Estudo sobre Gênesis 12

Gênesis 12: O chamado de Abrão

Os comentários de transição no final do capítulo 11 preparam o cenário para o ciclo de Abraão, fornecendo informações biográficas sobre Abrão e Sarai. Primeiro, eles ligam Abrão aos seus antepassados. A narrativa relata duas vezes a ausência de filhos de Sarai, prenunciando a importância desse detalhe na narrativa. O casal participa na migração da família da sua antiga casa em Ur para Canaã, mas as suas viagens são interrompidas quando se estabelecem em Harã, perto da parte norte do Crescente Fértil. Ali Abrão ouve a comissão divina de deixar sua família e ir aonde o Senhor lhe mostrar. Em 12:2-3 a promessa divina a Abraão inclui uma grande nação e bênção; na verdade, a palavra “abençoar” aparece cinco vezes aqui. O Senhor abençoará Abrão e, por sua vez, ele será uma bênção para todas as comunidades da terra.

Para uma grande nação são necessárias duas coisas: filhos e terra. A primeira é um problema porque, como a narrativa menciona duas vezes, Sarai não tem filhos. Antigamente, pensava-se que a falta de filhos era um problema da mulher; essa informação ajuda-nos a apreciar as histórias do seu ponto de vista cultural, embora a medicina moderna nos tenha dado uma compreensão mais ampla das causas da infertilidade. Retomaremos esse tema da ausência de filhos diversas vezes na história ancestral.

A segunda necessidade de uma nação, a terra, também é problemática porque Abrão e a sua família são nómadas; eles não têm terras próprias. Este segundo tema problemático também aparece frequentemente nas histórias do Gênesis.

O versículo 4 não registra nenhuma reação à ordem divina da parte de Abrão; simplesmente relata que Abrão obedece à ordem do Senhor, levando sua família e todos os seus bens para Canaã. Ló, sobrinho de Abrão, cujo falecido pai Harã era irmão de Abrão, viaja com a família para Siquém. O relato dá a idade de Abrão: setenta e cinco; ele não é um jovem quando eles começam esta jornada.

Siquém já era um centro de adoração estabelecido quando Abrão e sua família chegaram lá; no versículo 6 a narrativa se refere a um lugar santo perto de uma certa árvore. Abrão responde à promessa divina da terra colocando no local a sua própria marca religiosa: constrói um altar ao Senhor. A promessa de terra é problemática porque, como aponta a narrativa, os cananeus já viviam ali. O dilema do uso e propriedade da terra é recorrente em todo o livro de Gênesis e também no resto do Antigo Testamento. Abrão então construiu um segundo altar ao Senhor perto de Betel, ao sul de Siquém, ao longo de sua rota para o sul, em direção ao Negebe.

No antigo Oriente Próximo, a construção de altares marcava locais como locais de culto para homenagear uma divindade específica. Os altares que Abrão constrói identificam os locais como locais sagrados para a adoração do Deus de Abrão. A construção de altares também marca o terreno como sagrado para os construtores. Abrão, ao construir um altar, faz uma reivindicação inicial da terra. O livro do Gênesis dá como certa a existência de outros deuses adorados por outros povos. Em contraste, o livro do Êxodo descreve detalhadamente a competição cósmica entre o Senhor e o Faraó, que o povo acreditava ser a personificação do deus sol. Essa disputa termina com a grande vitória do Senhor sobre o Faraó e os egípcios, garantindo aos israelitas que escaparam que o seu Senhor recém-identificado pode cuidar deles como prometeu a Moisés.

12:10-20 Perigo para Sarai
A sobrevivência da família depende de encontrar sustento adequado face à fome, o que levou Abrão e a sua família a viajar para sudoeste, em direção ao Egito. Este episódio é contado em forma de cena tipo, ou seja, uma história que inclui vários elementos padrão da trama. Um casal se prepara para entrar em território estrangeiro e o marido teme por sua vida porque sua esposa é linda e os anfitriões podem tentar matá-lo para se casar com sua esposa. Ele combina com sua esposa que ela se faça passar por sua irmã, em vez de sua esposa. Ela faz isso; os anfitriões a veem, acham-na atraente e a levam ao seu líder. Surgem dificuldades na casa do líder por causa da esposa-irmã; o líder descobre a verdade sobre a mulher; e o casal vai embora. A cena ocorre três vezes em Gênesis; duas vezes com Abrão e Sarai e uma vez com Isaque e Rebeca.

O incidente que começa às 12:10 inclui os elementos acima. As palavras de Abrão a Sarai, nos arredores do Egito, apresentam a informação básica: ela se apresentará como sua irmã. Sarai não responde ao seu pedido; ficamos nos perguntando se ela concorda ou apenas aquiesce. Nenhuma informação genealógica é dada sobre Sarai quando a família é apresentada pela primeira vez em 11:27-30. Presumimos que ela e Abrão eram parentes de alguma forma antes do casamento, porque a narrativa implica que ambos vieram da cidade de Ur. Além disso, os termos “irmã” e “irmão” tinham uma gama de significados mais ampla no mundo antigo do que hoje; Abrão poderia simplesmente ter pretendido reconhecer que ele e Sarai eram parentes.

