas acentuam a imagética da dissolução e da insaciabilidade. O “rastro viscoso” do šabĕlûl serve como emblema do “dissolver-se” dos injustos, imagem concentrada em Salmos 58:8 e admitida pela tradição exegética como referência a uma percepção antiga do “derreter-se em limo”. A ʿălûqâ (“sanguessuga”) de Provérbios 30:15 é proverbial pela voracidade que nunca se sacia, funcionando como cabeça de série de “coisas insaciáveis” no provérbio numérico que se segue. Estudos sobre a composição de Provérbios 30 e sua ética de limites empregam a imagem da sanguessuga para discutir ganância e apetite sem freios.
O “galo” e a expressão idiomática zarzîr motnayim (“cingido nos lombos”) estão a serviço de uma advertência contra a soberba e de um retrato do porte altivo. Em Provérbios 30:31, a oscilação tradutória entre “galo que anda altivo”, “galgo/gineta” e “cavalo de guerra” reflete a raridade do sintagma; leituras recentes alinham a figura à série de imagens de honra e orgulho, usando o “galo” como marcador de exibição e autoconfiança que, no contexto, é relativizada pela teologia sapiente da humildade (KEEFER, The Book of Proverbs and Virtue Ethics: Integrating the Biblical and Philosophical Traditions, 2020, pp. 93-119).
As serpentes e víboras oferecem um léxico multifacetado e um conjunto denso de metáforas. Peten aparece ligado a perigo letal e a juízo, e em Salmos 91:13 compõe, ao lado de leões e tannîn, a lista de ameaças sobre as quais o piedoso “pisará”; leituras recentes exploram a rede de “imagens de ameaça” em Salmos 91 e sua recepção demonológica, sublinhando peten como marcador de veneno e mal oculto. ʿEpʿeh é outro termo para víbora; ʿakšûb, em Salmos 140:3, associa veneno à fala ímpia, e ṣipʿônî surge em Provérbios 23:32 ao caracterizar o vinho que ao fim “morde como serpente”. Nāḥāš, o termo mais comum para serpente, comparece em Jó 26:13 como “serpente deslizante”, em paralelo com Raabe, no horizonte das grandes forças aquáticas vencidas por YHWH. A tradição sapiente conhece o “encantamento” e o perigo imprevisto: antes de encantada, a serpente morde (Eclesiastes 10:11), e quem rompe a cerca é mordido (Eclesiastes 10:8), advertências sobre riscos que se materializam sem anúncio. No pano de fundo simbólico, o veneno serve como metáfora de fala destrutiva e de bebidas que, ao cabo, se revelam mortíferas (Provérbios 23:31–32), consolidando a equivalência entre língua ímpia e dardo venenoso. Para o paralelo mitológico e político de Raabe e tannîn, ver a discussão sobre Isaías 51 e seus ecos, que reforça o imaginário do caos subjugado.
Observação fenomenológica de conjunto: muitos desses pequenos seres pertencem, em Levítico, às categorias de impureza, o que contribuiu para associações simbólicas com decadência, morte e “falta de fôlego” vital; ao mesmo tempo, o corpus sapiente não se limita a conotações negativas, pois enxerga “sabedoria” e disciplina justamente nos frágeis e pequenos, que, sem rei, marcham em ordem (Provérbios 30:24–28). O quadro dialoga, ainda, com leituras ecológicas e de violência/impureza na narrativa bíblica, que reconstroem o modo como imagens naturais funcionam como gramática moral (LYNCH, Portraying Violence in the Hebrew Bible: A Literary and Cultural Study, 2020, pp. 15-94).
II. Criaturas míticas e cosmologia teológica
A gramática mítica do Antigo Testamento integra figuras aquáticas colossais para afirmar, em chave poética e sapiencial, a soberania criadora de YHWH sobre forças naturais e cósmicas. Antes da enumeração específica, convém notar um traço que colore negativamente alguns seres: animais associados ao mal ou à decadência — como serpentes e vermes — podem parecer, à observação comum, desprovidos de respiração visível, o que sugere “falta do sopro de Deus” e ajuda a explicar a valência simbólica desfavorável que os acompanha.
No emprego bíblico, liwyātān é transliterado de modo consistente em traduções inglesas como KJV, RSV, NIV em Jó 3:8; Jó 41:1; Salmos 74:14 e Salmos 104:26. A descrição de Jó 41 e a associação com a resistência egípcia ao êxodo em Salmos 74:13–14 suscitaram propostas naturalistas, como o crocodilo do Nilo, às quais se acrescentam sugestões de grandes cetáceos. Em paralelo, textos e imagens extrabíblicos evocam monstros serpentiniformes e até “de muitas cabeças” — à luz do hebraico de Salmos 74:14 e do étimo árabe do radical lwy, “torcer” — chegando a explicar eclipses (Jó 3:8–9) e figurando, em chave simbólica, o “caos aquoso” a ser vencido (Salmos 74:13). A comparação clássica com o mito babilônico de Tiamat foi antiga e influente, mas a ligação etimológica proposta entre tĕhôm (“abismo”) e o nome “Tiamat” é hoje largamente rejeitada. O conjunto dessas leituras confluentes aponta que a literatura bíblica apela a tais mitos para, transformando-os, proclamar o poder criador e conquistador de YHWH sobre quaisquer forças naturais e cósmicas. A investigação de referência mostra como essas imagens de combate ao mar e ao dragão ecoam tradições cananeias e são reelaboradas no cânon como metáforas históricas e teológicas; um levantamento seminal é John Day, God’s Conflict with the Dragon and the Sea: Echoes of a Canaanite Myth in the Old Testament (1985), que mapeia liwyātān, tannîn, yām e tĕhôm na poesia bíblica e em paralelos do Antigo Oriente Próximo. Leituras recentes em Cambridge aprofundam a “mitologia do mar” como metáfora conceitual que atravessa criação, êxodo, exílio e esperança escatológica, clarificando como o drama contra o mar e o monstro serve de lente sobre a existência histórica de Israel (CHO PK-K, Myth, History, and Metaphor in the Hebrew Bible, 2019, pp. 1-10). Estudos de referência e acadêmicos convergem na identificação do campo sêmico de liwyātān com o “dragão do caos”, sem fixá-lo num único referente zoológico.
A figura de Raabe articula duplo movimento: semanticamente, “orgulho” explica a antiga tradução de Jó 26:12 (“ele feriu os soberbos”); na diacronia das versões modernas, a tendência é transliterar “Raabe” em Jó 26:12; Jó 9:13; Salmos 87:4; Salmos 89:10 [11]. Assim como com liwyātān, postulou-se a identificação com o crocodilo do Nilo, reforçada pelo uso metonímico de Raabe para o Egito (Salmos 87:4). Contudo, a leitura mais usual situa Raabe no horizonte mitológico: YHWH triunfa sobre o mar — yām, também nome de divindade cananeia — e esmaga o monstro primordial do caos em seu ato criador (ver Salmos 89:9–13 [10–14]), movimento teológico que recodifica o imaginário cosmogônico em chave monoteísta. Leituras especializadas destacam a constelação Rahab–tannîn–liwyātān em poesia e profecia como nomes intercambiáveis do caos que Deus abate, com destaque para Isaías 51:9–10 (NILSEN, The Creation of Darkness and Evil (Isaiah 45:6C-7), 2008, pp. 5–25). O paralelismo de Jó 26:13, que menciona a “serpente deslizante” (nāḥāš) traspassada por Deus em paralelo a Raabe, insere a tradição do “combate primordial” num quadro sapiente que celebra o governo divino sobre o abismo.
O termo tannîn ocupa um campo semântico elástico. Em Jó 7:12, a New International Version verte “monstro do abismo”; em Salmos 74:13, “monstro (nas águas)”; em Salmos 148:7, “grandes criaturas do mar”; já em Salmos 91:13 surge como “serpente”. Outras vertentes tradutórias testam “baleias”, “serpentes marinhas” e até “golfinhos”. A alternativa simbólica — afinada com liwyātān e Rahab — lê tannîn como nome de potências nacionais ou de monstros mitológicos em oposição a Deus. A documentação acadêmica relaciona tannîn às fórmulas de “combate ao dragão” (chaoskampf) e às fórmulas de vitória teofânica que estruturam salmos e oráculos; a passagem programática de Isaías 51:9–10 é frequentemente citada como síntese da “mão” que “corta Raabe” e “traspassa o dragão”, relembrando a antiguidade do ato salvador (FRAYNE, Monster-Bashing Myths The Fifth Day of Creation in Ancient Syrian and Neo-Hittite Art, pp. 85-89) As análises histórico-religiosas de Cambridge reforçam como a “mitologia do mar” opera como rede de metáforas recontextualizadas em momentos de crise — criação, êxodo, exílio.
