Estudo sobre Gênesis 31

Gênesis 31: Jacó se despede de Labão

Depois que o pagamento pelos serviços de Jacó for acertado e a presença contínua de Jacó com seu tio se tornar muito problemática, Jacó recebe a palavra do Senhor para voltar para casa com a garantia da proteção divina. Mas surgem várias outras complicações antes que os homens finalmente se separem. A trama reflete a duplicidade, não só de Jacó e Labão, mas também de Raquel. O episódio se passa em cinco etapas.

No primeiro, versículos 1-16, Jacó manda chamar suas duas esposas e explica que o Senhor o instruiu a deixar Labão e retornar à sua terra em cumprimento do acordo feito em Betel. Ele dá uma descrição detalhada da situação, colocando suas próprias ações sob uma luz positiva e as de Labão sob uma luz negativa. Ambas as esposas concordam com Jacó que seu pai tem sido injusto ao lidar, não apenas com Jacó, mas também com elas. É incomum que os dois tenham a mesma opinião; seu acordo expressa sua amargura pelo tratamento dispensado pelo pai. Eles encorajaram Jacó a fazer o que Deus instruiu.

No segundo, versículos 17-21, a família foge. Eles partem enquanto Labão está fora, levando consigo tudo o que Jacó adquiriu ao longo dos anos. Além disso, Rachel rouba os deuses domésticos de seu pai. A razão do roubo não é clara: talvez ela queira simplesmente privá-lo deles, ou talvez usá-los em seu próprio benefício, quer reivindicando-os como herança, quer usando-os para fins religiosos. Em 27:43 Rebeca insistiu que Jacó fugisse da casa de seu pai; agora ele foge da casa do sogro.

No terceiro, versículos 22-35, Labão descobre que o grupo fugiu e sai em sua perseguição. Depois de sete dias, ao se aproximar dos fugitivos, ele tem um sonho avisando-o para não interferir com Jacó. Ele confronta o genro, acusando-o de engano e sequestro. Ele lamenta a oportunidade perdida de se despedir adequadamente de suas filhas e netos e depois se refere aos deuses domésticos roubados. A reclamação de Labão está cheia de ironia à luz do tratamento que ele dispensou a Jacó desde o primeiro momento em que se conheceram. Jacó nada sabe sobre os deuses domésticos roubados e garante a Labão que ele pode ter qualquer coisa que encontrar que lhe pertença.

Labão imediatamente começa a revistar as tendas de cada membro do grupo, deixando a de Raquel para o final. Ela está pronta para ele: ela escondeu as estátuas em uma almofada de camelo, uma combinação de sela e caixa de armazenamento que é colocada em um camelo para fornecer assento e armazenamento para o cavaleiro. Ela se senta na almofada de camelo e protesta que não consegue se levantar porque está menstruada. Isto aumenta a ironia da situação: Rachel não se levantará para permitir que seu pai procure os ídolos; na verdade, ele não deveria estar na presença dela sob pena de contaminação (Lv 15:19-23); mas ela contamina os ídolos sentando-se sobre eles em seu alegado estado de impureza ritual, ao mesmo tempo que os protege do mal. Sua ação sugere que ela mesma não acredita que as estátuas possuam qualquer poder; caso contrário, ela os trataria com respeito. Ela, porém, cumpre seu propósito: Labão desiste de sua busca pelos ídolos. Ela também demonstra que é tão capaz de trapaça quanto seu marido e seu pai.

Na quarta etapa, versículos 36-42, Jacó toma a ofensiva, relatando todas as injustiças que sofreu nas mãos de Labão desde que chegou à sua casa, há vinte anos.

Na quinta etapa, versículos 43-54, Labão propõe que os dois façam um acordo. Isto irá assegurar-lhe que a sua família estará segura aos cuidados de Jacob e que as duas famílias não interferirão uma na outra, mas viverão em coexistência pacífica. Eles formalizam o acordo erguendo um pilar de pedra e depois partilhando uma refeição. Esta refeição provavelmente inclui apenas os dois homens, pois Jacó então convida seus homens para compartilharem a refeição no versículo 54, depois de oferecer um sacrifício. Os dois homens dão um nome ao local, cada um na sua língua materna, evidenciando ainda mais a separação que se verifica entre as duas famílias. Labão invoca o Deus de Abraão e o Deus de Naor, as divindades ancestrais de ambas as famílias. Jacó invoca o nome de seu pai, oferece um sacrifício e convida seus homens para a refeição sacrificial para finalizar o tratado.