Quando eles entram no evento do Egito, a situação se desenrola exatamente como Abrão previu, e os oficiais egípcios levam Sarai à casa do Faraó e em troca dão presentes a Abrão. Mas o Senhor intervém e traz sofrimento à casa do Faraó por causa do engano de Abrão. A história não nos conta como Faraó descobre a causa de seus sofrimentos; relata apenas que, assim que o Faraó percebe o que aconteceu, ele ordena que Abrão vá embora com sua esposa e seus pertences. A cena tipo inclui vários detalhes dignos de nota. Primeiro, Abrão parece estar cuidando apenas de si mesmo. Ele teme por sua própria vida porque sua esposa é linda, mas não parece considerar as possíveis consequências para Sarai, que ele prevê que será a causa de seu próprio perigo. Outra preocupação é que Abrão põe em risco a promessa de família do Senhor porque o acordo ameaça destruir o casamento de Abrão e Sarai, eliminando assim a possibilidade de terem os filhos que Deus lhes prometeu.

A narrativa especifica que o castigo ao Faraó vem do Senhor, garantindo que o Senhor protege a promessa a Abrão em meio às ações de Abrão que ameaçam negá-la. Este episódio é o primeiro de muitos que abordam ameaças às promessas divinas de terras e descendentes. A ameaça às vezes vem através da ação humana, seja de Abrão ou de um dos membros de sua família, ou de alguém fora de sua família. Outras vezes, a ameaça vem da natureza e da capacidade das pessoas de encontrar comida suficiente para comer. Em todos os casos, alguém faz algo que põe em risco a promessa divina, e então o Senhor toma medidas para evitar o perigo e assegurar que a promessa seja levada adiante. Neste episódio, o próprio Abrão corre o risco de cortar a possibilidade de ter os filhos prometidos por Deus, fingindo que ele e Sarai não são casados. O Senhor intervém quando os acontecimentos seguem o seu curso normal e assegura que a promessa avançará apesar da interferência humana.

Notas Adicionais

12.1—25.18
Chegada em Canaã (12.1-20) Embora Abrão tenha sido mencionado nos últimos versículos do cap. 11, não há dúvidas de que o cap. 12 começa uma nova grande seção em Gênesis. E agora que o leitor começa a conhecer o caráter e a personalidade de Abrão, à medida que ele se reveste de carne e sangue; é agora que finalmente a Palestina entra nessa história; e é agora que alguns dos grandes temas teológicos começam a se revelar claramente: a terra prometida, o povo prometido e a resposta da fé. Há um olhar para o futuro que marca toda a narrativa; não somente ocorre que eventos posteriores lancem suas sombras adiante deles, mas há também uma dimensão mais profunda e mais espiritual (cf. Hb 11.8-16).

12:lss. Abrão foi apresentado ao leitor no cap. 11 como alguém que não tinha descendentes e que residia em Harã, a muitos quilômetros ao norte da Palestina. Tudo isso iria mudar, mas não por acidente ou coincidência; ao contrário, como resultado dos planos do Senhor e da pronta obediência do patriarca. O chamado e as promessas constituem a eleição de Deus, embora esse termo não seja empregado; coube à soberana e imprevisível escolha de Deus destacar Abrão como o receptor da mensagem contida nos v. 2,3. A promessa diz pouco sobre a terra, que ele mesmo logo avistaria; mas o grande povo estava muito distante no futuro, e de fato ainda não havia sinal algum de um herdeiro. Abrão e a sua descendência vão desfrutar também de grande fama; esse nome dado por Deus é contrastante com a fama que os homens buscavam em Babel (11.4). Nesse contexto, é provável que a última frase do v. 2 signifique que o nome de Abrão “será usado em bênçãos” (NEB) e que o v. 3 termine com a afirmação: por seu intermédio todas as famílias da terra irão se abençoar. O último verbo hebraico é ambíguo, e a LXX entendeu que significava “serão abençoadas”; é a LXX que é citada em At 3.25 e G1 3.8. De qualquer forma, a bênção final para toda a humanidade, mesmo que não declarada, está subentendida.

12:4-9. A família escolhida chegou à terra prometida — a terra de Canaã (v. 5), como seria conhecida por muitos séculos ainda. A família podia ser considerada um clã (cf. 14.14), mas a atenção se volta para Abrão e os outros dois indivíduos que são proeminentes na história. A terra de forma nenhuma estava vazia, como reconhece a observação do v. 6, embora houvesse muito lugar para os recém-chegados. Além disso, havia um grande número de cidades e santuários, dos quais Siquém (v. 6) e Betei (v. 8) tinham significado especial. Não seriam menos importantes para Israel em anos posteriores, e vemos Abrão reivindicando-os simbolicamente para o Senhor, o Deus de Israel. No entanto, foi o extremo sul do país, a região do Neguebe, o mais interessante para os patriarcas em virtude de seus rebanhos e manadas.

A idade de Abrão a essa altura é de setenta e cinco anos (v. 4). Kidner chama atenção para o fato de que a expectativa de vida dos patriarcas era em torno do dobro do padrão atual; levando em conta essa informação, podemos ter uma ideia melhor da idade, do vigor físico ou da beleza sugeridos em vários pontos da narrativa.

12:10-20. Essa é a primeira de três narrativas muito semelhantes (v. cap. 20; e cf. 26.6 11). E importante tentar entender a função de cada uma no seu próprio contexto. Existe ironia dramática nesse capítulo; Abrão acaba de chegar à terra da promessa e já é obrigado a sair dela em virtude de circunstâncias naturais! Não há menção alguma de falta de fé ou mentira por parte dele. O que se conclui simplesmente é que ele estava à mercê dos eventos, das circunstâncias e de forças políticas que fugiam do seu controle; somente o Senhor (v. 17) poderia resgatá-lo de circunstâncias adversas. Foi ensinada aqui uma lição importante aos descendentes de Abrão, que por demasiadas vezes foram tentados ao orgulho e auto-suficiência (cf. Jz 7.2).

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