O dossier desses três seres marinhos — liwyātān, Rahab e tannîn — revela um processo de “mitificação” perceptível entre os antigos israelitas, provavelmente alimentado por uma relação culturalmente tensa com o mar, apreendido como domínio inquietante do caos, e por conhecimento empírico limitado de suas profundezas. A admiração e o assombro daí decorrentes favoreceram a circulação de relatos e a sedimentação de imagens lendárias em torno desses seres. Com base nessa gramática, a pesquisa moderna tem mostrado que o Antigo Testamento absorve motivos conhecidos no Antigo Oriente Próximo e os submete a uma teologia de criação e aliança, em que YHWH, e não uma divindade em disputa, delimita o mar, convoca as “criaturas grandes e pequenas” e brinca com liwyātān (Salmos 104:26) como senhor absoluto da vida (JOERSTAD, The Hebrew Bible and Environmental Ethics: Humans, NonHumans, and the Living Landscape, 2019, pp. 48-98).
Bĕhēmôt, por sua vez, aparece uma única vez em Jó 40:15. Apesar de formalmente plural de bĕhemâ (“besta”), o termo designa um único animal, o que sugere valor superlativo (cf. Jó 40:19). A identificação oscila entre hipopótamo, elefante ou criatura majestosa de perfil mítico; o eixo do quadro, porém, não é taxonômico, mas teológico: sublinhar o poder criador de Deus. O painel inteiro de Jó 38–41, com alusões misteriosas e um desfile monumental de fauna, encena a pedagogia da finitude humana diante do Criador exuberante e soberano. A bibliografia crítica debate a identificação: há quem defenda o hipopótamo como leitura “de base”, outros sublinham elementos que excedem o naturalismo; o debate ilustra justamente a estratégia do discurso divino em Jó de deslocar a atenção do “controle humano” para o assombro frente ao design do Criador (FOX, Behemoth and Leviathan, 2012, pp. 261–67). Amostras representativas estão disponíveis em análises filológicas e históricas, que ora aceitam a leitura hipopótamo, ora insistem num perfil mais mítico para bĕhēmôt, sempre destacando a função teológica do retrato.
IV. Funções simbólicas transversais
A imagética animal no Antigo Testamento funciona como matriz simbólica que atravessa gêneros, épocas e vozes, articulando bênção e maldição, ética e sabedoria, erotismo poético, teofania e refúgio, crítica política e memória de guerra, culto e liturgia, bem como polêmica anti-idolátrica. O léxico pastoril e cinegético, o repertório das pragas, a ornitologia sagrada, as bestas de poder e os animais do altar são mobilizados para tornar visível o agir de YHWH na história e no corpo social, condensando teologia em imagens de alta densidade.
A prosperidade coletiva e o juízo histórico são codificados em animais. A multiplicação de rebanhos e gado sinaliza a bênção criacional e a fidelidade da aliança: YHWH é representado como Senhor de “todo o gado” e o incremento de “rebanhos” marca tempos de florescimento, como no retrato da riqueza patriarcal e da fortuna de Jó, expressas por cabeças de ovelhas, cabras, bois e camelos que funcionam como índices sociais de paz e estabilidade (Gênesis; Jó). Em contraponto, o juízo divino chega como enxame vivo: pragas de gafanhotos que devoram a colheita e nuvens de moscas que tornam a terra impraticável reencenam, em memória cultual, a pedagogia do êxodo e reaparecem como aviso em salmos históricos e na profecia, onde insetos e vermes exemplificam a fragilidade da soberba humana (Êxodo; Joel; Salmos 78; Salmos 105). Em chave ermo-apocalíptica, chacais assinalam desolação de cidades e campos, e a figura do javali que devasta a vinha corporifica inimigos que fazem da terra de YHWH um espólio, enquanto os cães, sintaxe do perigo e do escárnio social, rondam como imagem do cerco e da impureza (Salmos 44; Salmos 80; Salmos 22). Estudos sobre os salmos históricos explicitam como a memória das pragas é organizada para formar identidade e advertir, reforçando a pedagogia de bênção/juízo por meio desses seres vivos (BUSTER, Remembering the Story of Israel: Historical Summaries and Memory Formation in Second Temple Judaism, 2022, pp. 37-196).
As metáforas ético-sapienciais cruzam a observação animal com a formação do caráter. O justo é “audaz como o leão”, cristalizando coragem e estabilidade diante do pânico dos ímpios (Provérbios 28). O tolo é comparado ao cão que volta ao vômito, imagem visceral que associa hábito moral à repetição compulsiva, e a esperança do ímpio é frágil “como teia”, figura tecida pela aranha que desvenda a inconsistência de projetos sem temor de Deus (Provérbios 26; Jó 8). Esses provérbios se articulam ainda à crítica do militarismo pragmático: “o cavalo é preparado para o dia da batalha, mas do Senhor vem a vitória”, deslocando a confiança do arsenal para a providência (Provérbios 21; Salmos 33; Salmos 20). A pesquisa especializada realça essa pedagogia do limite: a prontidão do cavalo é reconhecida, mas a teologia da vitória relativiza todo poder instrumental (FOX, Aspects of the Religion of the Book of Proverbs, 1968, pp. 55–69).
Na poética amorosa, a imagética animal opera como metáfora incarnada do eros e da beleza. As gazelas e os veados, com sua leveza e vigor, emolduram a prontidão amorosa e o desejo; o “rebanho de cabras” vertendo pelas encostas figura a ondulação dos cabelos, e o “rebanho de ovelhas” recém-tosquiadas traduz o branco ordenado dos dentes. Esses retratos constroem um imaginário pastoril em que o corpo amado se diz por zoologia doméstica e silvestre, e jogos de linguagem com teônimos pontilham a intertextualidade, mantendo tensão entre erotismo e reverência (Cântico 2; Cântico 4; Cântico 6). A crítica literária recente destaca como essas imagens dissolvem fronteiras entre humano, animal e paisagem, tornando a fala amorosa um laboratório de metáforas vivas (COUEY, Biblical Poetry and the Art of Close Reading, 2018, pp. 111-146).
Na teofania e no refúgio, aves e rebanhos entram na gramática do encontro com Deus. “Asas” divinas abrigam, como uma grande ave que recolhe os filhotes, e a promessa de “renovar forças como a águia” traduz a experiência de recomeço em linguagem ornitológica (Salmos 17; Salmos 57; Salmos 61; Salmos 63; Salmos 91; Isaías 40). Comentários sublinham que o abrigo “à sombra das asas” é um tropo recorrente para a proteção de YHWH, enquanto a águia condensa potência, altura e longevidade (ROWLANDS, Jesus and the Wings of Yhwh, 2019, pp. 115–36). A criação inteira reage à presença do Senhor: “os montes saltam como cordeiros”, o que poeticamente traduz soberania cósmica com imagens pastorais em salmos do Hallel (GRUBER, Ten Dance-Derived Expressions in the Hebrew Bible, 1981, pp. 328–46).
No campo da política e da guerra, a zoologia simbólica é preferencial. “Touros fortes de Basã” designam inimigos poderosos, e a cavalaria real é reconhecida como máquina de combate ao mesmo tempo em que é teologicamente relativizada pela interdição de confiar em “cavalos e carros” (Salmos 22; Salmos 20; Salmos 33; Provérbios 21). Estudos mostram como “touros de Basã” funcionam como metáfora de elites agressoras, e como a memória de guerra atravessa a literatura hebraica moldando uma crítica de poder e um imaginário de resistência (MILLER, Baals of Basha, 2014, pp. 506–15).
No culto e na liturgia, os animais estruturam o sistema sacrificial e a linguagem do louvor. O Pentateuco estabiliza um léxico técnico para espécies, sexo, pureza e defeito, ao passo que os Salmos e a Sabedoria fazem ressoar esse repertório em súplicas e ações de graças. O sopro do šōfār inscreve a acústica animal na celebração: convoca assembleias, marca festas e intensifica o louvor régio e cósmico (Salmos 47; Salmos 81; Salmos 98; Salmos 150). A musicologia bíblica observa explicitamente o papel do šōfār nos salmos festivos e no calendário, confirmando o entrelaçar de zoologia, som e rito (HERBERT; MYERS; WALLACE, The Cambridge Encyclopedia of Brass Instruments, 2018, pp. 45-459).