Notas Adicionais

31:1-25. Houve três razões para Jacó decidir que a hora da partida havia chegado. Em primeiro lugar, ele estava consciente da crescente hostilidade contra ele (v. 1,2); e ele tinha pouca afeição por um homem que havia agido como Labão (v. 7). Em segundo lugar, suas esposas agora estavam dispostas a deixar a sua terra natal a fim de ir para uma terra desconhecida (v. 14ss); parece que o pai delas havia quebrado as convenções e regras da época ao usar tudo que foi pago por elas, i.e., o dote pago pelas noivas, que nesse caso não havia consistido em um pagamento inicial por parte de Jacó, mas nos lucros dos seus longos serviços prestados a Labão. De qualquer forma, elas também se sentiram rejeitadas por Labão. Em terceiro lugar, Jacó recebeu orientações claras de Deus (v. 3,1 lss). A referência a Betei (v. 13) confirmava que o Deus da sua experiência pessoal (cf. cap. 28) o estava chamando de forma inconfundível para voltar à terra de Canaã. Usando de trapaça até o fim, Jacó aproveitou uma oportunidade para fugir (v. 17ss); ele se pôs na estrada em fuga (v. 22), e a continuação da história mostra imediatamente que Labão poderia ter colocado obstáculos a uma partida mais digna. Labão se deu ao trabalho de persegui-los, e poderia ter agido de forma mais dura contra Jacó do que fez não fosse a advertência divina do v. 24 (“Cuidado, não faça nada a Jacó”, NTLH). O confronto aconteceu em Gileade (v. 32), nos montes a leste do Jordão, a certa distância ao norte de Maanaim (cf. 32.1,2). A rota que Jacó escolheu ficava mais a leste do que a tomada por Abraão (12.5-8).

31:26-42. Surgiu uma disputa árdua entre eles. As acusações de Labão nos v. 27 e 28 soam hipócritas, pois é difícil imaginar que ele teria permitido a partida de Jacó e de sua família, muito menos com tais festividades. No entanto, ele estava autorizado a se queixar do roubo dos deuses de Labão (“deuses da minha casa”, NTLH; v. 30; cf. v. 19). Jacó era totalmente inocente do roubo, evidentemente, e o seu juramento (v. 32) poderia ter custado a vida de Raquel — se os deuses tivessem sido encontrados, mas ela mesma garantiu que não fossem descobertos (v. 34,35). Não descobrimos em lugar algum o motivo do seu roubo; as práticas religiosas de Labão claramente não eram as da verdadeira adoração a Javé (v. tb. 30.27), e a implicação pode ser que Raquel ainda precisasse de instrução nesse tema (cf. 35.2ss). Com base em documentos da antiga Mesopotâmia, argumentou-se que deuses do lar também cumpriam uma função legal, podendo ser comparados, em geral com escrituras de propriedades; mas estudos recentes lançaram dúvidas sobre essa interpretação. De qualquer forma, se foi a religião ou se foram as propriedades que atraíram Raquel, nada disso na verdade a beneficiaria.

Jacó ficou irado, e sua reação (v. 36-42) culminou com o lembrete de que Labão havia sido advertido pelo próprio Deus. Mas por esse fato Labão poderia ter sido capaz até de exigir retribuição.

31:43-55. Em vez disso, fizeram um acordo. A solenidade dele é destacada pelo ritual da refeição sacrificial, depois pelo fato de passaram a noite ali (v. 54) e pelos votos com que se comprometeram um com o outro em nome das respectivas divindades. O verbo julgar usado no v. 53 está no plural, de forma que o texto faz distinção entre o Deus de Abraão e o Deus de Naor (pai de Labão); e provavelmente deveríamos retraduzir “o Deus do pai deles” por “seus deuses ancestrais”. De sua parte, Jacó jurou pelo Deus de Abraão, que também se havia revelado a Isaque; as circunstâncias dessa revelação não são registradas, mas o título incomum Temor do seu pai Isaque deve ter surgido disso. A testemunha mais duradoura da aliança foi a colocação de uma pedra como coluna (v. 45) e um monte de pedras como marco (v. 46); esse monte recebeu dois nomes, que significam a mesma coisa, “monte de pedras do testemunho” (nota de rodapé da NVI), em duas línguas diferentes, aramaico e hebraico. O propósito era que perpetuamente os arameus e os israelitas respeitassem a linha de fronteira assim demarcada entre eles (v. 51,52). O nome Mispá (v. 49) também é associado à localidade, que pode bem ter sido situada na região de Ramote-Gileade, a cidade fronteiriça disputada em épocas posteriores (cf. lRs 22.3; v. o Macmillan Bible Atlas, mapa 27). O nome “Gileade” tem algum tipo de relação com “Galeede”; contudo, os nomes diferem não somente nas suas vogais mas também na sua aplicação, visto que o primeiro denota uma região e uma cadeia de montanhas, e o segundo, um lugar específico. “Mispá” era um topônimo comum, cujo significado é ‘‘torre de vigia” (nota de rodapé da NVI); aqui o jogo de palavras retrata Deus como aquele que vigia no posto da fronteira (v. 49).

O encontro com Esaú (32.1—33.20) O cenário dessa narrativa é a leste do Jordão; Maanaim (32.2), o Jaboque (v. 22), Peniel (v. 31) e Sucote (33.17) são todos locais citados pelo nome, e de fato cada nome é interpretado ou reinterpretado com referência à experiência de Jacó ali. Os primeiros três, além disso, estão associados à experiência de Jacó com Deus; essa região a leste do Jordão formaria parte do território de Israel, mas estaria sob constante pressão e seria atacada por outros povos (especialmente os arameus, amonitas e moabitas), e há conforto e segurança nesse capítulo para os israelitas. Maanaim lembra o lugar em que Deus havia prometido a sua proteção; e no Jaboque e em Peniel Israel venceu e conquistou a bênção de Deus.

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