Estudo sobre Gênesis 47

Gênesis 47: A política fundiária de José

A narrativa retoma a história a partir de 41:57, quando a fome começa a afetar a todos. A situação é terrível e José toma medidas drásticas para evitar que as pessoas morram de fome. Primeiro, ele recolhe todo o dinheiro da terra como pagamento pelos grãos, mas não guarda nada para si. Depois ele troca gado por grãos. Quando as pessoas não têm mais gado, elas entregam as suas terras e tornam-se escravas do Estado. Assim, o estado passa a possuir todo o dinheiro, gado, terras e pessoas, exceto os sacerdotes que recebem uma cota especial do Faraó. Então José dá sementes ao povo para plantar, com a condição de que eles entregassem um quinto da colheita ao Faraó na época da colheita. O povo está profundamente grato a Joseph e aceita prontamente os termos do acordo. Enquanto isso, a família de Jacó prospera em seu novo lar no Egito (v. 27).

É difícil compreender este arranjo em termos ocidentais contemporâneos. No antigo Oriente Próximo, durante a época de Hamurabi, um imposto como o que José impôs poderia chegar a dois terços. Na Babilônia, a taxa estava entre um quinto e um terço. Todas essas taxas nos parecem exorbitantes; talvez o narrador também pensasse assim e evitasse atribuir a responsabilidade pela política a José, fazendo com que o povo sugerisse a escravidão. Segue-se uma breve nota de que a prática se tornou lei e ainda estava em vigor na época em que a narrativa foi escrita.

Ao remover qualquer estigma moral de José, a narrativa centra-se nas políticas sábias que José introduz, retratando-o como um administrador preocupado e criativo que toma medidas ousadas em tempos de crise e, assim, salva o Egito da devastação.

47:28–48:33 Os últimos dias de Jacó

Quando Jacó chega ao Egito, ele se alegra com a oportunidade de ver José novamente antes de morrer; na verdade, a sua permanência no Egito estende-se por dezassete anos. Este é o mesmo período de tempo antes de os dois se separarem (37:2), dando uma sensação de conclusão à estada de Jacó no Egito. Jacó exige de José um juramento solene de não enterrá-lo no Egito, mas de devolver seus restos mortais ao cemitério da família na caverna de Macpela. De todos os ancestrais, Jacó é o único que morreu em solo estranho. Podemos presumir, a partir da garantia divina dada a ele em Berseba, antes de partir para o Egito, que Jacó estava preocupado em deixar a terra. A promessa divina destaca a importância de ele ser sepultado com seus antepassados na terra que lhe foi prometida (46:4). José jura o acordo com o mesmo gesto que o servo de Abraão usou quando concordou em ir a Harã para encontrar uma esposa para Isaque (24:2-9). Então Jacó inclina a cabeça em gratidão, talvez a José, talvez a Deus, ou talvez a ambos.

O próximo ato de Jacó em preparação para a morte é estabelecer os filhos de José como tribos. José recebe a notícia em 48:1 de que seu pai não está bem. José e seus dois filhos visitam seu pai, que aqui é chamado de Israel porque é pai não apenas de doze filhos, mas de doze tribos. Ele encontra forças para se sentar na cama quando seus convidados chegam. Os próximos versos são uma variação E da cena anterior. Jacó lembra que em Betel, quando estava partindo para Harã (28:18-19), um sonho o estabeleceu como o guardião da promessa divina. Agora ele adota formalmente seus dois netos como seus próprios filhos, transmitindo-lhes assim as promessas divinas.

Jacob segue um ritual legal: ele declara formalmente sua intenção de adotar os dois meninos, pede a Joseph que os nomeie, abraça-os e faz uma profunda reverência. O versículo 6 sugere que José também tem outros filhos, mas Jacó adota apenas os dois primeiros. As lembranças que Jacó tem de Raquel podem sugerir que ela teria tido mais filhos se tivesse vivido; mas desde que ela morreu tão jovem, os filhos de José ocuparam o lugar dos filhos que Raquel nunca teve. Ele destaca a tristeza do passado e a alegria do presente, comentando que antes pensava que nunca mais veria seu filho José, e agora vê os filhos de José. José coloca seus filhos perto de Jacó para receber sua bênção, com Manassés, o primogênito, em posição de receber a bênção do primogênito. Neste ponto, o texto refere-se a Jacó pelo seu nome de Israel, concentrando-se no seu papel como pai dos doze filhos que se tornam as doze tribos de Israel. Ele coloca a mão direita na cabeça de seu neto mais novo, Efraim. Então, antes de abençoar qualquer um dos netos, Israel abençoa José, o pai dos meninos. Quando José tenta reposicionar as mãos de Israel para que o primogênito receba a bênção, Israel insiste que o mais jovem será o maior. Assim, Israel estabelece o mais jovem sobre o mais velho, assim como recebeu a bênção de seu pai Isaque antes de Isaque morrer. A bênção destaca o lugar privilegiado de José entre os seus irmãos, dez dos quais são mais velhos que ele.