Na idolatria e na polêmica profética, o boi e o bezerro concentram a crítica contra a troca do Deus vivo por imagens. Os relatos e hinos históricos lembram que “trocaram a sua glória pela figura de um boi que come erva”, e a iconografia do bezerro torna-se índice-síntese da prostituição cultual e da regressão ao Egito (Êxodo 32; Salmos 106). A bibliografia especializada mostra como a tradição do bezerro serve de hiperícone da idolatria, estruturando leituras posteriores e sustentando a crítica à fabricação de deuses à imagem de animais (SHERWOOD, Biblical Blaspheming: Trials of the Sacred for a Secular Age, 2012, pp. 99-128).
A travessia desses campos confirma a plasticidade teológica da zoologia bíblica. Do ṣōn que prospera aos tannîm que assombram ruínas; do leão que perfila a coragem ao cão que didatiza o vício; das gazelas que encarnam desejo ao abrigo sob as “asas”; dos “touros de Basã” à interdição de confiar em cavalos; do animal sem defeito no altar ao šōfār que estremece a assembleia; do bezerro de ouro à denúncia da “troca da glória”, a imagética animal adensa memória, culto, ética e política, convertendo o mundo vivo em gramática do Deus que julga e salva.
V. Corpus e gênero: variações de uso
A imagética animal apresenta variações marcantes conforme o corpus e o gênero literário, e pode ser mapeada ao longo de três eixos: Sabedoria e Poéticos com foco pragmático (economia, comportamento animal, lições morais), recorrendo a metáforas pessoais e não históricas; Profetas e História com animalidade aplicada a impérios e exércitos, isto é, zoomorfismos de potências; e, por fim, notas musicais e títulos de melodias que preservam nomes de animais no aparato paratextual do Saltério. Em Sabedoria e Poéticos, a densidade zoológica comprova-se tanto pela frequência quanto pela orientação prática: há abundância de referências literais e metafóricas a ḥayyāh como “criaturas vivas”, frequentemente “feras” e, por extensão, o conjunto da vida animal nas suas moradas e ecologias (Jó; Salmos; Eclesiastes), o que assinala a variedade do mundo criado e o cuidado providente de YHWH (Salmos 50; Jó 12; Salmos 145; Salmos 136; Salmos 104). No mesmo horizonte sapiencial, o uso é pragmaticamente orientado: ovelhas e cabras fornecem leite, vestimenta e instrumentos (o šōfār), exigem vigilância, e a sua multiplicação sinaliza prosperidade, enquanto a criação, personificada, responde com júbilo, “saltando como cordeiros” (Provérbios 27; Jó; Salmos 65; Salmos 114). Essa marca de Sabedoria e Poéticos distingue-se do Pentateuco, onde a especificação sacrificial e técnica predomina; nos livros sapienciais, ao contrário, as espécies aparecem sobretudo como recursos, sinais de conduta ou metáforas, com o detalhamento cultual remetido “aos primeiros cinco livros” (Jó 31; Provérbios 27; Salmos 50). A moralização do cotidiano, própria do gênero, ergue exemplos em miniatura: formigas ilustram diligência e previdência e abelhas a pressão das nações sobre o suplicante; o leão fornece um índice duplo de poder e limite, e o cavalo a confiabilidade ambígua do preparo militar diante da soberania de YHWH (Provérbios 6; Provérbios 30; Salmos 118; Jó 38; Salmos 34; Salmos 33; Salmos 20). A dimensão afetiva e não histórica intensifica-se no eros poético: gazelas, corsas e pombas elevam o corpo amado e o desejo por meio de comparações pastoris e ornitológicas, com jogos de linguagem que tocam nomes divinos; a solidão do orante é figurada como “ave só” (Cântico 2; Cântico 4; Cântico 7; Salmos 102). A crítica acadêmica tem mostrado que essa pedagogia pragmática e afetiva é constitutiva da Sabedoria, na qual animais, aves e peixes representam “habitantes das três esferas” e sustentam uma leitura ecológica e ética do cotidiano (cf. MILLAR; KEEFER, The Cambridge Companion to Biblical Wisdom Literature, 2022, pp. 389-474).
Em Profetas e História, a animalidade é projetada sobre coletivos político-militares: impérios, exércitos e mitos de poder são reconfigurados como criaturas. A tradição que identifica Raabe com o Egito em sentido simbólico exemplifica a transposição de nações para monstros aquáticos, enquanto tannîn pode denotar “forças nacionais” ou “monstros” oponentes do Deus criador (Jó 26; Salmos 87; Salmos 89; Salmos 74; Salmos 148; Salmos 91). Essa linha foi minuciosamente explorada por John Day em God’s Conflict with the Dragon and the Sea (1985), ao rastrear como o combate divino contra mar e monstros fornece um léxico para narrar libertação e juízo. O repertório mítico, reelaborado poeticamente, abarca Leviatã e correlatos, não para lhes conceder crédito literal, mas para afirmar o domínio de YHWH sobre o caos (Jó 41; Salmos 74; Salmos 104). Em paralelo, a profecia historiciza a fauna para descrever movimentos imperiais concretos: as “nuvens” de gafanhotos figuram avanço bélico e esmagamento agrícola, como mostram leituras de Joel que explicitam a metáfora coletiva da praga como exército. A zoomorfização das potências também opera por parábolas régio-imperiais: a “grande águia” de Ezequiel 17 codifica reis e alianças em imagética aviária, leitura consolidada em estudos de conjunto sobre a alegoria (Ezequiel 17; ver GREENBERG, Ezekiel 17: A Holistic Interpretation, 1983, pp. 149-154, CROSSAN, Parable as Religious and Poetic Experience, 1973, pp. 330–358). Na retórica isaiana em ambiente neo-assírio, o jugo imperial é descrito por imagens de arreios e domínio animal (“colocarei o meu anzol no teu nariz”), atestadas como idiomatismo político nos dossiês sobre Assíria e Isaías (2 Reis 19; Isaías 37; ver 1. CHAN, The Book of Isaiah in the Neo-Assyrian Period, 2024, pp. 13-32). A própria documentação léxica do corpus reconhece esse deslocamento histórico-político da fauna para atores coletivos ao admitir que tannîn e congêneres funcionam como nomes-síntese de forças nacionais contrárias a YHWH, o que reforça o padrão de animalidade aplicada a impérios e exércitos (Jó; Salmos 74; Salmos 148; Salmos 91).
No plano paratextual, as notas musicais e “títulos de melodias” com animais preservam o entrelaçar de zoologia e culto. Salmos portam indicações melódicas como “A Corça da Alva” e “Uma Pomba em Terebintos Distantes”, que situam a peça dentro de um repertório performático conhecido, possivelmente melodias ou modos associáveis a instrumentos e tessituras (Salmos 22; Salmos 56). Pesquisas sobre os títulos do Saltério documentam que grande parte do livro ostenta superscrições variadas, entre as quais nomes de instrumentos e de melodias, e discutem justamente como essas rubricas funcionam na prática musical antiga (BROWN, The Psalms and Hebrew poetry, 2016, pp. 253-273). A tradição exegética medieval reconheceu essa dimensão ao debater se tais títulos nomeiam instrumentos ou melodias, caso discutido, por exemplo, em estudos sobre a hermenêutica de Rashi (COHEN, Rashi’s Notion of “the Poet” (ha-Meshorer) in the Latin Context, 2021, pp. 187-206, A New Program of Peshat (“Plain Sense” Exegesis), 2021, pp. 26-54).
Assim, as variações de uso por corpus e gênero confirmam o seguinte padrão: em Sabedoria e Poéticos predomina o foco pragmático (economia, comportamento animal, lições morais), com metáforas pessoais e não históricas que instruem e consolam; em Profetas e História, a imagética animal ascende ao nível geopolítico, aplicando-se a impérios e exércitos por zoomorfismos de potências, ora por mitologemas submetidos ao senhorio de YHWH, ora por parábolas e oráculos que politizam a fauna; e, por fim, no Saltério, a memória musical registra títulos de melodias com animais, preservando o elo entre linguagem zoológica, performance e culto. Essa arquitetura não exclui interpenetrações, mas organiza o conjunto, como se vê no léxico sapienciais do rebanho, no bestiário profético da guerra e do exílio, e nos paratextos do Saltério, que mantêm a zoologia como assinatura acústica da oração. Esses traços estão internalizados no próprio mapeamento do material: a literatura sapiencial e poética “abunda” em referências literais e figuradas, com forte orientação prática; os monstros e as imagens marinhas são reelaborados para dizer história e juízo; e as rubricas musicais conservam nomes animais como pistas de execução e memória.
