Estudo sobre Gênesis 14
Gênesis 14
A batalha dos reis
(14.1-24)
Gn 14 é um capítulo
singular, que tem ocasionado uma enormidade de discussões e debates.
Destaca-se de todas as narrativas acerca de Abrão e o apresenta de forma
bastante diferente; o pacífico patriarca aqui se torna um guerreiro
bem-sucedido. Teologicamente, não é fácil enxergar o propósito e a função
dessa história. Do ponto de vista histórico, o capítulo é desconcertante:
poderíamos esperar que tantas informações acerca dos reis daquela época nos
fornecessem datas exatas para a época de vida de Abraão e que
registros de outras nações nos dessem alguma confirmação dos eventos aqui
relatados. Até hoje, no entanto, nenhuma dessas esperanças se
materializou. A falta de confirmação levou a dúvidas crescentes acerca
da historicidade desse relato. Uma dificuldade especial é a menção
sem paralelo de um rei de Elão envolvido numa guerra tão
distante da sua terra; é surpreendente também encontrar potências da
Mesopotamia em data tão antiga não somente guerreando na Palestina, mas
controlando parte dela por aproximadamente 12 anos (v. 4). Por outro lado,
até os eruditos mais céticos geralmente admitem que há uma série de
detalhes nessa história que demonstram antiguidade e realismo genuínos. O
tratamento que E. A. Speiser dá ao texto é muito útil; ele tirou o máximo
de proveito das evidências arqueológicas disponíveis, mesmo que alguns de
seus argumentos tenham sofrido sérias críticas. Dois pontos podem ser
destacados a favor da historicidade: em primeiro lugar, nenhum
dos detalhes da história foi desmentido por qualquer achado arqueológico;
e, em segundo lugar, qualquer que seja a “improbabilidade” que o capítulo
contenha, é difícil imaginar por que razão plausível uma história
dessas teria surgido se não tivesse nenhum fundamento histórico.
14:1-12. O elo com o
capítulo anterior é a menção de Sodoma (v. 2), seguida da referência a Ló
(v. 12). Logo se torna claro que a escolha de território que Ló fizera, não
obstante as aparências, estava longe do ideal; Sodoma não era só
notoriamente ímpia e má, mas a sua riqueza se tornou uma tentação para
forças externas tão distantes como as da Mesopotamia. Nenhum dos invasores
é conhecido de outras fontes, a não ser que Tidal seja o
rei hitita Tudkhalia I (c. 1700 a.C.); é certo que Anrafel não
é Hamurabi (uma identificação feita com freqüência no passado). Todos
os nomes são pelo menos muito apropriados para aquela época e região
do mundo. Dos territórios mencionados, Sinearii.e., Babilônia) e Elão são
bem conhecidos; mas Elasar ainda não foi identificado, nem Goim,
que é a palavra hebraica geralmente usada para “nações”, e não é
necessariamente um nome de lugar aqui.
Os cinco reis palestinos
(v. 2) governaram numa região específica, o vale de Sidim (v.
3), aparentemente no extremo sul do mar Morto (v. comentários de
19.25); mas evidentemente os invasores confederados tinham ainda outros
inimigos e seguiram uma rota curiosamente tortuosa (5ss) antes de se
ajuntarem para a batalha contra o rei de Sodoma e
seus aliados. V. o mapa 24 no Macmillan Bible Mas [Atlas
Bíblico Macmillan], Os invasores venceram, e Ló foi feito prisioneiro (v. 12).
14:13-16. Abrão agora
aparece nessa história pela primeira vez; ele não precisaria ter se envolvido,
e sua lealdade desinteressada a seu parente contrasta com o egoísmo
que Ló havia demonstrado (13.10,11). O tamanho do clã de Abrão (v. 14) é
uma surpresa; mesmo assim, ele não comandou nenhum grande exército de
homens treinados, e deveríamos entender a continuação da
história como uma perseguição prolongada da retaguarda dos confederados,
desde Dã (na época chamada Laís; cf. Jz 18.27ss) até Hobá. Depois
de resgatado dessa forma, Ló estava livre para retornar para casa
em Sodoma.
14:17-24. A questão dos
relacionamentos não é um aspecto sem importância no estabelecimento dos
patriarcas na Palestina. Nesse capítulo, vemos Abrão em aliança com os
povos dos clãs da região de Hebrom (v. 13), e suas atividades a favor de
Ló mostram que ele é um bom vizinho para todas as cidades-Es-tado de
Canaã. Dois dos reis locais reagiram de forma amigável. Obviamente o rei
de Sodoma (v. 17) devia favores a Abrão, e a sua oferta (v. 21)
foi mais do que natural; mas Abrão não queria ficar devendo nada a homem
algum — muito menos ao rei de uma cidade com a reputação de Sodoma (v.
22ss).
No entanto, o ponto central
da história é outro rei: Melquisedeque de Jerusalém (esse nome
ocasionalmente é abreviado como Salem, cf. SI 76.2). Há vários níveis de significado a
serem considerados. No nível puramente factual, a história é muito simples: um
governante cananeu local faz um gesto de amizade a um herói que retorna,
fornece uma simples refeição a seus homens, pronuncia uma bênção
sobre ele e recebe uma pequena porção do saque da guerra. E evidente que o
reinado sobre Jerusalém incluía funções sagradas. A divindade adorada por
Melquisedeque era ’El ‘Elyôn (o Deus Altíssimo)-, El
era adorado pelos cananeus como a sua divindade suprema, como pai e
criador, e o título Altíssimo também era muito conhecido entre eles. A
formulação da resposta de Abrão (v. 22) deixa muito claro que o Deus
adorado por Melquisedeque não era outro senão o Senhor — o Deus que
havia aparecido pessoalmente a ele. A história teria sido muito diferente
se Melquisedeque tivesse sido um devoto de Baal!
Em outro nível de
significado, é inegável que aqui haja simbolismo. O nome Melquisedeque pode ser
traduzido por “rei de justiça” (cf. Hb 7.2), em forte contraste com o rei
de Sodoma, cujo nome, Bera (v. 2), aparentemente significa “em/no mal”
(assim como também Birsa significa “em/na iniquidade”) —
independentemente do sentido e da função original desses nomes.
Sodoma estava condenada, como sabemos; mas Jerusalém (que não aparece em
outra passagem de Gênesis) tinha promessa de um grande futuro como a
cidade da escolha e da presença de Deus. Era totalmente
apropriado, portanto, que o ancestral do povo de Israel estivesse
debaixo da bênção do Deus que já era reverenciado em Jerusalém.
Se, então, Abrão representa
o povo de Israel, Melquisedeque representa o futuro rei davídico (cf. SI
110.4). Hb 7, embora destaque mais o sacerdócio de
Melquisedeque, reconhece corretamente o seu status superior em comparação
com Abrão. Assim, Gn 14 prefigura o reinado de Davi e de
seus descendentes.
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