Estudo sobre Gênesis 24

Gênesis 24: Uma esposa para Isaque

Resta ainda uma tarefa a Abraão para assegurar a continuação da promessa divina de descendência para ele e Sara: encontrar uma esposa para Isaque entre o seu próprio povo. O texto não inclui Isaque nesses arranjos; após o relato emocionante de sua experiência de quase morte, não há mais registros de interação entre pai e filho. O episódio gira em torno do servo de Abraão, que Abraão envia ao seu povo em Harã. A importância dos laços familiares e da terra é destacada na pergunta do servo sobre se deveria levar Isaque de volta àquela terra caso a mulher escolhida se recusasse a acompanhar o servo de volta a Canaã. A resposta enfática de Abraão assegura ao servo que o Senhor lhe encontrará uma esposa. O gesto do servo no versículo 9 (colocar a mão sob a coxa de seu senhor) refere-se a um antigo costume de jurar pelos órgãos genitais em reconhecimento de sua importância sagrada para a transmissão da vida à próxima geração. (A coxa é um eufemismo para órgãos genitais.) Uma consideração adicional é a necessidade de Isaque permanecer em Canaã porque ele incorpora as promessas divinas de descendentes e de terra. Mais tarde, o Senhor o instrui a não deixar a terra, mesmo em tempos de fome (Gn 26:2).

A riqueza de Abraão e seu desejo de causar uma boa impressão em seus parentes são evidentes no considerável presente que o servo leva consigo como preço de noiva. A viagem é certamente longa, dada a distância envolvida e a quantidade de gado aos cuidados do criado; mas a narrativa ignora qualquer menção à viagem e concentra-se imediatamente na cena do poço.

Esta história é um exemplo de outro tipo de cena: o noivado. O tipo envolve um homem viajando para um território estrangeiro para encontrar uma esposa para si ou para outra pessoa. Chegando lá, ele vai até um poço e conhece jovens da região. Alguém fornece água do poço para o visitante e para os animais ali reunidos. Depois as meninas voltam para casa para anunciar a presença do visitante. Ele recebe um convite para ir à casa deles e segue-se um noivado. Esta cena aparece aqui e também em Gênesis 29, quando Jacó procura uma esposa. A cena típica aparece novamente de forma abreviada em Êxodo 2:15-22, quando Moisés se casa após fugir do Egito.

Aqui, de acordo com a cena tipo, o criado vai ao poço na hora em que as mulheres vêm buscar água para o jantar. O servo ora a Deus e depois estabelece o cenário pelo qual saberá quem pedir como esposa para seu senhor. É um artifício simples: ele pedirá água para beber, e se uma jovem concordar em dar água não só a ele, mas também aos seus camelos, ele saberá que é ela quem ele procura. O narrador diz ao leitor que Rebeca é neta do irmão de Abraão, Naor, e, portanto, sobrinha-neta de Abraão, mas o servo ainda não sabe disso.

Os detalhes dão à história seu caráter único. O texto descreve Rebeca com uma quantidade incomum de detalhes. Especificamente, aprendemos que ela é uma virgem muito bonita, uma escolha ideal para esposa de Isaque. A cena típica continua quando o servo faz sua pergunta e Rebeca responde, dando-lhe água e depois fazendo várias viagens de ida e volta para dar água aos dez camelos também. Esses detalhes retratam Rebeca como enérgica, trabalhadora e generosa, aumentando ainda mais seu desejo de ser esposa de Isaque. As duas perguntas do servo nos lembram que ele ainda não sabe quem ela é, até que ela involuntariamente se identifica como membro da família de Abraão. A cena típica continua enquanto a menina corre para casa para anunciar a vinda do servo enquanto o servo ora em agradecimento a Deus por tê-lo conduzido até lá.

Mantendo a hospitalidade nômade, Labão, irmão de Rebeca, corre até o servo e o convida para ir à sua casa. O servo faz questão de contar sua história, explicando por que veio e lembrando ao leitor que o Senhor está guiando os acontecimentos. Os membros da família prontamente concordam com o pedido do servo para que Rebeca voltasse com ele para se tornar esposa de Isaque, porque reconhecem que o pedido vem do Senhor. A declaração deles: “Aqui está Rebeca, bem na sua frente; pegue-a e vá” no versículo 51 é a ratificação formal do noivado. A fórmula hebraica inclui a palavra hinneh que conhecemos no capítulo 22 e que denota atenção, prontidão e disposição.

Na manhã seguinte, no versículo 54, sua família sugere que o grupo fique um pouco antes de partir, seguindo os costumes de hospitalidade. Mas o servo está ansioso para retornar a Abraão e relatar o sucesso de sua viagem. Os familiares pedem o consentimento de Rebekah para o acordo. Este é um passo necessário nas antigas sociedades do Oriente Próximo, porque o noivado envolve duas circunstâncias especiais: o casamento é arranjado pelo irmão e não pelo pai, e irá afastá-la da sua terra natal. Assim que ela dá seu consentimento, os familiares enviam ela e sua enfermeira com o criado e toda a sua comitiva. O fato de sua babá a acompanhar sugere que Rebekah ainda era muito jovem na época do noivado. Os membros de sua família a abençoam com a esperança de muitos descendentes e também de vitória sobre os inimigos. (Veja Rute 4:11 para uma bênção semelhante.)