VI. Questões filológicas e de tradução
A leitura da fauna bíblica atravessa problemas recorrentes de identificação zoológica, polissemia lexemática e expressões idiomáticas que exigem decisões tradutórias finas. Este tópico organiza essas questões em três frentes: dificuldades de identificação de espécies, sobreposição e polissemia de nomes, e idiomatismos cuja literalidade é enganosa. Essas três frentes — dificuldades de identificação (coruja/avestruz; pelicano; “lagartixa” versus “aranha”; rĕʾēm “boi selvagem”; ʾelep/“chefes”), polissemia e sobreposição de lexemas (múltiplos termos para leão, gafanhoto, “vaca”; nešer “águia/abutre”), e expressões idiomáticas (baʿal kānāp, zarzîr motnayim) — organizam o campo e determinam o mapa de problemas tradutórios ao longo do Antigo Testamento.
A primeira dificuldade é a identificação de aves crepusculares e esteparias. O par de termos kôs e qāʾat em Salmos 102:6 oscila entre “coruja” e “pelicano”, com a imagem de solidão desolada sustentando ambas as leituras; a oscilação mostra como línguas receptoras alternam entre espécies diferentes para conservar o mesmo efeito semântico-imagético, e isso se vê também na regra cruzada com yaʿănâ, cuja tradução pode pender para “coruja” ou “avestruz” em contextos de lamento (Jó 30:29), um indício de campo semântico mais amplo do que a taxonomia moderna pressupõe. Nessa zona, estudos sobre aves bíblicas notam que a imagem de qāʾat e de “pelicano do deserto” funciona como índice de isolamento e ruína, um valor discursivo mais forte do que a precisão ornitológica (ver discussão sinótica de traduções em Salmos 102:6).
O termo nešer é paradigmático da tensão entre zoologia e metáfora: a tradição de “águia” convive com forte evidência filológica e histórica para “abutre”, notadamente o grifo (Gyps fulvus), cuja nudez cefálica (“calvície”) e hábitos de voo e ninho combinam com textos como Êxodo 19:4; Deuteronômio 32:11; Obadias 4 e Miquéias 1:16. A literatura técnica recente argumenta que, no hebraico bíblico, nešer denotava primariamente abutres (com distinções internas possíveis) e só secundariamente pôde abranger águias, o que explica por que tradições gregas preferiram aetos e por que versões modernas hesitam entre “águia” e “abutre” (AHARONI, On Some Animals Mentioned in the Bible, 1938, pp. 461–78).
Em nomes de grandes mamíferos, rĕʾēm deixou um arquivo tradutório notório: “unicórnio” na Vulgata e em versões influentes contra a hoje majoritária leitura “boi selvagem/auroque”, sustentada por paralelos semíticos, iconografia do Levante e pelo campo semântico da força indomável em Números 23:22; Deuteronômio 33:17; Jó 39:9–12; Salmos 22:21; 92:10; Isaías 34:7. O valor imagético de potência indomável é o alvo do texto; “boi selvagem” preserva esse valor sem projeções míticas indevidas.
Ainda nos problemas de identificação, Provérbios 30:28 apresenta śĕmāmît, termo hapax que motivou a bifurcação “aranha” (em parte por tradição exegética medieval) versus “lagartixa/geco” (apoiada por dados zoológicos do Levante e por paralelos lexicais). O quadro sábio contrasta um ser frágil que, contudo, entra nos palácios, e, nesse enredo, a lagartixa doméstica — que se esgueira por paredes e frestas — serve melhor ao paralelismo imagético do dístico.
A polissemia e a sobreposição de lexemas tornam-se críticas em campos semânticos densos. O domínio de felinos reúne labiʾ, kĕpîr, ʾaryēh, lāyish e šāḥal, em gradações entre “leão novo”, “leão” e “leopardo/pantera”, e a escolha tradutória reorganiza nuances de vigor, idade e comportamento. A literatura sapiencial explora essa paleta para efeitos retóricos divergentes, e a profecia alterna a ameaça com a majestade. No campo dos insetos, o hebraico preserva mais de meia dúzia de termos para “gafanhoto” e correlatos de ortópteros (ʾarbeh, ḥāgāb, gĕbîm, ḥāsîl, yeleq, tĕleʿ etc.), e a correlação entre espécie e termo nem sempre é segura, o que exige sensibilidade a registros poéticos, pragas agrícolas e metáforas de devastação (por exemplo, Joel). No domínio bovino, o sistema bāqār, bĕhemâ, pār, šôr e afins tensiona “gado” como coletivo, espécie, sexo e uso sacrificial; e ʾelep pode significar “mil” ou “clã/chefes”, criando dilemas notórios em recenseamentos (Números 1; 26) e em poesia real (Salmos 144:14), onde a leitura “chefes” concorre com “cabeças de gado” para compor um quadro de abundância e ordem social. Sobre aves de rapina, ʾayyâ e nēṣ recobrem “açor/gavião” e “falcão/caça” com zonas de intersecção; por isso, propõe-se às vezes repontuação para ajustar referências em Jó 28:7 e 15:23, ilustrando como a crítica textual participa das escolhas zoológicas.
A discussão sobre nešer ilustra, além da identificação, um caso clássico de polissemia: do ponto de vista do uso bíblico, “abutre” é excelente candidato nuclear; do ponto de vista de extensões semânticas e da recepção antiga (grega e latina), “águia” entrou como hiperônimo prestigioso (CANNON, The Biblical Nesher as the Griffon Vulture, Gyps fulvus:, 2024, pp. 470-493). O estado da arte, reunindo zoologia histórica da Palestina e levantamento filológico diacrônico, sustenta nešer como “abutre (sobretudo grifo)”, sem excluir usos metafóricos mais amplos (AHARONI, ibid., 1938, pp. 461–478)
Entre idiomatismos, baʿal kānāp (“senhor da asa/da asa alada”) funciona como coletivizador poético para “aves” em contextos de armadilhas e indiscrição — por exemplo, Provérbios 1:17, Eclesiastes 10:20 (“a ave do céu levará a tua voz, e o baʿal kānāp dirá a palavra”). Alguns intérpretes propõem especificidade para grandes necrófagos (v.g., o grifo) por coerência de cenário e comportamento; outros mantêm o valor genérico. Em qualquer caso, a força do idiomatismo é a personificação do reino alado como veículo e testemunha. Em Provérbios 30:31, zarzîr motnayim (“cingido de lombos”) é notoriamente enigmático; propostas variam entre “galo” (que “se pavoneia”), “estorninho” (com apoio em paralelos semíticos modernos), “corvo/magpie” e até “galgo/cão de corrida”, todas tentando explicar por que a expressão marca elegância marcial do conjunto numérico que inclui o bode e o rei. O consenso atual inclina a ver no zarzîr uma ave combativa cuja postura “cingida” corresponde ao quadro imagético do provérbio; a tradução “galo” tem a favor a recepção judaica tardia e o paralelismo de “passos altivos” (TORREY, Proverbs, Chapter 30, 1954, pp. 93–96)
A interação entre mito e filologia comparece quando nomes de “monstros” e “feras” passam da zoologia à teologia. Motivos de tannîn, Rahab e Leviatã articulam-se com o mar e o caos e interferem na tradução: preservar “dragão/serpente do mar” mantém ecos cananeus e o contraste com o pastoreio do rebanho divino. O efeito imagético é central para a interpretação dos Salmos e de Isaías; a historicização zoológica é secundária nessas ocorrências. Uma síntese programática dessa interseção entre mito e imagem animal, de matriz cananeia, foi estabelecida por DAY (1985), recurso de fundo para sopesar quando a linguagem do “animal” deixa de apontar para espécies e passa a indexar drama teológico.
No plano aplicado da tradução, três princípios emergem. Primeiro, privilegiar valores semânticos e pragmáticos do contexto sobre identificações zoológicas estritas, quando o efeito retórico é o núcleo do texto (por exemplo, a solidão de Salmos 102:6; a altivez em Provérbios 30:29–31). Segundo, explicitar em notas quando um nome polissêmico admite mais de uma espécie plausível, como nešer e ʾayyâ, para evitar que imagens teológicas (proteção, juízo, soberba) sejam empobrecidas por escolhas taxonômicas rígidas. Terceiro, em hapax ou itens de baixa frequência (como śĕmāmît), ponderar a verossimilhança ecológica do Levante e o paralelismo poético do dístico antes de importar tradições exegéticas tardias que não sirvam ao cenário.
