Estudo sobre Gênesis 49

Gênesis 49: Jacó abençoa seus filhos

O capítulo 49 é uma coleção complexa de poemas, com seções dedicadas a cada um dos doze filhos de Jacó. Elas estão dispostas em forma de testamento, ou seja, últimas palavras que deixam um legado para sua família. Jacó alterna entre falar com os filhos e falar sobre eles; isso é estranho para os leitores modernos, mas era frequente na linguagem antiga. Jacó se dirige primeiro aos seis filhos de Lia, depois aos quatro filhos das criadas, começando e terminando com um dos filhos de Bila. Finalmente ele fala com José e Benjamim, seus dois filhos mais novos e seus filhos com sua amada Raquel. Embora ele tenha acabado de adotar os dois filhos de José como seus, eles não estão incluídos neste testamento. Em alguns casos, as palavras de Jacó referem-se a ações anteriores de diferentes filhos; em outros, as palavras parecem estar relacionadas à vida das tribos depois que se estabeleceram na terra.

Rúben (vv. 3-4): Jacó expressa sua condenação de Rúben por dormir com Bila em 35:22. Historicamente, a tribo de Rúben desapareceu muito cedo.

Simeão e Levi (vv. 5-7): Jacó fala dos dois juntos, condenando a destruição desenfreada dos Siquemitas no capítulo 34 e prevendo que eles não permanecerão juntos. Historicamente, com o tempo, a tribo de Simeão tornou-se parte de Judá, e a tribo de Levi recebeu deveres sacerdotais em vez de terras.

Judá (vv. 8-12): Depois de condenar seus três primeiros filhos pelos pecados anteriores, Jacó abençoa Judá com o status de primogênito no versículo 8b e assegura sua autoridade, especialmente no versículo 10. Historicamente, Judá permaneceu após a destruição dos assírios. o reino do norte em 722, pondo fim às dez tribos que viviam naquela área.

Zebulom (v. 13): Jacó se dirige a Zebulom, o sexto filho de Lia, antes de seu quinto filho. Jacó prediz que Zebulom viverá à beira-mar. Na verdade, a sua terra ficava no interior; talvez seus habitantes trabalhassem ao longo da costa.

Issacar (vv. 14-15): Jacó prevê que a tribo deste filho trabalhará em servidão.

Dã (vv. 16-17): Dã, cujo nome está relacionado à palavra hebraica “juiz”, promoverá a justiça em sua tribo e afastará seus inimigos.

Uma breve oração por libertação vem a seguir. Em sua posição após as palavras sobre Dan, reforça a fonte divina da capacidade de julgamento de Dan.

Gade (v. 19): Gade travará uma guerra com sucesso contra seus inimigos. Historicamente, sua tribo, que vivia a leste do rio Jordão, lutou contra os demais povos daquela região.

Aser (v. 20): Aser habitava as terras férteis ao longo da costa noroeste. Era uma rica área agrícola.

Naftali (v. 21): A referência a uma fêmea de animal veloz que dá à luz é obscura.

José (vv. 22-26): As palavras de Jacó sobre José, como aquelas sobre Judá, são extensas. As peças são obscuras; os versículos 25-26 prometem-lhe as bênçãos dos filhos e da terra.

Benjamim (v. 27): Jacó prediz que esse filho será um guerreiro de sucesso. Essa representação não corresponde à representação do jovem Benjamim no Gênesis. No entanto, aborda a localização estratégica da tribo, dividindo as tribos do norte de Judá ao sul.

49:28–50:14 A morte e sepultamento de Jacó
Depois que Jacó abençoa seus filhos, a história retorna à cena do leito de morte a partir de 48:22. As palavras finais de Jacó repetem as instruções dadas em particular a José, para enterrá-lo com sua família na caverna de Macpela (47:29-31). Esta versão P é mais formal do que a versão J anterior. Quando Jacó morre, José dá instruções para que ele seja embalsamado. Este não era o antigo costume israelita, mas preservou o corpo de Jacó para que pudesse ser transportado de volta para Hebron, como Jacó havia solicitado. O povo observa o período de luto e depois atende ao pedido de Jacó, viajando numa grande e solene caravana. Depois de enterrarem o pai, todos os filhos voltam para o Egito.