Notas Adicionais

O rigor da fome é o pano de fundo de duas seções contrastantes, v. 1-12 e v. 13-26. Nos v. 1-12, vemos que os recém-chegados ao Egito são honrados e recebem cuidado especial, ganham propriedade na melhor parte das terras do Egito (v. 11) — graças a José. Os egípcios nativos, ao contrário, se viram reduzidos gradativamente à escravidão estatal (v. 13-26). O capítulo demonstra mais uma vez o mistério da eleição de Deus e a magnitude de sua libertação.

47:1-6. Os planos de José para a sua família foram realizados, e o faraó prontamente permitiu que se estabelecessem em Gósen. O seu pedido final de fazer uso dos competentes entre eles (v. 6) era um tributo à eficiência de José; mas provavelmente essa observação foi tratada como mera cortesia, sem que nenhum ato concreto se seguisse.

47:7-12. Ao próprio Jacó se concedeu a honra de uma entrevista com o rei. Sem dúvida, foi em virtude de sua idade avançada que ele pronunciou uma bênção sobre o faraó, e não vice-versa. A resposta do patriarca à pergunta do rei acerca de sua idade é interessante; parece refletir não somente um período de vida cada vez mais breve, mas também a triste percepção de que o Egito era solo estranho. Os muitos anos que os patriarcas passaram em Canaã não tinham transformado a terra em nada diferente do que terra de peregrinação. As palavras de Jacó, então, tinham um tom de remorso; mas mesmo assim ele ainda olhava para a terra prometida, como mostra o v. 30. Entrementes, ele se estabeleceu em Gósen, aqui denominada região de Ramessés (v. 11), um nome que a região assumiu no século XIII a.C. (época de Moisés).

47:13-26. Podemos observar três estágios na forma de José lidar com os egípcios. Primeiramente, eles usaram o dinheiro deles (prata, v. 14,15), depois eles venderam os seus rebanhos iy. 16,17) e finalmente só tinham a si mesmos para vender (v. 19). Avessos como somos hoje a toda a idéia de escravidão, não deveríamos aplicar padrões anacrônicos a José e considerar imorais as suas ações; antes, o texto tenta transmitir a habilidade dele em preservar a vida de todas as maneiras possíveis. Os 20% de impostos até que eram bem razoáveis para aquela época (v. 26). Observe a gratidão genuína expressa pelo povo no v. 25.

A NVI prefere versões antigas no v. 21 ao TM; a maioria dos comentários e as versões inglesas e portuguesas recentes concordam com a NVI. A diferença, embora considerável em significado, é mínima em termos de palavras hebraicas.

Esse texto mostra claramente o conhecimento que o autor tinha dos negócios e das práticas egípcias; v. G. von Rad, ad loc.

Os negócios do Egito foram assim colocados em ordem por José; toda a atenção do narrador agora se volta para outro povo, a saber, o núcleo de uma futura nação, Israel, momentaneamente distante do seu território prometido. Como era de esperar, coube a Jacó, a exata personificação de “Israel”, a responsabilidade de organizar o futuro deles. Os caps. 48 e 49 são então dedicados aos fatos relacionados à sua morte. Aparentemente, a certa altura José teve dúvidas sobre esses acertos (cf. 48.17,18), mas precisamos entender que nas suas palavras e ações solenes Jacó estava sendo conduzido por Deus, o Deus de quem Jacó disse: tem sido o meu pastor em toda a minha vida até o dia de hoje (48.15).

47.27-31. A primeira preocupação de Jacó foi garantir que os seus próprios ossos não descansassem, nem mesmo temporariamente, em solo estranho: “Israel” tem de descansar na terra prometida. (Simbolicamente, isso era mais importante para Jacó do que para José; cf. 50.26.) Mais uma vez, foi feita a mais severa forma de juramento (v. 29; cf. 24.2). O ato final de Jacó (v. 31), em resposta ao juramento de José, é de significado incerto. O TM tem o substantivo mittãh, cama, mas a LXX (traduzindo de um manuscrito sem vogais) entendeu a palavra como matteh, bordão, e Hb 11.21 segue a tradução da LXX. E difícil decidir qual substantivo foi o original; Jacó está na cama na cena seguinte (48.2), mas não necessariamente já nesse estágio da narrativa.

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