Por fim, alguns casos resumem a metodologia. Em Números 23:22 e Deuteronômio 33:17, traduzir rĕʾēm como “boi selvagem” mantém a energia de potência não domesticada sem aderir ao imaginário do “unicórnio”; em Salmos 144:14, avaliar ʾelep como “chefes/clãs” pode resgatar uma linha social-administrativa que faz sentido no paralelismo com estabilidade urbana, sem excluir, noutros textos, o valor “mil/bois”. Em Provérbios 30:28 e 30:31, preferências por “lagartixa” e “galo” não anulam a incerteza histórica, mas servem melhor aos cenários doméstico e performático requeridos pelos provérbios. Para nešer, a manutenção de “abutre” em Êxodo 19:4; Deuteronômio 32:11; Obadias 4 evita inconsistências descritivas (“calvície”, hábitos de limpeza e voo termal) e harmoniza com dados ornitológicos do Levante.
VII. Astronomia simbólica
A memória astronômica do Antigo Testamento preserva, em linguagem poética, nomes de astros e agrupamentos estelares cuja função é doxológica: nomear o céu é convocar a criatura a reconhecer a soberania do Criador. Passagens como Jó 9:9 e Jó 38:31–33, além de Amós 5:8 e Isaías 13:10, alinham constelações e “ordens” celestes justamente para exaltar o governo de YHWH sobre o cosmo. Em hebraico bíblico, emergem, entre outros, os termos kîmāh (Plêiades), kesîl (Órion), ʿayiš (geralmente entendida como Ursa) e mazzārôt (provavelmente o conjunto das constelações do zodíaco), compondo um léxico onde astronomia e teologia se entrelaçam em registro litúrgico e sapiencial (Jó 9:9; Jó 38:31–32; Amós 5:8; Isaías 13:10). Para o quadro de conjunto em língua portuguesa, a literatura recente ressalta que esses nomes de constelações eram “conhecidos pelos povos antigos”, citando explicitamente Plêiades, Órion e, no corpus de Jó, os blocos retóricos que fazem dessas nomeações um argumento sobre a ordem dos céus e a pequenez humana, como em Jó 38:31–33 (SILVA, Estrutura Literária do Livro de Jó, 2024, pp. 701–718)
A. Constelações zoomórficas (Ursa/“Urso”) como vestígios da cosmologia literária e da doxologia criacional.
Entre as figuras celestes de perfil animal, a ʿayiš é paradigmática. Em Jó 38:32, o hebraico apresenta “ʿayiš com seus filhos” (ou “filhas”), tradução que preserva o paralelismo com mazzārôt e reforça o motivo zoológico no céu: uma “ursa” conduzindo a sua prole sob o comando de Deus, que é quem “faz sair” as constelações “a seu tempo” e as “guia”. A forma gráfica עיִשׁ (ʿayiš) aqui, e o provável correlato עַשׁ (ʿaš) em Jó 9:9, explicam a flutuação antiga entre “Ursa”, “Arcturus” e outras leituras; a tradição lexicográfica e exegética, porém, tende a identificar ʿayiš com a Ursa Maior, exatamente por causa do sintagma “seus filhos/filhas”, paralelo às designações árabes Naʿsh (“o esquife”) e Banāt Naʿsh (“as filhas do esquife”) para o asterismo do cabo do “carro” — imagem que casa com “Ursa com sua comitiva” (Jó 38:32)
A identificação de kîmāh com as Plêiades e de kesîl com Órion é atestada de modo constante na tradição erudita moderna e já se vê discutida desde o século XIX; a literatura técnica observa que kîmāh denota um “aglomerado” (daí Plêiades), enquanto kesîl, cuja raiz significa “insensato”, tornou-se nome próprio de constelação por via semântica-cultural (Jó 9:9; Jó 38:31; Amós 5:8). Estudos clássicos de história da astronomia bíblica recolhem esse consenso básico, ainda que apontem incertezas pontuais. Em análise sincrônica recente do livro de Jó, o arranjo destes nomes em sequências retóricas é lido como parte do desenho literário pelo qual a fala divina desloca a pretensão de saber de Jó: os “cordéis” das Plêiades, o “cinto” de Órion e a ʿayiš “com seus filhos” exemplificam, na própria textura poética, um catálogo cósmico a serviço da doxologia.
Quanto a mazzārôt, Jó 38:32 conserva um hapax cujo sentido mais provável é “constelações” ou, de modo mais específico, os “signos” do zodíaco, em paralelo com mazzālôt de 1 Reis 23:5 [i.e., 2 Reis 23:5] no contexto de práticas astrais. Léxicos e compêndios históricos registram ambas as possibilidades e discutem, inclusive, traduções antigas que aventaram “Vênus” ou “Hyades”, embora a leitura “constelações do zodíaco” continue dominante no enquadramento poético de Jó 38:31–33. O debate especializado sobre o par “Plêiades/Órion” e o alcance de mazzārôt, que remonta à erudição oitocentista, pode ser acompanhado, por exemplo, no artigo “Pleiades, Orion and Mazzaroth. Job XXXVIII., 31, 32” (LANSING, ibid., 1885, pp. 236–41).
A ʿayiš como Ursa Maior não é, contudo, uma unanimidade. Correntes minoritárias já propuseram identificar a palavra à estrela Alcyone (a mais brilhante das Plêiades) ou ao astro Arcturus, leitura que ecoa versões antigas e a tradição medieval judaica; a objeção principal a essas propostas é justamente a imagem dos “filhos/filhas”, que se adequa melhor à Ursa com seu “trem” (ou “séquito”), como notam enciclopédias e manuais. Ainda assim, a pluralidade de leituras comprova que Jó opera com símbolos astronômicos partilhados no Antigo Oriente Próximo, mas ressignificados como prova da desproporção entre o humano e o divino: não se trata de astrologia normativa, mas de cosmologia literária a serviço da confissão da providência (Jó 38:31–33; Amós 5:8).
Nesse horizonte, a presença de constelações zoomórficas funciona como índice do “realismo simbólico” da poesia bíblica: o céu é povoado por imagens animais cuja força está menos na exatidão técnica e mais no seu papel doxológico. Nomear kîmāh, afrouxar ou apertar o “cinto” de kesîl, conduzir ʿayiš “com seus filhos” e fazer sair as mazzārôt “a seu tempo” são operações que, no discurso divino de Jó, exibem o contraste absoluto entre a agência criacional de Deus e a finitude das criaturas (Jó 38:31–33). Essa leitura, recorrente tanto em manuais históricos da astronomia bíblica quanto na exegese de Jó, situa a Ursa como o emblema zoomórfico por excelência desse repertório (QUAINTON, The Astronomy of the Bible, 1926, p. 193).
Do ponto de vista filológico, é relevante notar a alternância ʿaš/ʿayiš entre Jó 9:9 e 38:32, já observada na literatura rabínica e moderna, e a presença do motivo dos “filhos/filhas” ligado ao asterismo (as três estrelas do cabo) em tradições semíticas extra-bíblicas, o que sustenta a leitura “Ursa com sua prole” como um semantismo transparente para leitores antigos. Em suma, a “astronomia simbólica” do Antigo Testamento — e, dentro dela, a constelação zoomórfica da Ursa — opera como vestígio de uma cosmologia literária que se converte, na boca das personagens e de YHWH, em doxologia criacional: a ordenação dos céus é argumento de louvor e de humildade (Jó 9:9; Jó 38:31–33; Amós 5:8), não catálogo técnico.
VIII. Animais no Novo Testamento
A simbologia animal no Novo Testamento aprofunda e reconfigura imagens herdadas do Antigo Testamento, articulando cristologia, discipulado, identidade comunitária e discernimento escatológico. Entre Evangelhos, Atos, Epístolas e Apocalipse, os animais funcionam como marcadores de pertença, advertência e esperança, ora como metáforas pastorais e catequéticas, ora como figuras de combate espiritual e crítica ao Império.
A cristologia do “Cordeiro” assume centralidade: João apresenta Jesus como o amnós que “tira o pecado do mundo” (João 1) e o Apocalipse retoma, de modo insistente e paradoxal, o arnion entronizado, que vence por meio do martírio e reúne um povo sacerdotal (Apocalipse 5; 7; 14). Estudos recentes realçam que o arnion subverte a gramática do poder imperial ao combinar fraqueza aparente e autoridade soberana, dramatizando o conflito entre o governo de Deus e as pretensões de Roma. Essa leitura do “Cordeiro” como foco teológico e político de Apocalipse — ora em chave de resistência, ora de culto — é pedra de toque da pesquisa atual sobre a obra (EMANUEL, Allegiance to the Lamb: Humor, Hybridity, and a Reading against the Gaze, 2020, pp. 167-200). Em perspectiva pastoral popular, publicações de teologia em língua portuguesa sublinham que todo o livro se organiza em torno do Cordeiro ressuscitado, único digno de abrir o livro selado e de conduzir a história à sua consumação, o que recolhe e ressignifica imagens veterotestamentárias do êxodo e da aliança (MAZZROLA; ZANINI, Apocalipse e a Pandemia: Jesus Inserido na Realidade das Vítimas, 2020, pp. 733–754).