Notas Adicionais
49.1-28
Tendo assim feito os acertos em relação a Efraim e Manassés, o Jacó moribundo volta-se agora para todos os seus 12 filhos. A chamada Bênção de Jacó é novamente profética, indicando algo da futura natureza e experiência das tribos de Israel; as palavras de Jacó não estão meramente prevendo o futuro, mas em certo sentido o estão gerando (observe como o patriarca fala no v. 7). Muitas das frases individuais são de natureza aforística, e podemos crer que foram repetidas e recitadas por muitas gerações. Os ditados mostram diversas e diferentes características, às vezes trocadilhos, e outras vezes simbolismos animais. Como é adequado para aforismos, a linguagem é poética, concisa e alusiva, e há mais alguns problemas para o tradutor moderno em virtude da grande antiguidade do hebraico.

49:1, 2. Os ditados se referem a dias que virão. O período em vista é, em grande parte, a época dos juízes e do início da monarquia; a previsão é somente parcial, e toda a seção é suplementada pela Bênção de Moisés (Dt 33). O final dos tempos (como sugere a tradução da VA) não está em vista aqui.

49:3, 4. Ao lembrar os eventos de 35.22, Jacó prediz a perda da proeminência que Rúben, como primogênito, sofreria entre as tribos de Israel. Rúben praticamente desapareceu como tribo no período dos juízes.

49:5ss. A capa da liderança não cairia sobre os irmãos na seqüência de idade, pois tanto Simeão quanto Levi estavam condenados em virtude de sua violência. Já tinham demonstrado a sua ferocidade em Siquém (cap. 34), e o v. 6 mostra que essa era uma característica constante, pela qual eram evitados pelos outros israelitas. Simeão, como Rúben, foi ultrapassado bem cedo e dispersado de forma considerável; Levi seria “espalhado” de outra forma, pois era a única tribo que não tinha propriedade territorial, mas recebeu cidades levitas em diferentes regiões do país. As importantes funções sacerdotais de Levi não foram anunciadas enquanto essa tribo não provou a sua identidade (v. comentários em Dt 33.8-11).

49:8-12. Judá, o próximo na idade, tinha um futuro glorioso à sua espera — pois Judá já havia provado a sua identidade. Essa tribo é retratada como tendo a dignidade e a força de um leão (v. 9) e como experimentando prosperidade material miraculosa. A linguagem do v. 11 é hiperbólica: amarrar um jumento a uma videira e lavar as roupas no vinho são ações de esbanjamento ridículo. O sentido do v. 12 não está claro, mas provavelmente deveria ser traduzido (cf. NEB) como referência à bela aparência física. Judá, consequentemente, será louvado (um jogo de palavras com o seu nome; cf. Rm 2.29) pelo restante de Israel, qae se curvarão diante dessa tribo dominante (v. 8). O v. 10 descreve a crescente primazia de Judá; os símbolos do cetro e do bastão de comando não são necessariamente emblemas reais (cf. Nm 21.18) e podem ser considerados presságios de nobreza (mesmo que ainda não de realeza) na época dos juízes; mas a continuação seria não somente real mas imperial, pois nações parece incluir nações fora de Israel. Assim, a profecia prevê o surgimento e as realizações de Davi, pois é a ele que devem aludir as palavras até que venha aquele a quem ele pertence — se essa for de fato uma tradução correta da frase. E evidente que as promessas a Judá não se cumpriram completamente antes da vinda do Messias; mas é difícil saber se esse texto já sinaliza esse tipo de cumprimento, ou se contenta em não prever mais do que a época de Davi (assim como as palavras acerca de Levi não deixaram transparecer nenhum sinal do glorioso futuro dessa tribo sacerdotal).

A dificuldade em interpretar o v. 10 é complicada ainda mais por incertezas e ambiguidades do texto hebraico, que parece dizer “até que Siló venha” ou “até que ele (i.e., Judá) venha a Siló”. Em outros textos, o nome Siló se refere somente ao santuário em Efraim, e é praticamente impossível encontrar qualquer significado satisfatório para ele nesse contexto, seja literal, seja simbólico; além disso, não deveríamos esperar encontrar topônimo algum nas declarações bastante gerais de Gn 49. E quase impossível justificar a idéia de que Siló é um nome pessoal, designando o Messias. Essa interpretação se tornou popular em círculos cristãos e judeus, mas parece ter surgido menos em virtude do hebraico do quem em virtude da inserção da palavra “Messias” que o Targum fez na sua tradução desse versículo.