No versículo 62, Isaque reaparece na história pela primeira vez desde seu quase sacrifício. Ficamos sabendo que ele está morando no Negeb e que um dia, no final da tarde, ele avista a caravana que se aproxima. O texto hebraico não é claro aqui, por isso não sabemos se ele os esperava. A narrativa muda imediatamente para Rebeca, que olha ao mesmo tempo e vê Isaac. A simples descrição de seu encontro é anticlimática após o longo relato da jornada do servo para encontrar Rebeca e trazê-la para casa com ele. Rebeca se cobre para o encontro, sinalizando a Isaac que ela veio para se casar com ele.

A resposta do servo: “Esse é o meu senhor”, é intrigante aqui, pois seu mestre é na verdade Abraão, mas a pessoa na frente deles é Isaque. É possível que Abraham já tenha morrido quando o grupo retornar. Isso explicaria o comentário do servo no versículo 36, de que Abraão deu tudo o que possui a seu filho Isaque, e também a nota que o servo relata sobre sua viagem a Isaque (v. 66). A morte de Abraão é na verdade anunciada no capítulo 25, imediatamente após a descoberta de uma esposa para Isaque, talvez para não interromper o fluxo de acontecimentos no capítulo 24. A comovente nota de que Rebeca é um conforto para Isaque após a morte de sua mãe Sara sugere que Isaac sente muita falta dela.

Notas Adicionais

24.1-67
Este é o capítulo mais longo de Gênesis. E dedicado a um único tema, a escolha de uma noiva para Isaque. A história é idílica e apresentada com extraordinária habilidade literária; mas é muito mais do que um conto romântico relatado de maneira cativante. Já a sua extensão contribui para equilibrar a longa narrativa que conduziu ao nascimento de Isaque; assim como Deus havia sido soberano naquela questão, excluindo qualquer outro possível herdeiro de Abraão, ele agora é soberano em muitos pequenos detalhes na escolha da “única” esposa do “único” filho (em contraste com Abraão e Jacó). Podemos considerar esse capítulo, então, como uma lição ilustrada de como Deus dirige os acontecimentos; ele também mostra que sinais e até mesmo milagres podem ser vistos nos menores detalhes da vida. Há quatro cenas na história: o diálogo entre Abraão e o servo (v. 1-9), o encontro do servo com Rebeca (v. 10-27), a conversa na casa de Rebeca (v. 2860) e o encontro de Isaque com Rebeca (v. 61-67).

24:1-9. A pressuposição da história é que Abraão tinha o direito, e na verdade a tarefa, como homem rico, de decidir quem seria a noiva adequada para o seu filho. Dois motivos determinavam essa forma de pensar: Isaque não deveria deixar Canaã e, por outro lado, não deveria casar com uma moça da terra de Canaã. (Se Isaque tivesse voltado para a região de Harã, ele teria, por assim dizer, atrasado o relógio da história.) A determinação de manter pura a linhagem étnica contrasta com a escolha que Hagar fez de uma mulher egípcia para Ismael (21.21).

O servo (v. 2) — provavelmente o Eliézer de 15.2 — concordou com as condições de seu senhor, fazendo um juramento na forma mais solene (v. 2,9).

24:10-27. O cenário muda agora para o norte da Mesopotâmia; o autor tem em mente a região de Harã (cf. 11.31), embora o nome da cidade não seja mencionado (houve de fato uma cidade chamada Naor, mas supõe-se que aqui seja um nome de pessoa; cf. v. 15). A oração do servo lembra a promessa de Deus a Abraão (a referência a ser bondoso no v. 12 denota lealdade a uma promessa). Ao pedir um sinal (v. 14), ele estava na verdade procurando por uma mulher “que estivesse disposta a ajudar, tivesse bondade no seu coração e carinho pelos animais” (Von Rad) — o que não era uma má escolha!

Deus rapidamente fez prevalecer a sua vontade na pessoa de Rebeca, cujo exato parentesco com Abraão é informado; pode-se observar que Betuel (v. 15), o pai dela, tem papel de importância menor na história, o que sugere que ele era de idade muito avançada e que seu filho Labão havia se tornado o chefe do clã. Rebeca mostrou ser o tipo de pessoa que o servo estava procurando, e, além disso, muito bonita (v. 16). A sua hospitalidade imediata (v. 25) fechou a questão para ele, e ele reconheceu que o Senhor o conduzira “diretamente” (NTLH; NVI diz na jornada) para a casa certa.

24:28-60. As palavras de hospitalidade foram colocadas em prática (v. 28-33), e o servo explicou a sua missão em todos os detalhes (v. 34-41) e também relatou como a sua oração tinha sido respondida (v. 42-48). Em face disso, nem Labão nem o pai de Rebeca poderiam fugir dos fatos, e a permissão para o casamento foi prontamente concedida (v. 49ss); além disso, Labão era um homem avarento, como o v. 30 já indicou. Tendo recebido o consentimento deles e também lhes dado presentes valiosos (v. 53), o servo expressou o seu desejo de partir muito antes do que era costume no Oriente “sem pressa” daquela época. A disposição de Rebeca de quebrar as convenções da época e partir logo foi mais uma confirmação da soberania de Deus. 24:61-67. Mais uma vez, o narrador não se fixa na demora da viagem; toda a ênfase desse capítulo está nas ações e reações pessoais. Isaque agora é introduzido na história, e, do outro lado, Abraão sai dela. A cena é novamente o Neguebe, provavelmente perto de Berseba. Aqui um homem e uma mulher se encontram pela primeira vez, e a escolha de Deus foi ratificada pelo fato de que, sem esperar ou questionar, Isaque a amou. O v. 67 no texto hebraico se refere à tenda de sua mãe Sara-, essa é, provavelmente, a leitura correta, destacando que Rebeca agora toma o lugar de Sara como a mãe da família eleita.

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