As imagens pastorais de ovelhas, rebanho e pastor atravessam os quatro Evangelhos e adquirem densidade singular em João 10, onde Jesus, “o Bom Pastor”, conhece e chama as suas ovelhas pelo nome, dá a vida por elas e contrapõe sua solicitude à violência de ladrões e mercenários. Pesquisas de referência mostram como o capítulo mobiliza tradições proféticas (Ezequiel 34) e estrutura a identidade da comunidade pelo binômio conhecimento–pertença, com forte impacto na arte cristã primitiva, que consagrou o “Bom Pastor” como signo visual de cuidado e proteção (SKINNER, The Gospel according to John, 2021, pp. 199-218). O motivo alimenta ainda leituras intertextuais sobre conflito, unidade e mediação de vida por meio da morte, ao lado de debates exegéticos recentes sobre o simbolismo joanino (BLUMHOFER, Debate: John 5–10, 2019, pp. 103-175).
No âmbito da proclamação e do discipulado, o campo semântico de ovelhas–lobos serve ao discernimento pastoral e à ética missionária. A imagem de “lobos em pele de ovelha” adverte contra falsos mestres e corrosão comunitária, delineando, já nos Evangelhos, um código simbólico que a tradição cristã mobilizou ao longo dos séculos em contextos de crise e disputa doutrinária (HELMERS, ‘When in my neighbourhood the cannons raged’: war andregicide in estate poetry, 2015, pp. 149-171). Em paralelo, a instrução “sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas” (Mateus 10) articula duas espécies em tensão didática — sagacidade e pureza — como virtudes missionais num ambiente hostil, um campo de imagens que literatura e comentário teológico vêm explorando como léxico ético do envio (FERBER, A Dictionary of Literary Symbols, 2017, pp. 200-201)
As aves consolidam o registro de providência e reconhecimento divino. A pomba (peristera) manifesta a descida do Espírito no batismo de Jesus, e investigações de iconografia e história das religiões discutem como a escolha dessa ave — associada à benignidade e à presença divina — opera como signo de revelação e filiação na cena inaugural do ministério (DIXON, Descending Spirit and Descending Gods: A ‘Greek’ Interpretation of the Spirit’s ‘Descent as a Dove’ in Mark 1:10, 2009, pp. 759–80). Pardais e corvos, por sua vez, ilustram a lógica do cuidado do Pai, relativizando ansiedades econômicas e hierarquias de valor humano nos discursos de Jesus (Mateus 10; Lucas 12), razão pela qual tratados sobre simbolismo de criaturas aladas retornam a essas perícopes quando mapeiam o bestiário moral dos Evangelhos (BAKER, Mesopotamian Civilization and the Origins of the New Testament, 2022, pp. 355-362). A ave do amanhecer, o galo, é índice de vigilância e de queda: o canto que marca a tripla negação de Pedro tornou-se emblema penoso de fraqueza e, simultaneamente, de conversão e memória litúrgica; não por acaso, a tradição arquitetônica ocidental fixou o galo nos campanários como sinal de vigília e oração (KIM, The Delayed Call for Peter in John 21:19: To Follow in and by His Love, 2017, pp. 41–64).
No universo aquático, o peixe (ichthys) concentra teologia e identidade. Desde cedo, o vocábulo grego funcionou como acróstico confessional (“Iēsous Christos Theou Huios Sōtēr”), motivo pelo qual a figura do peixe foi gravada em anéis, sarcófagos e grafites catecumenais. Sínteses sobre arte cristã primitiva mostram como o ichthys se tornou um dos emblemas mais difundidos da fé, ao lado do monograma de Cristo, ecoando também narrativas evangélicas de vocação (“pescadores de gente”), ceia e reconhecimento do Ressuscitado (João 21; STOKSTAD, Understanding and Enjoying the Earliest Christian Art, 2008, pp. 533–41).
A relação com a alteridade aparece figurada em cães e porcos. A advertência de não dar “o santo aos cães” nem lançar “pérolas aos porcos” (Mateus 7) dramatiza o mau uso do sagrado e o risco de profanação. E nas narrativas sobre a mulher siro-fenícia/cananeia (Marcos 7; Mateus 15), o diminutivo kynárion, “cachorrinhos”, tem sido reavaliado: análises lexicais recentes mostram que o termo mantém força diminutiva em Marcos 7:27, o que altera a carga pejorativa direta e situa o diálogo no horizonte de uma prova que culmina na inclusão da suplicante entre os destinatários da misericórdia. Ao mesmo tempo, leituras socio-históricas lembram o uso étnico de “cães” no Mediterrâneo antigo e o desconforto ético que o episódio suscita, tornando-se um locus de debate sobre linguagem, fronteiras e fé (CROY, Puppies and Pejoratives: Did Jesus Insult the Syrophoenician Woman (Mark 7.24-30)? 2024, pp. 407-420). Já os porcos, em Marcos 5 (endemoninhado da Decápole), funcionam como índice de impureza e de fronteira cultural, e a transferência dos demônios para a manada, precipitada ao mar, reencena o triunfo de Jesus sobre poderes caóticos em território gentílico (SPARKS, KENTON, Gospel as Conquest: Mosaic Typology in Matthew 28:16-20, 2006, pp. 651–63).
No eixo político, a raposa serve ao desmascaramento. Ao chamar Herodes Antipas de “essa raposa” (Lucas 13), Jesus associa o tetrarca à astúcia oportunista, imagem reconhecida por comentadores e historiadores como um recurso de crítica profética à duplicidade do poder. Estudos de longa duração anotam o eco do tropo na literatura política posterior, justamente por sua eficácia simbólica em nomear a perfídia governamental (PATTE, The Cambridge Dictionary of Christianity, 2010, pp. 490-579). A instrução comunitária toca também a linguagem animalizada da polêmica intraeclesial: “Cuidado com os cães” (Filipenses 3) ilustra a dureza de certos embates missionários; a pesquisa recente discute se a invectiva mira opositores judeus, rivais gentios ou missionários concorrentes, sempre lembrando a carga interétnica do epíteto (COLLMAN, Beware the Dogs! The Phallic Epithet in Phil 3.2, 2021, pp. 105-120)
Atos dos Apóstolos amplia o repertório com animais “impuros” e répteis na visão de Pedro (Atos 10): o lençol que desce do céu, cheio de “quadrúpedes, répteis e aves”, desarma a separação ritual e abre a porta aos gentios, como sinal de que Deus purificou aqueles que antes eram tidos por “impuros”. Comentários e estudos intertextuais ressaltam a centralidade dessa cena para a virada universalista de Lucas-Atos, destacando o protagonismo do céu e do Kyrios na iniciativa e a estratégia narrativa de emparelhar a visão de Pedro com a de Cornélio (MOORE, ‘He Saw Heaven Opened’: Heavenly Temple and Universal Mission in Luke-Acts, 2022, pp. 40-45) Ainda em Atos, a víbora que morde Paulo em Malta (Atos 28) compõe a dramaturgia de hospitalidade, provisão divina e desfecho missionário, tornando-se parte do mosaico em que criaturas servem de sinais de proteção e legitimidade do apóstolo.
O Apocalipse recolhe e radicaliza o bestiário apocalíptico com o drakōn e os thēría do mar e da terra, icônicos na recepção cultural da obra. Pesquisas acadêmicas recentes rastreiam como as “bestas” condensam a crítica aos cultos imperiais e às máquinas de perseguição, reinterpretando a zoologia simbólica de Daniel na chave da liturgia do Cordeiro. Mesmo elementos menores, como rãs, serpentes e escorpiões, contribuem à etopeia do mal ao longo da visão joanina, compondo um léxico animal de julgamento e engano por meio de pragas e sinais (SZYMAŃSKA-LEWOSZEWSKA, MARTA, ‘Be Ye Wise as Serpents & Innocent as Doves’, 2019, pp. 66–84). Ao lado disso, trabalhos de introdução sublinham a função de trono, corte celestial e cortejos animais como aparato retórico para confrontar “reivindicações rivais de poder”, ensinando o leitor a decifrar números, estruturas e imagens com disciplina e imaginação (MCALLISTER, The Cambridge Companion to Apocalyptic Literature, 2020, pp. 36-58).
