Estudo sobre Gênesis 16

Gênesis 16: O nascimento de Ismael

A narrativa retorna ao dilema da falta de filhos de Abrão e Sarai na história do nascimento de Ismael de Abrão e Hagar, a empregada de Sarai. Sarai propõe, de acordo com o antigo costume do Oriente Próximo, que Abrão tenha um filho através de Hagar. Embora hoje consideremos esta situação desconcertante, ela ilustra a importância das crianças no mundo antigo. Famílias numerosas com muitas mãos para fazer o trabalho eram uma necessidade de subsistência. Além disso, era uma questão de honra para um homem ser pai de uma família numerosa que continuaria com seu nome.

Esta história muito humana retrata a frustração, o constrangimento e o ciúme de Sarai; o desdém de Hagar por Sarai; e a silenciosa falta de envolvimento de Abrão na controvérsia que se segue. Na verdade, Abrão responde a Sarai tal como fez a Deus: atende ao seu pedido. Quando Sarai o culpa por causar o problema, ele responde à acusação dela devolvendo Hagar aos cuidados de Sarai, conforme a lei previa para escravos que ultrapassassem seus limites. Mas a punição de Sarai excede o crime de Hagar e, como resultado dos maus-tratos de Sarai, a empregada foge.

Hagar, assim como Abrão e Sarai, recebe promessas divinas quando o mensageiro do Senhor a encontra, questiona-a e a envia de volta para Sarai. Ela terá muitos descendentes, começando pelo filho que carrega no ventre. O mensageiro dá um nome ao nascituro e interpreta o nome para Hagar. O nome de uma criança tinha vários níveis de significado no mundo antigo. O significado de quem dá o nome prenuncia a importância da criança. Além disso, o nome específico prediz algo sobre o caráter da criança ou sobre a vida que ela viverá. Aqui a mensagem promete cuidado divino para Hagar e seu filho; também sugere que a tensão entre a mãe e a amante continuará na geração do filho, entre ele e outros povos. Hagar, por sua vez, dá um nome ao Senhor, expressando sua própria incredulidade por ter sobrevivido à experiência de ver o Senhor. O incidente ocorre perto de uma nascente, e o relato termina com a nota etiológica de que a nascente, agora denominada poço, tem esse nome em homenagem à experiência religiosa de Hagar naquele local. Podemos supor que o local era conhecido entre as pessoas que contaram a história ao longo das gerações.

O incidente é significativo de várias maneiras. Primeiro, demonstra o cuidado contínuo do Senhor para com todo o povo, incluindo Hagar. Também provoca o leitor, sugerindo uma possível solução para o problema da falta de filhos de Abrão e Sarai. Essa possibilidade parece ainda mais realista à luz da idade avançada de Abrão.

Este episódio apresenta outro modelo de cena tipo mãe estéril: o modelo de competição. Esse modelo inclui cinco elementos: a esposa não tem filhos; o marido dela tem outra esposa; a esposa rival dá à luz um filho, causando conflito; Deus intervém para dar um filho à esposa sem filhos; e por fim, é dado um nome significativo à criança. Aqui Sarai não tem filhos; ela dá sua serva Hagar a Abrão com o propósito de lhe dar um filho; Hagar dá à luz um filho, causando conflito entre ela e Sarai; e a criança recebe o nome de Ismael. Neste ponto, Sarai ainda não tem filhos; esse elemento só surge depois de vários atrasos na narrativa.

Notas Adicionais

16.1-15
Apesar da promessa de 15.4, a esterilidade de Sarai continuou, e, dez anos depois de sua chegada a Canaã, Abrão ainda não tinha filhos (lss). Ele já havia explorado uma possibilidade para providenciar um herdeiro (v. comentário em 15.2,3); agora Sarai tomou a iniciativa, adotando ainda mais uma prática comum da época. Sobreviveram cópias de documentos em que a esposa se obrigava a providenciar um herdeiro, entregando, se necessário, uma escrava a seu marido. Gomo Speiser destacou, uma situação legal (“tão complexa quanto autêntica”) é aqui apresentada ao leitor, e está claro que nenhuma das três partes envolvidas é completamente inocente no desenvolvimento dos eventos. “Além de todas as minúcias legais”, diz Speiser, “há as emoções emaranhadas das personagens nesse drama”. Aliás, a história é um testemunho eloquente da frieza da lei e das regras sociais e também do prejuízo psicológico que uniões polígamas tão facilmente causam.

No entanto, esse não é o ponto central da história; e é incerto que G1 4.23 nos dê fundamentos suficientes para fazermos juízos morais acerca das ações de Abrão. (Os dois filhos nasceram, falando de maneira literal, “da carne”; mas Ismael foi gerado apenas “como todas as crianças são geradas”, como diz a NTLH, ao passo que Isaque “foi gerado por causa da promessa de Deus”.) Depois de tudo, Abrão não foi repreendido por fazer de Eliézer o seu herdeiro (temporário); e em lugar algum Abrão é censurado por gerar Ismael, que nos propósitos de Deus deveria ser abençoado e se tornar pai de uma grande nação (cf. 17.20). O ponto está, antes, no prolongamento do teste da fé do patriarca Abrão e na absoluta soberania da escolha de Deus, que poderia ter recaído sobre Ismael — mas não foi o caso.

O desprezo de Hagar por sua senhora (v. 4) conduziu ao tratamento igualmente errado e severo que Sarai deu à escrava, enquanto Abrão se esquivou de tomar uma decisão (v. 6). Seguiu-se a fuga de Hagar em direção à sua pátria (v. 6,7), mas ela foi interceptada pelo Anjo do Senhor, que falou como representante pessoal de Deus (cf. v. 13). O incidente lhe forneceu o nome para o seu futuro filho; o nome Ismael significa “Deus ouve” (v. 11). Não podemos deixar de perceber o suspense e o efeito dramático da narrativa, que no capítulo todo praticamente não faz alusão alguma à possibilidade de que Ismael não se torne herdeiro de Abrão. Aliás, a promessa no v. 10 aponta no sentido exatamente oposto. No entanto, a descrição de Ismael no v. 12 parece inapropriada para o “filho da promessa”. A metáfora do jumento selvagem pode em parte sugerir nobreza e coragem, mas a impressão geral é de um espírito obstinado e independente, que vive em hostilidade contra todos os seus irmãos (ou parentes).

O incidente também forneceu o nome de um poço, que celebrou o fato de que Deus “viu” tão bem quanto “ouviu” (v. 13,14). O texto hebraico desses dois versículos não está totalmente isento de dificuldades, mas há concordância geral em que o sentido da declaração de Hagar é o que a NVI registra. O nome do poço é corretamente identificado na nota de rodapé da NVI: “poço daquele que vive e me vê”. Assim, a passagem associa as ideias gêmeas de Deus ver e ser visto (cf. 22.14). O cuidado de Deus por Hagar a conduziu de volta à casa de Abrão, e o patriarca reconheceu devidamente o seu filho e lhe deu um nome (v. 15). E assim não se tocou na questão por 13 anos (v. 16, cf. 17.1).

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