Parece significativo que nenhuma das versões antigas tenha a palavra “Siló”. Pode ser que as vogais da palavra hebraica no TM sejam incorretas — elas certamente não eram representadas nos escritos dos tempos antigos.

Uma pequena mudança resulta na palavra sellõh, “pertencente a ele”; foi essa a conjectura que a NVI aceitou. Ela pode reivindicar algum apoio da LXX e da Peshita Siríaca, e o Targum talvez tenha fundamentado sua referência ao “Messias” nesse tipo de leitura. O apoio mais forte vem de Ez 21.27, que poderia muito bem estar aludindo a (e esclarecendo) essa profecia.

 Uma alternativa muito boa (cf. nota de rodapé da NVI) vem de uma antiga interpretação rabínica. Se “Siló” originariamente fosse duas palavras, e não uma, poderia facilmente ser vocalizada como say lõh, lit. “tributo a ele”; então a frase significaria “até que venha aquele a quem pertence o tributo” (nota de rodapé da NVI). Essa interpretação parece estar ganhando popularidade, aparecendo, por exemplo, na NTLH. A sua principal virtude é que provê um paralelismo muito próximo com a frase seguinte; observe como a NTLH liga as duas frases: “As nações lhe trarão presentes, os povos lhe obedecerão”. Essa interpretação, embora não diretamente messiânica, mesmo assim vislumbra posição real (e não somente sobre Israel) atribuída à tribo de Judá.

49:13ss. Os oráculos acerca de Zebulom e Issacar dão um breve testemunho dos efeitos da situação geográfica dessas duas tribos em formação. Os interesses da primeira seriam inevitavelmente voltados para o mar; enquanto Issacar preferiria terras férteis à independência austera. Ao estar preparado para suportar o domínio cananeu, faria um forte contraste com Judá.

49:16ss. Dã defenderá o direito é um jogo de palavras em hebraico (dãn yãdin). No contexto, a frase torna Dã, embora fosse uma tribo tão pequena quanto Issacar, muito mais independente em natureza — governando-se a si mesma e rebatendo qualquer tentativa exterior de invasão e domínio. A carreira de Sansão ilustra de forma vívida esse ponto. O v. 18 continua um enigma para todos os comentaristas; o seu sentido está claro, mas não a sua relevância para o contexto. Talvez as palavras devam ser entendidas como sendo de Dã, e não de Jacó, reconhecendo as duras pressões que Dã sofreria dos poderosos vizinhos filisteus.

 49:19ss. O dito acerca de Gade nos proporciona mais um trocadilho (Gade pode significar “ataque” e “bando”) e ilustra as pressões que essa tribo sofreria, na região a leste do Jordão; como Dã, ela mostraria um espírito independente, reagindo rapidamente a qualquer ataque. Fertilidade e boas colheitas seria a sorte de Aser. O significado exato do oráculo acerca de Naftali nos escapa (a nota de rodapé da NVI traz uma alternativa bem diferente), mas a sua imagem pode estar novamente relacionada à prosperidade.

49:22-26. José, como Judá, recebe uma atenção maior em virtude de sua importância. O cap. 48 ocupou-se principalmente com a relação mútua entre as duas tribos que descendiam de José; mas aqui são vistos como uma unidade (no centro da Palestina), prosperando e tentando expandir-se (v. 22), sob dura pressão da população local (v. 23), mas tendo vitórias com a ajuda de Deus (v. 24). A promessa enfática de bênçãos contrasta com a solidão que o indivíduo separado tinha experimentado no Egito. O sofrimento será substituído pela glória. (Por outro lado, a palavra “separado” poderia denotar uma perspectiva futura, a de ser “escolhido” para a bênção especial; cf. NTLH.)

49:27. O mais novo, Benjamim, geraria uma tribo pequena, mas uma que seria conhecida por sua bravura e destreza.

49.29-33. As últimas palavras registradas de Jacó eram concernentes ao seu próprio futuro. Os antigos egípcios preocupavam-se muito com a vida após a morte e possuíam uma mitologia bem elaborada sobre o tema; por isso é ainda mais marcante que o patriarca moribundo se preocupasse somente com o fato de que os seus ossos não permanecessem no Egito; ele não diz uma palavra acerca do Sheol ou da vida por vir. A coisa importante era a família estar unida na morte — reivindicando, por assim dizer, a terra prometida. A aquisição de Macpela é lembrada em detalhes (cf. cap. 23); um novo detalhe é a menção da morte e do sepultamento de Lia (v. 31).

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