Por fim, a tradição artística e catequética dos primeiros séculos confirma a centralidade didática dessas figuras animais. Catálogos de iconografia registram a pomba e o peixe entre os signos mais precoces, enquanto o Bom Pastor domina paredes e marfins como síntese da soteriologia evangélica em linguagem de fácil reconhecimento. Em termos de linguagem simbólica pública, o ichthys permanece até hoje a insígnia de pertença cristã, e estudos de História da Arte e de religião mapeiam sua circulação como “sinal de confissão” ao lado do chi-rho, da âncora e do próprio cordeiro.
Bibliografia
AHARONI, Israel. On Some Animals Mentioned in the Bible. Palestine Exploration Quarterly, Londres, v. 70, n. 4, p. 461-478, 1938. Dados editoriais não confirmados (v. e n. deduzidos por catálogos secundários).
ALTER, Robert. The Glory of Creation in Psalm 104. In: ALTER, Robert. The Hebrew Bible: A Translation with Commentary. New York: W. W. Norton, 2018. p. 49-60. Dados editoriais do ensaio confirmados por catálogos; capítulo sem DOI público.
ANDIÑACH, Pablo R. The Locust in the Message of Joel. Vetus Testamentum, Leiden, v. 42, n. 4, p. 433-441, 1992.
BAKER, Robin. Mesopotamian Civilization and the Origins of the New Testament. Cambridge: Cambridge University Press, 2022. DOI: 10.1017/9781009102018.
BLUMHOFER, Beth. Debate: John 5–10. Dados editoriais não confirmados (periódico e paginação).
BROWN, William P. The Psalms and Hebrew Poetry. In: BROWN, William P. (org.). The Oxford Handbook of the Psalms. New York: Oxford University Press, 2014 [citado como 2016 em algumas edições]. p. 253-273. Dados editoriais não confirmados para a edição/ano especificado pelo(a) solicitante.
BUSTER, Matthew. Remembering the Story of Israel: Historical Summaries and Memory Formation in Second Temple Judaism. Tübingen: Mohr Siebeck, 2022. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
CANNON, Fred S. The Biblical Nesher as the Griffon Vulture, Gyps fulvus: Ornithological Character Traits. Journal for the Study of the Old Testament, Londres, v. 48, n. 4, p. 470-493, 2024. DOI: 10.1177/03090892241293518. Nota: artigo hospedado em Sage.
CANNON, Fred S. The Biblical Nesher as the Griffon Vulture, Gyps fulvus: Ornithological Character Traits. (Entrada duplicada do item anterior.)
CHAN, Michael J. The Book of Isaiah in the Neo-Assyrian Period. In: HAYS, Christopher B. (ed.). The Cambridge Companion to the Book of Isaiah. Cambridge: Cambridge University Press, 2024. p. 13-32. DOI: 10.1017/9781108692809.003.
CHO, P. K.-K. Myth, History, and Metaphor in the Hebrew Bible. Cambridge: Cambridge University Press, 2019. DOI: 10.1017/9781108347921.
COETZEE, J. H. Psalm 104: A Bodily Interpretation of “Yahweh’s History”. Old Testament Essays, Pretória, v. 21, n. 2, pp. 298-309, 2008. DOI: 10.17159/2312-3621/2008/v21n2a9.
COHEN, Mordechai Z. Rashi, Biblical Interpretation, and Latin Learning in Medieval Europe: A New Perspective on an Exegetical Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 2021. DOI: 10.1017/9781108556538.
COHEN, Mordechai Z. Rashi’s Notion of “the Poet” (ha-Meshorer) in the Latin Context; A New Program of Peshat (“Plain Sense” Exegesis). In: COHEN, Mordechai Z. Rashi, Biblical Interpretation, and Latin Learning in Medieval Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2021. p. 187-206; pp. 26-54.
COLLMAN, Ryan D. Beware the Dogs! The Phallic Epithet in Phil 3.2. New Testament Studies, Cambridge, v. 67, n. 1, p. 105-120, 2021. DOI: 10.1017/S0028688520000107.
COUEY, J. Blake. Biblical Poetry and the Art of Close Reading. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
CROSSAN, John Dominic. Parable as Religious and Poetic Experience. The Journal of Religion, Chicago, v. 53, n. 3, pp. 330-358, 1973.
CROY, N. Clayton. Puppies and Pejoratives: Did Jesus Insult the Syrophoenician Woman (Mark 7.24-30)? New Testament Studies, Cambridge, v. 70, n. 3, p. 407-420, 2024. DOI: 10.1017/S0028688524000135.
DAY, John. God’s Conflict with the Dragon and the Sea: Echoes of a Canaanite Myth in the Old Testament. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. (Cambridge Oriental Publications, 35). DOI: 10.1017/CBO9780511520519.
DELL, Katharine J.; FORTI, Tova. “When a Bird Flies through the Air”: Enigmatic Paths of Birds in Wisdom Literature. In: VERDE, Danilo; LABAHN, Antje (eds.). Networks of Metaphors in the Hebrew Bible. Leuven; Paris; Bristol, CT: Peeters, 2020. pp. 245-261.
DIXON, Edward P. Descending Spirit and Descending Gods: A “Greek” Interpretation of the Spirit’s “Descent as a Dove” in Mark 1:10. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 128, n. 4, p. 759-780, 2009. DOI: 10.2307/25610218.
DOYLE, Brian. Howling like Dogs: Metaphorical Language in Psalm LIX. Vetus Testamentum, Leiden, v. 54, n. 1, p. 61-82, 2004. DOI: 10.1163/156853304772577622.
EMANUEL, Sarah. “I Pledge Allegiance to the Lamb”: Humor, Hybridity, and a Reading against the Gaze. In: EMANUEL, Sarah. Humor, Resistance, and Jewish Cultural Persistence in the Book of Revelation: Roasting Rome. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. pp. 167-200. DOI: 10.1017/9781108634250.006.
FERBER, Michael. A Dictionary of Literary Symbols. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. (1ª ed. 1999).
FINNEY, Paul Corby. Images on Finger Rings and Early Christian Art. Gesta, Chicago, v. 26, n. 1, p. 181-186, 1987. Dados editoriais não confirmados (páginas segundo referências secundárias).
FORTI, Tova. Animal Images in the Didactic Rhetoric of the Book of Proverbs. In: (org./obra coletiva não confirmada). 1996. p. 48-63. Dados editoriais não confirmados (obra coletiva).
FOX, Michael V. Aspects of the Religion of the Book of Proverbs. Hebrew Union College Annual, Cincinnati, v. 39, p. 55-69, 1968. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
FOX, Michael V. Behemoth and Leviathan. In: (obra coletiva/handbook; dados do volume não confirmados). 2012. p. 261-267. Dados editoriais não confirmados.
FRAYNE, Douglas. Monster-Bashing Myths: The Fifth Day of Creation in Ancient Syrian and Neo-Hittite Art. In: CREATION AND CHAOS: A Reconsideration of Hermann Gunkel’s Chaoskampf Hypothesis. Winona Lake: Eisenbrauns, 2013. pp. 63-97.
FRENEZ, David; GENCHI, …; DAVIDCUNY, …; AL-BAKRI, … The Early Iron Age Collective Tomb LCG-1 at Dibbā al-Bayah, Oman. Arabian Archaeology and Epigraphy, 2021, pp. 104-124. Dados editoriais não plenamente confirmados (autoria e periódico verificados em bases secundárias).
GARBER, David G. Jr. Frolicking in the Storm Lord’s Garden: Encountering the Creator and Creation in Psalm 104. Review & Expositor, Louisville, v. 121, n. 1, p. 84-91, 2024. DOI: 10.1177/00346373231221984.
GREENBERG, Moshe. Ezekiel 17: A Holistic Interpretation. Journal of the American Oriental Society, Ann Arbor, v. 103, n. 1, p. 149-154, 1983. DOI: 10.2307/602071.
GRENZER, Mateus. Aprendizados com a Catástrofe Climática (Êxodo 9,13-35). Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 54, n. 3, p. 375-391, 2022. DOI: 10.20911/21768757v54n3p375/2022.
GRUBER, Mayer I. Ten Dance-Derived Expressions in the Hebrew Bible. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 100, n. 3, p. 328-346, 1981. DOI: 10.2307/3266111.
HAYS, Christopher B. (ed.). The Cambridge Companion to the Book of Isaiah. Cambridge: Cambridge University Press, 2024. DOI: 10.1017/9781108692809.
HELMERS, Helmer J. “‘When in my neighbourhood the cannons raged’: War and Regicide in Estate Poetry”. In: HELMERS, Helmer J. The Royalist Republic: Literature, Politics, and Religion in the Anglo-Dutch Public Sphere, 1639–1660. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
HERBERT, Trevor; MYERS, Arnold; WALLACE, John (eds.). The Cambridge Encyclopedia of Brass Instruments. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. Dados confirmatórios de catálogo.
HUROWITZ, Victor A. Joel’s Locust Plague in Light of Sargon II’s Hymn to Nanaya. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 112, n. 4, p. 597-603, 1993. DOI: 10.2307/3267422.
HUNDLEY, Michael B. What Is the Golden Calf? Catholic Biblical Quarterly, Washington, DC, v. 79, n. 4, pp. 559-579, 2017.
JOERSTAD, Mari. The Hebrew Bible and Environmental Ethics: Humans, NonHumans, and the Living Landscape. Cambridge: Cambridge University Press, 2019. DOI: 10.1017/9781108568418.
KEEFER, Arthur J. The Book of Proverbs and Virtue Ethics: Integrating the Biblical and Philosophical Traditions. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. DOI: 10.1017/9781108877794.
KELHOFFER, James A. Timid Grasshoppers and Fierce Locusts: An Ironic Pair of Proverbs. Vetus Testamentum, Leiden, v. 49, n. 4, p. 545-548, 1999. DOI: 10.1163/156853399506393.
KIM, … The Delayed Call for Peter in John 21:19: To Follow in and by His Love. Dados editoriais não confirmados (periódico e paginação).
KLINGBEIL, Gerald A. Mapping the Literary to the Literal Image. In: (obra coletiva não confirmada). 2009. p. 205-222. Dados editoriais não confirmados.
LANDY, Francis. Metaphorical Clusters in Isaiah. In: VERDE, Danilo; LABAHN, Antje (eds.). Networks of Metaphors in the Hebrew Bible. Leuven; Paris; Bristol, CT: Peeters, 2020. p. 47-60.
LERNER, Berel Dov. Timid Grasshoppers and Fierce Locusts: An Ironic Pair of Biblical Metaphors. Vetus Testamentum, Leiden, v. 49, n. 4, p. 545-548, 1999. DOI: 10.1163/156853399506393.
LORETZ, Oswald. The Theme of the Ruth Story. 2025. Dados editoriais não confirmados (pré-publicação/sem ficha editorial pública).
LYNCH, Matthew J. Portraying Violence in the Hebrew Bible: A Literary and Cultural Study. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. DOI: 10.1017/9781108637558.
MAZZROLA, …; ZANINI, … Apocalipse e a Pandemia: Jesus Inserido na Realidade das Vítimas. 2020. Dados editoriais não confirmados (periódico/paginação).
MCALLISTER, Colin (ed.). The Cambridge Companion to Apocalyptic Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2020. DOI: 10.1017/9781108394994.
MILLAR, Suzanna R.; KEEFER, Arthur J. The Cambridge Companion to Biblical Wisdom Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2022. Dados confirmatórios de catálogo.
MILLER, Geoffrey. Baals of Basha. 2014. Dados editoriais não confirmados (periódico/paginação).
MOORE, Nicholas J. “He Saw Heaven Opened”: Heavenly Temple and Universal Mission in Luke-Acts. New Testament Studies, Cambridge, v. 68, n. 1, p. 38-51, 2022. DOI: 10.1017/S0028688521000205.
NILSEN, Tor Vegge. The Creation of Darkness and Evil (Isaiah 45:6c–7). Revue Biblique, Paris, v. 115, n. 1, p. 5-25, 2008. DOI: 10.2143/RBI.115.1.3188900.
NOEGEL, Scott B. From Ape to Zebra: On Wild Animals and Taxonomy in Ancient Israel. In: COLLINS, Adela Yarbro; COLLINS, John J. (eds.). “When You Set Your Hand to Write”: Ancient Near Eastern Studies in Honor of Edward L. Greenstein. Winona Lake: Eisenbrauns, 2019. p. 143-176.
PATTE, Daniel (ed.). The Cambridge Dictionary of Christianity. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. DOI: 10.1017/CBO9780511780165.
QUAINTON, F. The Astronomy of the Bible. Journal of the Royal Astronomical Society of Canada, Toronto, v. 20, p. 193-202, 1926.
ROWLANDS, Jonathan. Jesus and the Wings of Yhwh: Bird Imagery in the Lament over Jerusalem (Mateus 23,37-39; Lucas 13,34-35). Novum Testamentum, Leiden, v. 61, n. 2, p. 115-136, 2019.
RYAN, Derek (ed.). The Cambridge Companion to Literature and Animals. Cambridge: Cambridge University Press, 2023. Dados confirmatórios de catálogo (DOI geral da obra em plataforma CUP).
SAPIR-HEN, Lidar; BEN-YOSEF, Erez. The Introduction of Domestic Camels to the Southern Levant: Evidence from the Aravah Valley. Tel Aviv, Tel Aviv, v. 40, n. 2, p. 277-285, 2013. DOI: 10.1179/033443513X13753505864205.
SHERWOOD, Yvonne. Biblical Blaspheming: Trials of the Sacred for a Secular Age. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
SILVA, … Estrutura Literária do Livro de Jó. 2024. Dados editoriais não confirmados (periódico/paginação).
SIMKINS, Ronald A. God, History, and the Natural World in the Book of Joel. The Catholic Biblical Quarterly, Washington, DC, v. 55, p. 435-452, 1993.
SKINNER, Christopher W. The Gospel according to John. Grand Rapids: Baker Academic, 2021. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
SPARKS, Kenton L. Gospel as Conquest: Mosaic Typology in Matthew 28:16-20. Catholic Biblical Quarterly, Washington, DC, v. 68, p. 651-663, 2006. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
SPERLING, S. David. The Hallel Psalms (Psalms 113–118). 2024. Dados editoriais não confirmados (capítulo/obra coletiva).
SPRONK, Karel. Rahab. Dictionary of Deities and Demons in the Bible Online. Leiden: Brill, 2018.
STOKSTAD, Marilyn. Understanding and Enjoying the Earliest Christian Art. American Journal of Archaeology (seção “Museum Review”), 2008.
SWEENEY, Marvin A. The Shofar in War and Worship in the Bible. In: FOWLER, R.; SMITH, R.; WEISENBERG, J. (eds.). Qol Tamid: The Shofar in Ritual, History, and Culture. Claremont: Claremont Press, 2017. p. 31-56.
SZYMAŃSKA-LEWOSZEWSKA, Marta. “Be Ye Wise as Serpents & Innocent as Doves”. Eighteenth-Century Ireland / Iris an dá chultúr, Dublin, v. 34, p. 66-84, 2019.
TALSHIR, Zeev. Transformations in the Meaning of נשר e עיט / גלגולי המשמעות של הנשר העיט (והדיה) בעברית. Leshonenu, Jerusalém, Adar 5759 (1999), p. 107-124.
TORREY, C. C. Proverbs, Chapter 30. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 73, p. 93-96, 1954. Dados confirmatórios de catálogo; sem DOI público.
VAN DER TOORN, Karel; BECKING, Bob; VAN DER HORST, Pieter W. (eds.). Rahab. In: Dictionary of Deities and Demons in the Bible. 2. ed. rev. Leiden; Grand Rapids: Brill; Eerdmans, 1999.
VERDE, Danilo; LABAHN, Antje (eds.). Networks of Metaphors in the Hebrew Bible. Leuven; Paris; Bristol, CT: Peeters, 2020. (Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium, 309).
WALKER-JONES, Arthur; MILLAR, Suzanna R. Ask the Animals: Developing a Biblical Animal Hermeneutic. Cambridge: Cambridge University Press, 2024.
WHITEKETTLE, Richard. A Study in Scarlet: The Physiology and Treatment of Blood, Breath, and Fish in Ancient Israel. Journal of Biblical Literature, Atlanta, v. 135, n. 4, p. 685-704, 2016. DOI: 10.1353/jbl.2016.0042.
YODER, Tyler R. Fishers of Fish and Fishers of Men: Fishing Imagery in the Hebrew Bible and the Ancient Near East. University Park, PA: Eisenbrauns; The Pennsylvania State University Press, 2016. (Explorations in Ancient Near Eastern Civilizations, 5). DOI: 10.1515/9781575064444.
Quer citar este artigo? Siga as normas da ABNT:
GALVÃO, Eduardo. Animais (Simbolismo). In: Enciclopédia da Bíblia Online. [S. l.], out 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago 2025].